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Antes de a Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/2019) que trata da reforma tributária dos impostos sobre o consumo efetivamente chegar ao Senado Federal, o mundo político especula sobre como será a tramitação da matéria nesta nova etapa do processo legislativo, que deverá se estender por boa parte do segundo semestre.
Embora exista quase um consenso de que ajustes no texto aprovado pela Câmara dos Deputados serão feitos pelos senadores (o que exigiria uma nova análise pelos deputados) e que há boas chances de aprovação da matéria, ainda há uma série de dúvidas sobre a direção das discussões na chamada “Casa da Federação” e a intensidade das possíveis mudanças.
“Dada a expressiva votação que a reforma teve na Câmara dos Deputados e o consenso entre agentes econômicos, com importantes setores do PIB fazendo campanha a favor da proposta, podemos esperar no Senado a aprovação [do texto], mas uma aprovação em que alterações irão ocorrer”, observa Carlos Eduardo Borenstein, analista político da consultoria Arko Advice.
“A reforma tributária é apontada por alguns economistas como a principal reforma que o Brasil fez depois do Plano Real. Nesse contexto, o Senado também tem interesse, do ponto de vista político, de deixar sua marca na reforma, e não apenas referendar o texto da Câmara”, pontua. O movimento já ocorreu em matérias deliberadas recentemente, como o marco das garantias e o próprio novo arcabouço fiscal ‒ ambos pendentes de nova análise pela Câmara.
Para Mário Sérgio Lima, analista sênior de política e macroeconomia para o Brasil da consultoria Medley Global Advisors, os principais pontos de atenção nesta etapa de tramitação da reforma tributária são a velocidade de tramitação da matéria e eventuais mudanças em pontos centrais do texto aprovado pelos deputados.
O especialista acredita que pontos do debate federativo que ficaram em aberto na primeira etapa de discussão do texto, como a distribuição de recursos de fundos a entes subnacionais e a própria governança do Conselho Federativo que será responsável por gerir os recursos do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), receberão maior atenção agora. E pode haver algum espaço para redução no volume de exceções concedidas a setores específicos da economia.
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“O Senado vai querer mexer em parte do texto. Por um lado, torce-se para que haja alguma redução nas exceções. Mas, por outro, como os estados têm um peso maior, há um risco de que os governos consigam alguns ganhos que a Câmara não dê, que os governadores tenham um poder de lobby um pouco maior”, avalia.
“Espero que tenhamos uma redução das exceções, mas também acho que existem muitos senadores que podem ser permeáveis a lobbies de setores, como serviços. De todo modo, não havendo aumento de exceções, já seria um ganho, mas o ideal seria que o governo consiga mostrar aos senadores o quanto o aumento de benefícios faria com que a alíquota acabe sendo muito alta”, prossegue.
Mudanças: o que vem por aí?
Designado relator da proposta no Senado Federal, o experiente Eduardo Braga (MDB-AM) tem evitado antecipar os caminhos do debate ou entrar em questões de mérito do texto, mas já deu sinais de que as discussões sob a ótica dos estados e municípios pode ganhar novos contornos na volta do recesso parlamentar.
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“No estado da arte, o texto aprovado pela Câmara foi muito bem recebido, não só pela opinião pública, mas também pelos investidores, pelo mercado. Quando você vai para o detalhe, para a questão pontual, existem obviamente questões a serem revisitadas, e o Senado, com a cautela e responsabilidade que tem, o fará”, disse, na última terça-feira (12), na primeira entrevista que concedeu a jornalistas após ser anunciado relator da PEC.
Líder do MDB no Senado, o parlamentar, considerado aliado de Lula (embora não fosse o nome preferido do governo), fez acenos ao Palácio do Planalto ao indicar que deve restabelecer no texto dispositivo que prorroga benefícios para indústrias nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste até 2032 ‒ que na Câmara foi derrubado em destaque de bancada aprovado por 1 voto.
Mas considera difícil a possibilidade de “fatiamento” da matéria, com eventual promulgação dos pontos em comum aprovados pelas duas casas e o retorno para análise dos deputados apenas de possíveis divergências.
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“Nós estamos tratando de um sistema tributário que é complexo, que é amplo”, disse. “A percepção que temos é que é quase impossível você fatiar uma PEC sobre uma matéria sistêmica como a reforma tributária. Portanto, a reforma tributária terá que ser tratada como um todo, para que não fique atrofiada de um lado, capenga do outro. Ela precisa ser vista de forma global”, prosseguiu.
