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A dez semanas das eleições, os principais candidatos à Presidência da República se esforçam na disputa pela atenção do eleitorado, em uma espécie de ensaio de discursos para o pontapé inicial do período de campanhas.
Antes mesmo de o horário de propaganda eleitoral no rádio e na televisão começar, generosos programas sociais ganham destaque nas falas dos postulantes ao Palácio do Planalto. Especialistas, porém, veem pouco espaço para “mágica” na atual realidade orçamentária do país e alertam para os riscos de uma desorganização nas contas públicas.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) promete manter, no ano que vem, o Auxílio Brasil em R$ 600,00 – patamar alcançado graças à aprovação da PEC dos benefícios, mas que, pelo texto, vai somente até o final de 2022.
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Na reta final de seu mandato, ele também já fez diversas indicações favoráveis a um amplo reajuste salarial a servidores públicos. De outro lado, manobra com empresas estatais para garantir a antecipação de dividendos, e, assim, cumprir promessa de campanha de encerrar a gestão com superávit fiscal, em uma sinalização de compromisso com as contas públicas.
Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) promete para seus primeiros meses de governo, caso eleito, um programa robusto de investimentos em infraestrutura, educação e ciência e tecnologia no país, além de uma política de valorização real do salário mínimo. Ele também fala com frequência em incentivos à cultura e ao esporte.
O petista, que lidera as pesquisas de intenção de voto, diz que vai transformar o Auxílio Brasil de volta em Bolsa Família – uma das principais marcas de sua passagem pelo Poder Executivo – e que manterá os repasses mensais de R$ 600,00 às famílias contempladas.
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Isolada, a medida teria impacto de até R$ 60 bilhões por ano, segundo economistas.
Mas Bolsonaro e Lula não estão sozinhos em promessas ambiciosas do ponto de vista fiscal. Na semana passada, no lançamento de sua candidatura ao Palácio do Planalto, Ciro Gomes (PDT), terceiro colocado nas pesquisas, prometeu uma “revolução na educação” e defendeu o papel do Estado no impulsionamento do desenvolvimento econômico do país.
Ele disse que, se eleito, incorporaria ideias do programa de renda mínima defendido pelo vereador Eduardo Suplicy (PT-SP), englobando pagamentos feitos pelo Auxílio Brasil, seguro-desemprego, aposentadoria rural do Benefício de Prestação Continuada, e retomou a promessa de ajudar brasileiros na renegociação de dívidas sob condições especiais.
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As promessas dos candidatos mais bem posicionados na corrida presidencial são vistas com preocupação por especialistas, enquanto agentes econômicos já veem contratada uma rediscussão do arcabouço fiscal brasileiro durante o próximo mandato, seja quem for o escolhido para comandar o país a partir de 2023.
O assunto foi debatido na edição da última quinta-feira (7) do Timing Político, exibido pelo canal do InfoMoney no YouTube. Assista à íntegra do programa pelo player acima ou clicando aqui. Participaram do bate-papo o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, e Victor Scalet, analista político e estrategista macro da XP Investimentos.
“Não são só os R$ 200 do Auxílio Brasil. Vai ser inevitável aumentar salário mínimo, e vai ser inevitável reajuste de funcionalismo. Essas questões estão aí e o fiscal tende a ser muito complicado. Acho muito difícil qualquer um dos dois (Lula ou Bolsonaro) voltar atrás. E mesmo que um terceiro candidato vença a eleição, também não haverá condição”, avalia Melo.
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Para Scalet, a princípio não há como compatibilizar as promessas de campanha às regras fiscais vigentes. “Como isso fica dentro do arcabouço fiscal? A resposta é: não fica. Com o arcabouço fiscal atual, é impossível colocar R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões de despesas adicionais, não previstas, no orçamento do ano que vem”, afirmou.
