Sem ajustes, arcabouço fiscal pode se esgotar mais rapidamente do que teto de gastos, diz deputado

Ainda sem conhecer detalhes do texto que será enviado pelo governo ao Congresso, Pedro Paulo defende gatilhos, enforcement e ajuste em mecanismo anticíclico

Marcos Mortari

O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) em sessão plenária (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)
O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) em sessão plenária (Foto: Elaine Menke/Câmara dos Deputados)

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Um dos parlamentares mais engajados no debate sobre contas públicas no Brasil, o deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ) acredita que o novo arcabouço fiscal, nos moldes anunciados pela equipe econômica do governo, pode não garantir o esperado quadro de equilíbrio fiscal para o país e ainda corre risco de se esgotar em prazo mais curto do que o teto de gastos, que entrou em vigor em 2017.

Em entrevista ao InfoMoney, o congressista alega que a norma gera incentivos negativos ao gestor público por estimular uma busca constante por elevação de receitas − base para o limite de despesas para exercício seguinte − sem cobrar um olhar mais atento sobre a rubrica dos gastos.

Leia também: Congresso já discute mudanças em arcabouço fiscal, mesmo antes de governo enviar projeto

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O parlamentar também critica a ausência de mecanismos de responsabilização e gatilhos em caso de descumprimento das metas estabelecidas e alega que a ausência de crescimento de receitas em um ano não poderia justificar um crescimento real mínimo de 0,6% dos gastos reais no exercício seguinte.

“A despesa não está em todos os momentos ancorada. E se ela não subir? Mesmo havendo decréscimo, estão subindo [a despesa] em 0,6% real, sem falar nada sobre pelo menos manter reajuste de pessoal na linha da inflação. Isso não é anticíclico. Esses indícios mostram que há uma concepção forte de continuar com a despesa corrente ajudando no processo de reversão de um período de baixa receita, e não [necessariamente] de baixo crescimento econômico”, avalia.

“Além disso, toda regra fiscal precisa ter cláusula de escape e sanção. (…) É preciso fechar a regra para ela ter o enforcement necessário. São problemas graves que vejo no projeto, ainda sem conhecer o texto. Minha preocupação é que a regra, pelo que foi anunciado, resolva o governo, mas não resolva o problema”, diz o deputado, que é vice-líder do governo na Câmara.

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O envio do projeto de lei complementar ao Congresso Nacional era prometido pelo Palácio do Planalto nesta semana, junto com o Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), mas acabou adiado para depois do retorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da viagem oficial à China.

Na avaliação do deputado, a busca por aumento de receitas pode levar o governo a ir além do caminho do combate aos “jabutis” apontado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em referência ao enfrentamento a injustiças ou distorções no sistema tributário. Como consequência, poderia vir a discussão sobre elevação de alíquotas − embora hoje a equipe econômica negue.

Outro desafio vem da retomada dos mínimos constitucionais para a Saúde (15% da receita corrente líquida) e a Educação (18% da receita resultante de impostos), com o fim da vigência do teto de gastos. Na prática, a regra fará com que as despesas nas duas áreas cresçam proporcionalmente mais do que o espaço de aumento do total de gastos, forçando ajustes em outros setores.

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“Há uma assimetria de crescimento da despesa em Educação, que agora vai ficar vinculada à receita corrente líquida. A velocidade de crescimento dela vai ser diferente da velocidade de crescimento da despesa total nessa ancoragem de 70% [do crescimento] da receita. O Fundeb está solto, sem nenhuma limitação. Deixaram [o piso da] enfermagem fora. Acho que, do jeito que está, pelo menos o desenho que foi anunciado, pode haver um esgotamento da limitação de despesa primária muito mais rápido do que aconteceu com a criação da regra do teto”, alerta o deputado.

Pedro Paulo, que comandou a Secretaria de Fazenda e Planejamento da Prefeitura do Rio de Janeiro nos dois anos anteriores, é autor de um projeto alternativo de arcabouço fiscal, apresentado em março. Em linhas gerais, o texto propõe um limite flexível para o crescimento de despesas públicas, definido de acordo com o nível de endividamento público do país medido pela Dívida Líquida do Governo Geral (DLGG) em proporção do Produto Interno Bruto (PIB), e prevê gatilhos que podem ser acionados dependendo do cenário.