Tal posição contrasta com apostas de analistas políticos consultados pelo InfoMoney, que veem chances elevadas de algum nível de fatiamento ocorrer ‒ o que poderia permitir negociações menos açodadas entre as duas casas legislativas em busca de um texto de consenso. Uma alternativa, dizem, seria retirar do texto pontos em que não há consenso e que poderiam ser discutidos na forma de lei complementar.
Governadores: nova correlação de forças
Braga também entende haver um possível “desequilíbrio” entre os estados no modelo de governança aprovado pelos deputados para o Conselho Federativo, que leva em consideração três requisitos em deliberações: 1) maioria absoluta dos estados e do Distrito Federal; 2) representantes dos estados e do DF que correspondam a mais de 60% da população do país; e 3) maioria absoluta dos municípios e do DF.
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O desenho costurado buscou garantir o apoio do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), à proposta. Pelo modelo, o estado saiu com peso diferenciado na tomada de decisões do Conselho Federativo ‒ embora integrantes do governo sejam enfáticos em dizer que o organismo terá papel meramente burocrático de executar aquilo que já estará definido em lei, sem margem para discricionariedade.
No Senado Federal, porém, há quem acredite que a estrutura possa sofrer mudanças, dada a diferente correlação de forças em comparação com a Câmara dos Deputados. Se nesta última casa legislativa São Paulo conta com 70 dos 513 assentos disponíveis (ou seja, 13,65%), na outra, são apenas 3 de 81 (3,70%).
“A agenda federativa sem dúvida será muito debatida no Senado, até porque o Senado é a casa da federação. Esse é um dos pontos que aqui terá ênfase no plano de trabalho e terá reuniões entre não só a Comissão de Constituição e Justiça, mas o próprio presidente do Senado e a relatoria com as diversas instâncias federativas”, acenou o próprio relator.
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Para Mário Sérgio Lima, é provável que a nova correlação de forças leve a mudanças na estrutura do órgão gestor da porção subnacional do Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) previsto na PEC.
“Acho que devemos ter mudança no acordo da governança do Conselho. Pode vir algo que seja menos favorável a São Paulo, dada a mudança de peso de cada um dos estados”, projeta.
“Em compensação, pode ser que um acordo seja construído para garantir mais votos daqueles que são mais oposicionistas e que podem estar em uma órbita de influência maior de Tarcísio”, pondera. Ele também vê possibilidade de um possível aumento de aporte de recursos federais nos fundos destinados aos entes subnacionais.
Seria o caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR). Pelo texto aprovado pelos deputados, ele terá como objetivo “reduzir as desigualdades regionais e sociais, mediante a entrega de recursos da União aos estados e ao Distrito Federal” para: 1) realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura; 2) fomento a atividades produtivas com elevado potencial de geração de emprego e renda, incluindo a concessão de subvenções econômicas e financeiras; e 3) promoção de ações com vistas ao desenvolvimento científico e tecnológico e à inovação.
O texto traz previsões anuais para os aportes da União ao fundo, que começam em R$ 8 bilhões em 2029, e crescem no mesmo montante a cada ano até chegarem em R$ 40 bilhões em 2033. A partir daí, o volume se mantém, sendo corrigido apenas pela variação da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Mas a PEC reserva para lei complementar a ser discutida posteriormente as regras de distribuição dos recursos, passando como única orientação a vedação para a retenção ou qualquer restrição ao seu recebimento pelos entes federados. A indefinição contraria interesse de governadores das regiões Norte e Nordeste e já tem levado a uma disputa por valores.
Pela lógica, os estados mais pobres teriam direito a uma fatia maior, mas o governador Tarcísio de Freitas tem pressionado por um entendimento mais favorável ao seu estado, em que o cálculo levaria em conta o número de atendidos pelo programa Bolsa Família em cada estado.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Braga já deu o recado de que a correlação de forças agora será outra nesta etapa de tramitação da reforma tributária: “Claro que o governador Tarcísio tem portas abertas para conversar conosco e nós vamos dialogar com todos os estados, mas não é como na Câmara”.
Outra discussão que deve ser aprofundada pelos senadores envolve o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiros-fiscais relacionados ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Pelo texto aprovado, o instrumento tem por objetivo compensar, até 31 de dezembro de 2032, pessoas jurídicas beneficiárias de isenções, incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto estadual que deixará de existir, concedidos, até 31 de maio de 2023, por prazo certo e sob condição.
