No Coffee & Stocks desta segunda-feira conversamos com Camilla Dolle, analista de renda fixa da XP Investimentos, para entender o movimento recente do Tesouro Selic, considerado conservador e utilizado como reserva de emergência pela maioria dos investidores.
Renda fixa não é exatamente nosso core business, mas como muitos foram pegos de surpresa com a rentabilidade negativa desse título e ficaram sem entender o porquê do movimento, começamos a conversa pedindo para Dolle explicar por quê e como isso aconteceu.
Tesouro Selic
Antes de mais nada, você precisa entender como o Tesouro Selic remunera o investidor: ele é pós-fixado, então ele paga 100% da Selic com mais um percentual pré-fixado bem pequeno.
E todo o movimento que ocorreu recentemente para fazer o Tesouro Selic entregar uma rentabilidade negativa está relacionado àquele percentual pré-fixado: “No começo do ano, o percentual pré-fixado era de 0,02% ao ano. Depois subiu para 0,03%. E em setembro começou um movimento de abertura desse percentual. Esse percentual pré-fixado começou a crescer. E chegou, no pico, a 0,37%”.
O percentual pré-fixado, portanto, ficou 12 vezes maior no espaço de praticamente um mês. E, como a porção pré-fixada tem uma relação inversa com o preço do título, quando ela sobe, o preço cai.
E foi justamente isso que aconteceu: o percentual (pré-fixado) subiu e o preço do título caiu.
O mercado quer mais
O prêmio, falando de forma simples, é o que o mercado pede para investir nos títulos públicos. “O prêmio que o mercado queria, para correr o risco Brasil 2025, no início do ano, era 0,03% ao ano”, explica. Mas, no atual momento, o mercado quer um prêmio maior.
“Olhando para frente, entram outras questões, como o risco fiscal do Brasil. A gente tem uma percepção de risco grande no Brasil. Na pandemia, todos os governos gastaram mais do que esperado para conter os efeitos na economia, inclusive o Brasil. O temor é que, passado esse período de auxílio emergencial e gastos de contenção, o Brasil se empolgue e continue gastando. Quando o mercado vê esse temor de aumento de gastos, a percepção de risco aumenta e ele passa a exigir mais prêmio para investir, porque é possível que a gente tenha novos problemas com as contas públicas.”
A pergunta do milhão
A questão agora, para quem tem Tesouro Selic, é saber se e quando a situação desse título vai normalizar. Segunda Dolle, esse é a pergunta do milhão.
“Subiu muito rápido e começou a ter uma queda no começo da semana passada. Isso pode indicar uma tendência, mas é difícil falar em tendência com só uma amostra, um único dia. Mas já vimos uma estabilização e uma queda no dia seguinte. E isso já dá uma certa esperança de que o movimento está no final”, comentou.
Ninguém sabe quando o movimento vai acabar, mas, para Dolle, é certo que uma hora vai terminar.
E a reserva de emergência?
Para Dolle, quem não precisa do dinheiro agora não tem porque realizar essa perda. “Se esperar um pouquinho, o título vai voltar a valorizar. O prêmio, que aumentou, vai se estabilizar, e vai voltar o comportamento normal do Tesouro Selic”, concluiu Dolle.
O que estamos vendo, segundo ela, é passageiro. É um efeito de ajuste de expectativas do mercado, portanto, o Tesouro Selic continua sendo uma ótima reserva de emergência, por ser um título conservador em termos de risco de crédito, segundo a analista.
Reserva de emergência em dólar
Por conta da rentabilidade negativa atual do Tesouro Selic, houve quem levantasse a possibilidade de dolarizar a reserva de emergência. Para Camilla, é uma má ideia, já que o dólar é muito volátil.
“Quando a gente pensa em reserva de emergência a gente quer um ativo que não oscile. E, como aconteceu isso com o Tesouro Selic, está todo mundo com medo. E eu entendo. Mas a expectativa é que esse movimento de ajuste cesse e volte a ter o movimento tradicional”, explicou.