Mesmo sem ainda conhecer o texto que virá do Poder Executivo, o parlamentar já trabalha na elaboração de potenciais emendas, baseado naquilo que o governo já anunciou sobre seu arcabouço fiscal. A ideia é introduzir alguns elementos do seu projeto ao texto que chegará ao Congresso na semana que vem. Dentre eles estão a introdução de uma meta de endividamento, a mudança de receita para PIB a referência para o mecanismo anticíclico da proposta e a introdução de possíveis sanções.

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Durante a entrevista ao InfoMoney, Pedro Paulo disse não ver clima para o parlamento tornar o marco fiscal do governo mais rígido, embora acredite que a introdução de dispositivos de enforcement à regra tenha chances de avançar. “É muito mais natural que a regra fique mais flexível. Nunca vi uma regra entrar aqui e o Congresso torná-la mais dura”, diz.

Leia os destaques da entrevista:

InfoMoney: Qual é sua avaliação sobre o arcabouço fiscal desenhado pelo governo? 

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Pedro Paulo: O primeiro disclaimer que temos que fazer é que não há texto. Mas não podemos negar que é um arcabouço coerente com o que pensam historicamente os economistas de esquerda − e é legítimo eles defenderem isso, foi o presidente que ganhou a eleição. É um arcabouço fiscal em que o gasto público assume maior protagonismo.

Todos os processos de ajuste comandados por economistas de esquerda são ancorados em receita, seja por uma crença de que o gasto público tem efeito de tração no crescimento econômico, seja porque enfrentar o controle de despesas obrigatórias não é simples. Muito da base em que o Partido dos Trabalhadores foi criado e sobrevive é composta por corporações que podem ser afetadas pelas medidas.

Um aspecto positivo é que, de alguma forma, eles tentam sinalizar que fazem seus processos de ajuste via receita e buscam manter a despesa em patamar menor do que o da receita. O problema está quando começamos a olhar do quarto muro. O governo indica que vai controlar a despesa ancorada na receita, mas um primeiro problema é saber qual receita vai estar disponível. Não está claro se vêm [receitas] extraordinárias ou só receita recorrente.

Outro problema é que o incentivo não é positivo. É um incentivo talvez perverso. Por haver crescimento da despesa, independentemente do comportamento da receita, as possibilidades de aumentar a receita tirando os ‘jabutis’ podem se esgotar − o que levaria a uma pressão por aumento de alíquota.

Um aspecto que também não é trivial é o da despesa. Não está clara a ancoragem da despesa em 70% [do crescimento da receita]. Qual despesa? A despesa obrigatória vai continuar solta, sem controle? Já vimos que [o piso de] enfermagem está fora. Fundeb também.

IM: É um tema que normalmente passa à margem do debate. Mesmo com o teto de gastos, despesas obrigatórias seguiram trajetória superior à inflação, forçando o ajuste pelo lado das discricionárias…

PP: [Com o arcabouço,] Está bem mais liberada do que [com] o teto. Há uma assimetria de crescimento da despesa em Educação, que agora vai ficar vinculada à receita corrente líquida. A velocidade de crescimento dela vai ser diferente da velocidade de crescimento da despesa total nessa ancoragem de 70% [do crescimento] da receita. O Fundeb está solto, sem nenhuma limitação. Deixaram [o piso da] enfermagem fora.

Acho que, do jeito que está, pelo menos o desenho que foi anunciado, pode haver um esgotamento da limitação de despesa primária muito mais rápido do que aconteceu com a criação da regra do teto. Estamos fazendo uma série de testes de cenários para ver como fica o cumprimento da meta que eles traçaram. É bem difícil.