A proposta traz valores a serem repassados anualmente pela União ao fundo, de 2025 a 2032, corrigidos pelo IPCA:
1) R$ 8 bilhões em 2025;
2) R$ 16 bilhões em 2026;
3) R$ 24 bilhões em 2027;
4) R$ 32 bilhões em 2028;
5) R$ 32 bilhões em 2029;
6) R$ 24 bilhões em 2030;
7) R$ 16 bilhões em 2031;
8) R$ 8 bilhões em 2032.
O texto, no entanto, traz dispositivo que obriga o governo federal a complementar os valores do fundo em caso de insuficiência de recursos para o cumprimento dos objetivos definidos. Entre quem acompanha de perto a situação das contas públicas, há uma preocupação de que os dispêndios da União sejam muito superiores aos definidos na proposta, elevando o custo da reforma tributária (a despeito dos ganhos esperados com ela).
Outro ponto a ser discutido pelos senadores é dispositivo incluído no texto na reta final das discussões, por meio de emenda aglutinativa, que autoriza estados e o Distrito Federal a instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relacionados com o ICMS.
O instrumento é válido para contribuições que já existiam em 30 de abril de 2023 e tem vigência até 31 de dezembro de 2043. Ele gerou preocupações no mercado e foi visto como elemento com potencial de promover significativa distorção no sistema tributário proposto na PEC.
Em entrevista ao InfoMoney, Bernard Appy, secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, disse que a decisão sobre a emenda “vai caber ao Congresso Nacional”, mas defendeu ajustes no texto aprovado pelos deputados.
“O que acho importante talvez seja melhorar a redação para deixar mais claro o escopo e que é para alcançar aquilo que já é alcançado hoje, e não para colocar um instrumento que possa ser ampliado a bel-prazer dos estados. De fato, a redação talvez precise de algum ajuste. Mas não é o governo que decide isso”, disse.
Na ponta do lápis: exceções x alíquota final
O relator da proposta também indicou uma atenção especial sobre as exceções aprovadas pelos deputados e sua relação com a alíquota final do novo tributo cobrado. Estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estima que a alíquota efetiva do novo imposto fique em 28,4%, considerando a versão final do texto votado pelos deputados federais.
Eduardo Braga tem cobrado do Ministério da Fazenda simulações para que os parlamentares possam tomar uma decisão mais embasada sobre a calibragem do texto, garantindo também que não haja risco de aumento de carga tributária para o consumidor final ‒ hipótese que o governo garante não existir a curto e médio prazos.
“Tudo agora queremos analisar com números. Nos conceitos a Câmara discutiu muito. Agora, já que há um modelo colocado de pé, nós queremos poder quantificá-lo e verificar os impactos que ele está indicando”, afirmou o relator em entrevista concedida a jornalistas na semana passada.
Ambiente favorável
O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), estima que a reforma tributária seja votada no plenário da casa legislativa até outubro. Antes, a matéria precisará passar pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ).
Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição, o texto precisa do apoio de 3/5 dos senadores (ou seja, pelo menos 49 dos 81 integrantes da casa) em dois turnos de votação em plenário. Caso ele seja aprovado com mudanças de mérito em relação à versão recebida dos deputados, é necessária nova análise da Câmara.
A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças. Ela somente vai à promulgação do Congresso Nacional quando superadas essas divergências. Considerando o momento de disputa por espaço entre os comandos das duas casas (o que ficou evidente no impasse envolvendo a tramitação de medidas provisórias), há preocupação sobre algum nível de contágio sobre o andamento da reforma.
Sob esta ótica, soma-se o fato de o avanço da matéria na Câmara dos Deputados ser creditada muito pelo esforço do presidente daquela casa, o deputado Arthur Lira (PP-AL) ‒ adversário político do senador Renan Calheiros (MDB-AL), que é figura próxima do relator Eduardo Braga. Mas analistas políticos ouvidos por esta reportagem apostam na superação de eventuais arestas e avanço na construção de um texto de consenso entre os congressistas.
“O que pode haver é um atraso [na tramitação da matéria]. O Senado vai querer segurar bem, ter audiência pública, querer colocar o dedo dele na reforma. Mas não acho também que vai contaminar o andamento. Bem ou mal, por mais que seja visto como um ganho de Lira, o Senado também quer ser visto como parte da solução”, observa Lima.
Para Júnia Gama, analista política da XP Investimentos, a postura adotada por Eduardo Braga nos últimos dias, no sentido de se aproximar do relator da proposta na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), reduz o risco do “pingue-pongue” da matéria e facilita um entendimento entre os parlamentares.
“Ainda tem muita negociação, mas o clima geral no Senado é muito positivo para essa reforma, e o avanço dela é algo que vai acontecer com relativa rapidez”, disse na última edição do podcast Frequência Política.