Endometriose: Projeto de Lei busca ampliar diagnóstico e tratamento pelo SUS

Doença atinge cerca de 7 milhões de brasileiras e pode demorar até dez anos para chegar no diagnóstico correto

Victória Anhesini

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A endometriose afeta cerca de 5% a 10% das mulheres em idade reprodutiva, segundo a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia. No país, a doença ainda é subdiagnosticada, levando, em média, de 7 a 10 anos para ser identificada. Esse atraso dificulta o tratamento e pode resultar em complicações graves. 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a endometriose atinge aproximadamente 190 milhões de mulheres mundialmente, sendo 7 milhões no Brasil. 

O diagnóstico e tratamento da doença são fundamentais para o bem-estar e a qualidade de vida das mulheres, e a falta de cuidados pode causar dor intensa, infertilidade e impactos significativos no dia a dia das mulheres.

No último ano, a discussão sobre o tema ganhou força com a polêmica decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir temporariamente os implantes hormonais – um dos métodos mais utilizados no tratamento da doença.

Com mais atenção ao tema, um projeto de lei foi criado para ampliar o atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS), tanto para facilitar o diagnóstico quanto para o tratamento.

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Diagnóstico tardio 

O ginecologista Jorge Valente, especialista em reposição hormonal e endometriose, afirma que o grande desafio em relação à doença é reduzir o atraso no diagnóstico, pois ele sozinho pode comprometer a saúde e até mesmo a fertilidade das pacientes.

Em grande parte dos casos, o diagnóstico combina a avaliação clínica direcionada, exames laboratoriais, ultrassonografia transvaginal e ressonância magnética. 

“Ao investir em políticas de conscientização e informação, é possível incentivar as mulheres a procurarem atendimento médico mais cedo, permitindo um diagnóstico precoce e um controle mais eficaz da doença.”

— Jorge Valente, ginecologista especialista em reposição hormonal e endometriose

Vale frisar que os sintomas tendem a ser confundidos com cólicas menstruais (que são muito intensas, mas consideradas normais entre as mulheres), levando muitas pacientes a demorarem anos para buscar ajuda médica. 

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Outro ponto de atenção é que os exames de imagem nem sempre detectam a doença nos estágios iniciais, o que contribui para o atraso no diagnóstico.

“Dores fortes no período menstrual, associadas a cólicas severas, sangramento excessivo e sintomas de TPM exacerbados, devem ser investigadas”, reforça o ginecologista.

A falta de acesso a especialistas e exames de imagem de alta precisão é outro fator que impede o diagnóstico precoce. 

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“As mulheres que não têm plano de saúde enfrentam dificuldades ainda maiores para conseguir exames e consultas com especialistas”, ressalta Manuela Coutinho, fundadora da MC Legacy Lab, um laboratório que atua na pesquisa e desenvolvimento de soluções terapêuticas para a endometriose.

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Implantes hormonais: da proibição à liberação

Em outubro de 2024, os implantes hormonais, amplamente utilizados no tratamento da endometriose, foram alvo de polêmica. “Chips de beleza”, como eram chamados, prometiam resultados estéticos não comprovados pela ciência.

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A Anvisa proibiu a comercialização de todos os tipos de implantes hormonais, o que deixou diversas mulheres sem acesso ao tratamento que precisavam. Em novembro, a agência reajustou a decisão, impondo medidas rígidas para os implantes e mantendo a proibição para aqueles com objetivos estéticos.

De acordo com Valente, a proibição dos implantes hormonais pela Anvisa foi motivada por denúncias feitas por um site sem credibilidade, apoiado por algumas sociedades médicas. 

Após análises técnicas e mobilização da comunidade médica, a proibição foi revertida, comprovando a segurança e eficácia desse método. “O que deve ser regulamentado é o uso do hormônio, e não o método de aplicação”, disse Valente.

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Os implantes hormonais possuem vantagens, pois liberam gradualmente substâncias como a Gestrinona e o Nestorone, impedindo a ovulação e reduzindo os processos inflamatórios associados à endometriose.

Além disso, por não passarem pelo metabolismo hepático, causam menos efeitos colaterais do que os hormônios administrados por via oral.

Manuela destaca que “o impacto da proibição foi enorme, pois muitas mulheres já estavam em tratamento e ficaram sem acesso ao medicamento. Foi um erro grave, baseado em desinformação e interesses políticos, e não em ciência”.

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Tratamento da endometriose

Os avanços no tratamento da endometriose têm se concentrado em uma abordagem mais ampla, que coloca a mulher no centro do cuidado, e não apenas a doença.

“A endometriose tem características inflamatórias e autoimunes. O tratamento precisa ir além dos hormônios, incluindo regulação intestinal, melhora da microbiota e suplementação adequada para reduzir a inflamação”, explica Valente.

Entre as estratégias mais recentes adotadas por especialistas, estão:

Para Manuela, além das inovações médicas, o importante é que os tratamentos alcancem todas as mulheres que precisam deles.

“Temos visto avanços incríveis no tratamento da endometriose, mas muitas mulheres simplesmente não têm acesso a eles. Por isso criamos o Instituto Reviva Mulher, para levar implantes hormonais a quem não pode pagar”, disse.

O projeto social já beneficiou mais de 1.000 mulheres ao longo de 10 anos, oferecendo implantes gratuitamente para pacientes que não têm condições de arcar com os custos do tratamento. A expectativa é que o projeto consiga alcançar pelo menos mais 100 mulheres em 2025. 

“O impacto do tratamento é gigantesco. Vemos mulheres retomando suas carreiras, voltando a estudar, recuperando sua vida social. A endometriose não deve ser uma sentença de sofrimento”, complementa Manuela.

Projeto de Lei 85/25: o que pode mudar no tratamento pelo SUS?

Além dos avanços na medicina, o Projeto de Lei 85/25, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, propõe mudanças importantes no atendimento pelo SUS.

De acordo com a proposta, o SUS deverá garantir:

“O SUS oferece opções básicas como analgésicos e anticoncepcionais, mas, para casos graves, são necessários tratamentos mais específicos, que nem sempre estão disponíveis”, disse o deputado Icaro de Valmir (PL-SE), autor da proposta.

Enquanto o projeto de lei segue em tramitação e novas estratégias de tratamento são desenvolvidas, a conscientização continua sendo o principal meio de garantir que mais mulheres tenham acesso ao diagnóstico e ao tratamento adequado da endometriose.

“Precisamos reforçar a informação de que sentir dor intensa não é normal. Muitas mulheres ainda acham que a cólica severa faz parte do ciclo menstrual e convivem anos com um sofrimento evitável”

— Jorge Valente, ginecologista

Sobre a endometriose

A endometriose acontece quando o tecido que normalmente reveste o interior do útero, chamado endométrio, começa a crescer em outros lugares fora dele. 

Isso pode acontecer nos ovários, nas trompas de falópio, nos ligamentos que seguram o útero ou, em casos mais raros, em outros órgãos.

O tecido que cresce fora do útero se comporta como o mesmo que está dentro do útero. Ou seja, ele engrossa, se desfaz e é liberado durante o ciclo menstrual. 

Mas, ao contrário do que acontece dentro do útero, onde o sangue é expelido durante a menstruação, esse sangue não pode sair quando está fora do útero.

Isso pode causar dor, inflamação, formação de cicatrizes (chamadas aderências) e até cistos.