Nunca aposte em eventos binários

Texto originalmente enviado para os assinantes da newsletter Stock Pickers em 22 de agosto de 2020. Para receber também, inscreva-se aqui.

Marcio Appel foi o entrevistado do último Stock Pickers. Pra quem conhece o jeitão Appel de ser, sabia que o programa seria no mínimo curioso: seu raciocínio extremamente rápido faz com que cada aparição pública traga algum novo aprendizado.

Ao mesmo tempo, seu jeito bem “direto ao ponto” de responder gera uma expectativa a cada pergunta feita. Por isso que “esse Stock Pickers eu não perco por nada”  foi a mensagem que eu mais recebi quando anunciei o nome dele.

Deve ter sido a 5ª ou 6ª vez que falei com o Appel. Mas eu me lembro muito bem da primeira vez que estive ‘frente a frente’ com o homem: era novembro de 2016, eu estava no Rio de Janeiro gravando entrevistas para o projeto “InfoMoney Fora da Curva” e aproveitei uma janela de 30 minutos entre uma gravação e outra para visitar o gestor na sede da Adam (um ponto positivo do Rio de Janeiro é que, num mesmo prédio, é possível encontrar mais de 10 grandes gestoras).

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Apesar de ter apenas 30 minutos, sabia que o tempo não seria problema pelo estilo prático de respostas do gestor. E, pra ser sincero, até sobraram alguns minutos: o gestor rapidamente respondeu todas as minhas perguntas, e quando eu fiquei alguns segundos em silêncio pensando no que mais dizer, Appel apoiou as mãos sobre a mesa como se fosse levantar e disse: “Terminamos? Eu acompanho você até a porta”.

Mas aquele papo me trouxe uma lição muito legal, que inclusive foi o título da entrevista que publiquei no InfoMoney: não aposte em eventos binários.

Contexto: dias antes daquela conversa, os investidores foram surpreendidos duas vezes com o mesmo evento, que era a eleição presidencial dos EUA. A primeira surpresa foi a vitória de Donald Trump, algo totalmente improvável pois as pesquisas eleitorais indicavam clara vitória de Hillary Clinton às vésperas do pleito.

A segunda surpresa foi a reação dos mercados ao evento: antes das eleições, analistas acreditavam que uma inesperada vitória de Trump seria catastrófico para as bolsas por ser uma grande quebra do “status quo”. Mas o que vimos no mercado foi exatamente o oposto: após uma indefinição nos primeiros dias pós-eleição, as bolsas norte-americanas engataram uma sequência de alta e renovaram suas máximas históricas.

O evento contrariou todos os prognósticos – sejam eles políticos ou financeiros. E como isso afetou a estratégia de Appel? Em nada. Abaixo o trecho que resume a maneira como ele encarou esse evento:

“Da mesma maneira que eu não sei qual será o efeito final do “Brexit” na Inglaterra [o Brexit tinha sido votado em junho/16], não é claro para mim qual será o efeito final da vitória do Trump. O fato é que meu portfólio era equilibrado o suficiente para eu ter ido dormir às 21h30 da noite anterior e só ver o resultado das eleições no dia seguinte. É assim que eu gosto de enfrentar os eventos de curto prazo: se eles me tiram o sono, é sinal que minha carteira não está equilibrada”.

Voltando para agosto de 2020, começamos a última semana com rumores de que Paulo Guedes poderia deixar o governo (pausa para três soquinhos na madeira). Henrique Bredda (gestor do Alaska) fez um tweet lúdico, porém em linha com a lição aprendida com Appel em 2016:

Não digo que é errado investir em uma tese binária: pouca coisa deve ser tão saborosa quanto o gosto de dizer “eu sabia” ao acertar a direção de um evento binário. Apenas trate um evento deste como ele merece ser tratado: como uma aposta – e em qualquer jogo de aposta, você não vai colocar todas as fichas; é lá que você coloca o “dinherim de pinga”.

Se o Guedes cair, você diz “feu” ou “fa-se”? Claro que ninguém do mercado comemoraria uma notícia dessas, mas se isso acontecer e você perder o sono por causa da sua carteira de investimentos, algo errado não está certo nesta história.

Finalizo esta resenha nostálgica com uma das frases mais legais ditas pelo Appel neste episódio do Stock Pickers:

“Controle de risco é o que te faz zerar mesmo sem mudar de opinião (…) Mercado não é que nem videogame, que você morre e consegue voltar; se você morrer, acabou.”

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