IM: No mercado, há uma percepção de duas regras que ainda não se conversam. A limitação das despesas da forma como foi construída não garante sozinha o cumprimento das metas indicadas para o resultado primário nos próximos quatro anos. De todo modo, há economistas otimistas que dizem que, mesmo sem esses objetivos, o fato de a despesa crescer abaixo da receita, como o marco fiscal estabelece, pode ser suficiente para gerar acomodação da dívida pública no longo prazo. Qual sua avaliação sobre essa leitura?

PP: A despesa não está em todos os momentos ancorada. E se a receita não subir? Mesmo havendo decréscimo de receita, estão subindo [a despesa] em 0,6% real, sem falar nada sobre pelo menos manter reajuste de pessoal na linha da inflação. Isso não é anticíclico. Esses indícios mostram que há uma concepção forte de continuar com a despesa corrente ajudando no processo de reversão de um período de baixa receita, e não [necessariamente] de baixo crescimento econômico.

Além disso, toda regra fiscal precisa ter cláusula de escape e sanção. Cadê a cláusula de escape? Não vi ninguém falar sobre isso. Se não der certo, o que vai ser feito? É natural que haja problemas – espero que no texto isso venha. Outra coisa é a responsabilização. Cadê? [Regra de] Despesa de pessoal tem responsabilização, regra de ouro também, assim como o teto tinha. Qual é a punição do descumprimento do superávit pretendido?

No meu projeto de arcabouço, trazemos uma evolução da penalização. Não penalizaríamos o não atingimento de um índice pretendido da dívida líquida. Mas o não acionamento dos gatilhos ou o descumprimento de uma vedação poderiam, sim, levar a uma penalização. É preciso fechar a regra para ela ter o enforcement necessário. São problemas graves que vejo no projeto, ainda sem conhecer o texto. Minha preocupação é que a regra, pelo que foi anunciado, resolva o governo, mas não resolva o problema. Essa é uma coisa que temos que trabalhar para ver o que conseguimos melhorar.

IM: Sua proposta de arcabouço dialoga ideias que circulam entre economistas reconhecidos no campo fiscal e até com algo que a Receita Federal sugeriu no passado…

PP: A média de quem pensa regra fiscal [indicava que] a evolução, a regra 4.0, seria uma regra de dívida. Mas o governo veio com essa proposta completamente diferente.

IM: O que é possível aproveitar do seu texto no marco fiscal defendido pelo governo?

PP: Acho que a questão do enforcement, da responsabilização. Aprimorar as válvulas de escape. Outra coisa importante seria trazer uma meta de dívida. O governo fala em algo em torno de 76% [para a dívida bruta (DBGG) em 2026 caso o centro das metas de superávit sejam atingidos nos quatro anos]. A exemplo do que foi feito no caso do superávit, também seria possível trabalhar em algumas metas para tentar forçar a curva de sustentabilidade da dívida.

IM: O que o senhor tem ouvido de outros parlamentares?

PP: Eu vejo mais ambiente para criar algum tipo de responsabilização na regra e algum tipo de razoabilidade na história do crescimento da receita, para que não venha um governo de forma voraz aumentando alíquota. Mas vejo dificuldade para criar aqui algum tipo de controle do crescimento inercial da despesa obrigatória. Em linhas gerais, não vejo ambiente no parlamento para tornar a regra mais rígida. É muito mais natural que a regra fique mais flexível. Nunca vi uma regra entrar aqui e o Congresso torná-la mais dura.

IM: Mas o lado da punição pode tornar a regra mais rígida…

PP: Sim, porque essa politicamente talvez possa ser um recado. Mas acho que, sem os ajustes que precisam ser feitos, vai ser uma regra mais difícil de ser cumprida. E sem esses mecanismos internos, uma responsabilização pura é algo duríssimo.

IM: Se no texto original não vier um olhar sobre as despesas obrigatórias, o senhor pretende apresentar algo nessa direção?

PP: Vou apresentar. Vou apresentar um conjunto grande de emendas. Respeitando a prerrogativa e a legitimidade do governo de capitanear e de ter seu projeto, mas vou apresentar emendas que vejo que tecnicamente podem melhorar o projeto, tornando a regra mais completa e calibrada. Já estou preparando, tenho uma ideia de quase todas.

