Telebras admite “pedalada” e projeta rombo de R$ 184 milhões em 2025, diz site

O procedimento de manobras contábeis, as chamadas “pedaladas”, é considerado irregular pelo TCU. Em tese, a conduta pode ser classificada como improbidade administrativa e crime de responsabilidade

Fábio Matos

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, em visita à dede da Telebras (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, em visita à dede da Telebras (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Em documento encaminhado ao Tribunal de Contas da União (TCU), a Telebras reconheceu ter praticado uma manobra contábil milionária, de cerca de R$ 77 milhões, para rolar despesas referentes a 2023 para este ano. As informações foram publicadas em uma reportagem do portal UOL

Ainda de acordo com o documento, obtido pelo UOL, a companhia pública projetou um rombo de R$ 184 milhões para 2025, que pode ser mais do que o dobro deste ano. 

O procedimento de manobras contábeis, as chamadas “pedaladas”, é considerado irregular pelo TCU porque descumpre o que determina a Constituição. Em tese, a conduta pode ser classificada como improbidade administrativa e crime de responsabilidade. 

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Após a publicação da reportagem, parlamentares do Partido Novo, de oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pediram ao TCU a apuração da suposta “pedalada”. Relator do processo, o ministro Antonio Anastasia cobrou esclarecimentos da Telebras e do Ministério das Comunicações, pasta responsável pelo supervisionamento das atividades da estatal. 

Em resposta ao TCU, a Telebras admitiu que utilizou uma ferramenta orçamentária denominada “Despesas de Exercícios Anteriores” (DEA), com o objetivo de rolar compromissos de 2023 para 2024. 

A DEA é um recurso legítimo, mas só pode ser usado em casos excepcionais delimitados em lei, o que não se aplicou no caso da Telebras. Quando utilizado fora das regras, o instrumento pode aumentar artificialmente o orçamento de um órgão, acumular dívidas para a União, distorcer resultados fiscais ou consumir recursos dos anos seguintes, impactando negativamente o planejamento do governo. 

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No ano passado, houve uma troca de diretoria na Telebras, que é vinculada ao Ministério das Comunicações. Tanto a pasta quanto a empresa ficaram sob a órbita do grupo político liderado pelo senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), ex-presidente do Senado e cotado para retomar o posto a partir de 2025.

O que diz a Telebras

Questionada pelo UOL, a Telebras informou que se manifestaria sobre o caso no âmbito do processo no TCU. Ao tribunal de contas, a companhia disse que havia informado sobre o uso da DEA a “todas as partes interessadas”. 

O Ministério das Comunicações, comandado por Juscelino Filho (União Brasil), afirmou ao TCU que foram realizadas “reuniões ministeriais em articulação com os órgãos centrais” para “tratar da situação da Telebras”. Segundo a pasta, foram discutidos “implicações e riscos decorrentes desse cenário adverso”.

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Ainda de acordo com o ministério, duas reuniões, em 19 de março e 9 de abril, teriam contado com a participação do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), além de integrantes das duas pastas e um representante da Receita Federal. 

A Fazenda, por sua vez, alegou que “não tem competência para administrar questões orçamentárias, operacionais e administrativas de outros ministérios ou de empresas estatais”.

Lula prometeu “recuperar” a Telebras

Em agosto, Lula visitou o Centro de Operações Espaciais Principal (Cope-P) da Telebras, em Brasília (DF).

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Na cerimônia, foi assinado um contrato entre a Telebras e o Ministério do Trabalho e Emprego para o fornecimento de serviços de telecomunicações de longa distância. Segundo o Planalto, a iniciativa permitirá a conectividade segura entre as 409 agências do Ministério do Trabalho, com monitoramento contra ataques cibernéticos 24 horas por dia.

Após assumir, pela terceira vez, a Presidência da República, Lula excluiu a Telebras do rol de empresas estatais que seriam privatizadas – grupo definido durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“O que é muito significativo é o interesse do nosso governo em recuperar essa empresa. Nós vivemos momentos no Brasil de muitos sonhos e muita esperança, e depois de muita incerteza, em que tudo que era bom tinha de ser privatizado, tinha de vir do estrangeiro. Tudo o que era bom era o Brasil se abrir para o mundo depois do Consenso de Washington”, afirmou Lula.

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Em seu discurso, o presidente recordou as tentativas de privatização da Petrobras no passado. “Fico sempre me lembrando de quantas vezes tentaram privatizar a Petrobras, ao invés de tratarmos a Petrobras como uma empresa que é orgulho deste país, uma das coisas mais extraordinárias que foram feitas. Desde lá, sempre aparece alguém achando que tem de privatizar”, criticou.

“Quando há dificuldade de privatizar, eles começam a vender ativos separados e vão tentando desmontar o corpo: vende o braço, uma perna, uma orelha, os dentes. Quando você volta, percebe que a empresa está totalmente desmontada e não está mais cumprindo o seu papel”, prosseguiu Lula.

“No caso dos Correios e da Telebras, nós chegamos ao cúmulo da ignorância de que essas duas empresas estavam praticamente proibidas de vender serviços ao Estado, mesmo que oferecessem preço mais barato. É um Estado que não se respeita, um governo que não tem visão de Estado. Pessoas que não pensam no Brasil”, disse o presidente.

Lula defendeu a importância de o governo brasileiro manter o controle sobre empresas que considera estratégicas.

“Tem coisas que têm de ser, inexoravelmente, do Estado. É assim na Alemanha, na França e nos Estados Unidos. Muita gente foi levada neste país pela tese de que tem que abrir o mercado para todo mundo, que o importante é o livre acesso ao comércio”, afirmou.

“O que falta neste país são as autoridades e o governo terem o mínimo de brio e de orgulho de ser brasileiro. Pensarem um pouco naquilo que o Estado pode oferecer para o bem-estar da sociedade”, continuou Lula.

“Como um país que tem uma empresa dessa qualidade resolve privatizá-la? Quando resolvemos tirar essa empresa do rol da privatização, nós assumimos um compromisso de fazer com que ela, daqui a 2 anos, seja melhor do que é hoje, preste mais serviços do que presta hoje.”

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”