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Em meio ao impasse sobre a MP da reoneração (MPV 1202), que é alvo de críticas de empresários e de parlamentares e pode se tornar a primeira derrota do governo Lula no Congresso em 2024, empresas já estão sendo afetadas pelas novas regras até na limitação da compensação de créditos tributários.
É o caso de uma varejista que tinha direito de usar R$ 33 milhões em créditos tributários agora em janeiro, mas a MP impôs um limite mensal de R$ 7 milhões em compensações (veja mais abaixo). “Você não faz a compensação de um mês para o outro”, afirma Ariane Guimarães, sócia da área de tributário do escritório Mattos FIlho. “Às vezes é um projeto anual, às vezes é uma depreciação de máquinas e equipamentos que a empresa faz ao longo de 3 a 4 anos”.
Tributaristas ouvidos pelo InfoMoney criticam a Medida Provisória, editada no apagar das luzes de 2023, e a classificam como “presente de fim de ano” do governo. Eles apontam ilegalidades e lacunas no texto e dizem que as mudanças trazem não só insegurança jurídica para as empresas como ampliam (ainda mais) a judicialização. No campo político, parlamentares pressionam o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), a devolver o texto ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
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Há quem compare a limitação da compensação de créditos tributários a um “empréstimo compulsório” do governo, “uma forma indireta de confisco”. “Aconteceu na época do Collor”, afirma Felipe Martins, chefe da área tributária consultiva e contenciosa do Finocchio & Ustra Advogados. “O contribuinte entra na Justiça e tem uma decisão transitada em julgado dizendo que ele pagou imposto a mais. Se eu proíbo o contribuinte de usar esse crédito é como se fosse um empréstimo compulsório para o governo. Como se o governo estivesse confiscando uma renda do contribuinte, uma forma indireta de confisco”.
A MPV 1202/2023 prevê não só a reoneração gradual da folha de pagamentos, mas também modifica regras de incentivos fiscais, acaba com o benefício do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e impõe um limite para compensação anual de créditos decorrentes de decisões judiciais. “O que mais tem preocupado as empresas, no curto prazo, é a compensação de créditos. Foi uma surpresa grande, que afeta o dia a dia das empresas de imediato”, afirma Djalma Rodrigues, sócio da área tributária do Miguel Neto Advogados. “A previsibilidade que as empresas tentam manter vai toda por água abaixo. Já muda todo o planejamento para o ano”.
Para Guimarães, a própria limitação ao usufruto já é uma violação de direito de compensação. “Você propõe uma medida judicial e a Justiça reconhece seu direito. Você então opta por fazer a compensação, pois poderia escolher receber via precatório. E se programa para fazer essa compensação, mas daí vem o governo e estabelece outra regra. Isso gera uma segurança institucional muito grande”.
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A MP também contraria a decisão do Congresso Nacional que ampliou até 2027 a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores da economia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a vetar a prorrogação do benefício, mas os parlamentares derrubaram o veto. “Uma MP que retoma o assunto demonstra uma crise institucional. É um sinal de desespero do governo por receita a qualquer custo, independentemente das consequências”, afirma a sócia do Mattos Filho. “Além disso, a MP mexe em pontos muitos estruturais que já foram desafiados outras vezes judicialmente, com vitória dos contribuintes. Você não pode mudar a regra do jogo durante a partida”.
Compensação de tributos
No caso da compensação de créditos tributários, o governo restringiu o valor que pode ser abatido pelas empresas e impôs limites mensais e anuais. Os tributaristas ponderam que os créditos tributários são um direito adquirido pelos contribuintes só depois de decisões judicias transitadas em julgado e que a mudança afeta o planejamento tributário das empresas.
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“O texto impõe duas questões muito sérias: um limite temporal para o uso do credito, de acordo com o crédito apurado, e um limite mensal, para abatimento do tributo corrente”, explica Martins. Para ele e para Enéias Amorim, advogado sênior da área tributária consultiva do Finocchio & Ustra Advogados, os setores mais atingidos devem ser o de exportadores e o agro. Porque pagam pouca carga tributária e têm muitas isenções de tributos, o que acaba dificultando o uso dos créditos. “Como não pagam muitos impostos, ficam limitados na hora da compensação. As novas limitações acabam trazendo mais uma etapa que dificulta o uso de créditos tributários”, afirma Amorim.