IM: E quais seriam?

PP: Gatilhos, enforcement, a questão de estabelecer meta de dívida, compartilhada com as metas que já existem de superávit; transformar o que eles apresentaram como dívida esperada em dívida pretendida; tentar ajustar a válvula anticíclica − fazê-la verdadeiramente ancorada no PIB, e não na receita; medidas que possam depurar um pouco mais qual receita vai estar disponível para ancoragem da despesa.

Outro caminho importante é trazer algumas medidas para dentro do limite da despesa primária, reduzindo o espaço de despesa sem limite algum. Não estou dizendo que não são prioridade, mas qual gasto na vida não tem limite? Vamos ver o texto, o que ficar de fora, para pelo menos ter alguma disciplina, ainda que possam ter crescimento diferente das demais.

IM: Nos primeiros 100 dias, as sinalizações do governo no campo fiscal tiveram maior concentração no lado das receitas do que das despesas. Qual sua leitura sobre as principais iniciativas até o momento apresentadas?

PP: O contexto geral é ter contínuo aumento de receita. É bom ter aumento de receita, mas, quando você está dependente somente dela, passa de um limite para entrar quase no desespero. É preciso ter alguma razoabilidade.

Na questão do Carf, por exemplo, o voto de qualidade é um tema que já foi superado aqui [no Congresso Nacional]. É uma questão delicada, mas vejo que o governo vai aprovar. De alguma forma, é um retrocesso. Alguém tem que pensar no erário, mas esses conselhos são criados justamente para dar voz muitas vezes a injustiças cometidas pelo Fisco. De todo modo, não vejo o potencial todo que eles acham que vão ter com a mudança do voto de qualidade.

Mas começa a me preocupar que essa ânsia de tributar. Começam os atropelos. Na questão das bets (sites de apostas), por exemplo… É importante, é um absurdo, mas há uma questão federativa. Bet é serviço. A União, que precisa arrecadar a qualquer custo, vai ignorar que é uma receita que deveria ficar com as capitais, os municípios? Imagino as dificuldades que vão advir da vontade absoluta de arrecadar.

IM: Qual sua avaliação sobre as chances de avanço da reforma tributária?

PP: Estou otimista. Acho que nunca tivemos um ambiente tão favorável. Muitas vezes há reformas que são polêmicas, mas acredito que hoje todo mundo, do PSOL ao Novo, é a favor de uma reforma tributária, resta saber qual.

A estratégia do governo foi bastante inteligente e eficaz: primeiro, de afastar as outras reformas, começando pelo IVA e deixando as demais para depois. Eles também trouxeram quem concebeu a reforma (o economista Bernard Appy) para dentro do governo, em uma posição de comando, para falar sobre a proposta. O terceiro ponto foi a unificação do governo a favor das reformas. [Fernando] Haddad, [Geraldo] Alckmin, Simone [Tebet], Lula, Rui [Costa]: todos falam desta reforma. Há um sentimento verdadeiro de que isso é prioridade. Não é como aconteceu com [Jair] Bolsonaro. Isso organiza taticamente a aprovação da reforma. Outro aspecto importante é a deferência ao parlamento. Isso facilita muito aprovar uma reforma desse tamanho.

Mas existem problemas. Os principais obstáculos são calibragem das alíquotas, em especial para serviços, e a questão federativa − seja a autonomia de fiscalizar, seja como vai ser a partição das receitas. No jogo de ganhos e perdas, como quem perde se garante com os fundos compensatórios de transição? É uma questão importante. O governo tem que ter estrategicamente uma caixinha de cartas na manga para poder jogar na hora da discussão. Por exemplo, para o caso de estados e capitais, dívida é uma carta na manga. No caso de serviços, tributação de folha [de salários] pode entrar no jogo.

Mas uma coisa fundamental, que é o mesmo problema do arcabouço, é que precisamos ter texto. Não há nada que avance sem texto. Senão é só discurso.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.