Ele lembra que o Orçamento prevê cerca de R$ 120 bilhões em despesas discricionárias, mas que é necessário reservar ao menos R$ 85 bilhões para garantir o funcionamento da máquina pública (do contrário, há risco do chamado “shutdown”). Neste caso, somente o gasto adicional de R$ 50 bilhões com o Auxílio Brasil turbinado já seria suficiente para a conta não fechar.
Para o especialista, em meio a uma “disputa entre quem promete gastar mais”, o mercado já acreditava que o teto de gastos – principal regra fiscal do país, que que limita a evolução de boa parte das despesas públicas à inflação acumulada no ano anterior – corria sérios riscos de não ser respeitado em sua forma atual em 2023. Mas ainda não está claro o que deve vir no lugar. A disputa de teses gera incertezas, que afetam diretamente os preços dos ativos.
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“O mercado está bastante preocupado. Temos uma dívida alta. Era para termos um superávit fiscal muito grande neste ano, e, por decisões ao longo do ano, consumimos todo esse excesso de arrecadação por conta de preços de commodities – que é temporário – e estamos gastando isso com despesas correntes”, criticou.
“Temos uma taxa de juros hoje que está praticamente estável ao longo do tempo. Vamos ficar com Selic em 13% ou 14% para sempre? Isso é inviável em termos econômicos. Não é ciclo de política monetária. Vamos ter um PIB de -1% ou -2% se o juro ficar assim em 2023 e 2024. O mercado não está precificando isso, está precificando um risco. O mercado acha que os juros vão cair, mas para isso o governo precisa fazer uma política fiscal que no mínimo convença que o negócio vai ficar de pé”, observou.
Uma regra alternativa ao teto de gastos precisará ser construída pelo próximo presidente, aposta Scalet. “Alguma regra fiscal vai ser colocada. O formato vamos discutir depois da eleição e provavelmente com o novo presidente eleito ou reeleito. Mas é inevitável”, diz.
O desafio do candidato escolhido pelos brasileiros será encontrar um ponto de equilíbrio entre a pressão do mundo político e da sociedade por mais gastos e uma gestão das contas públicas que convença agentes econômicos de que não haverá perda de controle.
“Na prática, isso quer dizer que vamos ficar com uma volatilidade mais alta e pagando mais prêmio até termos certeza ou mais convicção de que a coisa vai para uma trajetória mais sustentável. Como encontramos esse meio do caminho? Esse meio do caminho é bastante ruidoso. Até termos um número fechado, vamos ver o mercado balançando − isso vale para câmbio, juros, bolsa”, sustentou.
Para Carlos Melo, a pandemia mudou drasticamente o ambiente político no Brasil e no mundo e o próprio comportamento do mercado nas relações institucionais. O especialista acredita que a construção em torno da nomeação de um técnico para comandar o Ministério da Economia, por exemplo, já não cabe no país que emergirá em 2023.
“A pandemia colocou uma realidade em que se percebeu que há uma série de questões e necessidades sociais que precisarão ser consideradas. O Auxílio Brasil é necessário? É. Passou a ser. O político ministro vai ter que compreender que isso é necessário, só que vai ter que compreender que não é um saco sem fundo. De onde tira? Onde que negocia?”, observou.
Para ele, o mercado parece ter ficado mais leniente com “caneladas” fiscais e esta pode ser uma tendência dos novos tempos nas relações de poder.
“[O mercado] Começou a estabelecer uma relação menos dura com o governo. O governo contraditoriamente diz que a pandemia acabou, mas aprova, no Congresso, um estado de emergência. E o mercado vai deixando passar. O mundo mudou”, disse.
“O mercado mudou. Talvez ele hoje se preocupe muito mais com o governo mostrar uma trajetória, mostrar que, ao longo do tempo, esse negócio não vai degringolar. O mercado até aceita que, em um primeiro momento, haja um processo de arrumação, mas é importante perceber que a curva não vai sair do controle”, pontuou.
Assista, na íntegra, ao Timing Político desta semana no vídeo acima ou clique aqui. O programa é exibido ao vivo às quartas-feiras, às 18h (horário de Brasília), no canal do InfoMoney no YouTube.