O limite mensal é o principal complicador, na visão dos especialistas. Mesmo varejistas, que pagam muitos tributos e conseguem compensar os créditos tributários com mais facilidade, estão sendo afetados pela trava mensal. “Trabalhamos muito com varejo no escritório. O setor tem um grande volume de vendas em dezembro, e em janeiro tem de pagar muito impostos das mercadorias vendidas. Então as empresas usariam muito das compensações agora, no começo do ano”, conta Djalma Rodrigues, do Miguel Neto Advogados. “O varejo é cíclico. Outubro, dezembro e janeiro são os meses de maior pagamento de tributos, então a nova regra impõe uma dificuldade adicional”.
O Miguel Neto que assessora o cliente que tinha R$ 33 milhões para compensar em janeiro, mas as novas regras impuseram o limite de R$ 7 milhões. Rodrigues conta que o cliente pensou até em atrasar o pagamento de parte dos impostos, arcando com juros e multa, só para poder usar parte da compensação em fevereiro. Mas acabou fazendo toda a compensação em janeiro, pois o sistema da Receita não tinha uma trava para impedi-lo de usar todos os créditos tributários (acima do limite mensal da MP). “Mas não sabemos se o cliente vai ser penalizado depois. Não sabemos se a Receita vai criar essa trava ou se ela na verdade quer que ele caia nessa ‘armadilha’, para ele ser multado depois. Acho inclusive que essa pode ser uma ‘pegadinha’ da Receita.”
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Problema temporal
Outro problema da MP é a questão temporal. As novas regras valem para todos os créditos tributários, inclusive os que já estão sendo compensados? Valem para os créditos das ações judiciais que já transitaram em julgado? Ou valem só para decisões que ainda estão em julgamento? Os tributaristas têm visões diferentes sobre o assunto, mas são unânimes em calcular que o governo vá querer aplicar a medida mais rígida, que estenda as regras inclusive para as compensações em vigor.
“A MP vai ser aplicada para quem já tem decisão transitada em julgado? Vai valer para créditos usados a partir da edição da MP ou apenas para futuros créditos? E se eu já tenho uma decisão transitada em julgado, mas ainda não habilitei meu crédito na Receita? E se eu fiz o pedido em dezembro, mas a Receita ainda não me deu o aval para usar os créditos?”, questiona Martins, do Finocchio & Ustra Advogados. “Para mim, a questão da retroatividade claramente esbarra na questão da coisa julgada. Mas todas essas dúvidas geram um cenário de insegurança jurídica. Vai ter inclusive contribuintes judicializando a questão para depois não ser autuado [pela Receita]. E essa ‘judicialização preventiva’ gera um contencioso tributário muito grande”.
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Reoneração da folha e Perse
Sobre a reoneração da folha de pagamentos e o Perse, a sócia do escritório Mattos Filho aponta decisões judiciais recentes para dizer que ambas são ilegais. “O governo diz que, se não conseguir aprovar a MP, vai judicializar o assunto. Mas o Supremo deve derrubar a medida, pois os ministros já deram uma decisão unânime contra o governo Bolsonaro, que tentou derrubar a prorrogação da desoneração. No caso do Perse, o governo Dilma acabou com a Lei do Bem antes do fim do prazo, era para ser em 2018 mas ela encerrou em 2016, mas as empresas entraram na Justiça e ganharam”.
O argumento dos tributaristas é que o governo não pode acabar com um programa de isenção de impostos que tem prazo determinado e condicionantes para as empresas serem beneficiadas. Martins e Amorim, do Finocchio & Ustra Advogados, dizem que o fim do benefício contraria o artigo 178 do Código Tributário Nacional. “Tanto a desoneração quanto o Perse têm um beneficio condicionado e um prazo certo. No caso da desoneração, a empresa optou por esse regime e se planejou para os próximos 5 anos. Não pode vir uma MP revogando esse beneficio”.