Sem acordo, Senado e governo pedem mais tempo ao STF para negociar desonerações

Pedido ocorre às vésperas de "recesso branco" do Congresso Nacional e em meio a divergências sobre medidas de compensação necessárias para equilibrar contas públicas

Marcos Mortari

O presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) concede entrevista ao lado dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), e  do líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) | (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)
O presidente do Senado Federal, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) concede entrevista ao lado dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e das Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), e do líder do governo no Congresso Nacional, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP) | (Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado)

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Em meio a um impasse com o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o Senado Federal deixou para agosto, na volta do “recesso branco”, a votação do projeto de lei (PL 1.847/2024) que trata de medidas de compensação para os impactos fiscais gerados pelas desonerações sobre a folha de pagamentos concedidas a 17 setores econômicos e milhares de municípios pelo Congresso Nacional.

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O adiamento tornaria ainda mais apertado o prazo até 18 de agosto, concedido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para que Executivo e Legislativo cheguem a um entendimento sobre medidas para fazer frente à renúncia fiscal gerada. Caso nenhum projeto sobre o assunto seja aprovado até lá, o benefício concedido aos setores e às prefeituras será cancelado, com a aplicação de cobrança regular. Por isso, os Poderes apresentaram um pedido, nesta terça-feira (16), à Corte por mais tempo para negociar.

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Na peça, assinada pela Advocacia Geral da União (AGU) e pela Advocacia Geral do Senado Federal, as partes destacam os esforços de ambas as partes na busca por um entendimento. Do lado do parlamento, também foi pontuada a tentativa de pautar o assunto na semana passada, que não ocorreu “por não terem sido concluídas as negociações com o Ministério da Fazenda a respeito das medidas de compensação”.

“Adicionalmente, aproxima-se a suspensão dos trabalhos no prazo do recesso constitucional parlamentar, período em que as atividades legislativas são significativamente reduzidas, não ocorrendo sessões deliberativas nas Casas do Congresso Nacional. Isso impactará diretamente na capacidade de deliberação sobre o tema, demonstrando claramente a urgência e a necessidade de concessão de um prazo adicional para a construção de um consenso sobre a matéria”, sustentam.

As partes também apontam a “complexidade político-institucional” do tema e pede a prorrogação até 30 de agosto para as negociações.

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Impasse político

Desde que o Supremo atendeu o primeiro pedido apresentado pelo governo federal para suspender as desonerações se não fossem apresentadas medidas compensatórias, as tratativas com o Senado Federal para fazer frente aos impactos dos benefícios fiscais avançaram, mas ainda não o suficiente para serem levados a votação no plenário da casa legislativa, que entra em recesso nesta semana.

O texto em tramitação, sob relatoria do senador Jaques Wagner (PT-BA), líder do governo no Senado Federal, mantém a desoneração total para os 17 setores e os milhares de municípios que se enquadram nos critérios estabelecidos e determina uma retomada gradual da cobrança sobre a folha de pagamento de 2025 a 2027.

Um mês atrás, o presidente da casa legislativa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), devolveu ao Poder Executivo parte da medida provisória (MPV 1227/2024) que trazia iniciativas de compensação indicadas pelo governo − entre elas a limitação ao uso de créditos do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) para o abatimento de outros tributos e a vedação ao ressarcimento em dinheiro do crédito presumido. Foi neste momento que o Poder Executivo ingressou no STF e obteve decisão favorável, estendendo para o Congresso Nacional a necessidade de observância da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que impede que novas despesas ou renúncias de receitas sejam aprovadas sem a indicação de fonte compensatória.

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Desde a decisão da Corte, parlamentares têm buscado alternativas para compensar os impactos das desonerações para atender a ordem judicial. O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), defende quatro medidas principais: 1) Programa de repatriação de recursos mantidos por brasileiros no exterior; 2) Programa de equacionamento de multas de empresas em agências reguladoras; 3) Atualização de bens e regularização de ativos a uma alíquota reduzida de imposto; 4)Taxação de 20% sobre compras internacionais até US$ 50,00.

Também entraram na lista a cobrança sobre receitas de apostas esportivas, “dinheiro esquecido” no sistema financeiro e depósitos judiciais sem titularidade. Entre parlamentares, há ainda quem defenda a oferta de uma janela para a regularização de imóveis. A equipe econômica do governo federal, no entanto, alega que o pacote não gera o montante necessário para fazer frente à renúncia de receitas estimada em R$ 18 bilhões. Por isso, ela defende a elevação da alíquota cobrada de Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) caso a frustração se confirme.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), minimizou, nesta terça-feira (16), o impacto do prolongamento das discussões sobre medidas de compensação para as desonerações e disse que o “problema é fechar um número”.

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“Tem que fechar um número. Esse é o nosso problema, é fechar um número. (…) Tenho que ter um conjunto de medidas que compensem esse número, aí vamos ter tranquilidade para concluir a execução orçamentária deste ano e dos próximos”, disse.

O senador Izalci Lucas (PL-DF), vice-líder do bloco parlamentar “Vanguarda” (que reúne integrantes de PL e Novo), disse, em entrevista à TV Senado, que a decisão de adiar a discussão para agosto é “muito prudente”. Segundo ele, há controvérsias com relação aos impactos dos benefícios fiscais e as alternativas para cobri-los. “Nossa expectativa é que haja bom senso e que ele [o ministro Cristiano Zanin, relator da matéria no STF] prorrogue até 30 de agosto [o prazo para aprovação das compensações]“, disse.

Para o parlamentar, o prazo pedido por AGU e Senado Federal é razoável para a resolução do impasse. “Esse assunto precisa ser discutido de forma definitiva, porque é impossível e contra a lógica você tributar em cima de folha de pagamento”, ponderou.

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Medidas insuficientes

Especialistas em contas públicas, alertam, no entanto, que mesmo a inclusão de receitas oriundas de um incremento da CSLL teriam impactos limitados, já que seria necessário o cumprimento de noventena constitucional para sua implementação. Ou seja, se a regra fosse aprovada hoje, ela só produziria efeitos a partir de outubro, restando menos de 2 meses para os ganhos de arrecadação.

Nos cálculos do economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, um aumento de 1 ponto percentual na CSLL asseguraria arrecadação adicional de até R$ 2,2 bilhões em 2024. Caso a iniciativa seja restrita ao setor financeiro, como tem sido ventilado por alguns integrantes da base do governo, o impacto seria ainda menor: R$ 0,3 bilhões, segundo o especialista. Mesmo assim, parlamentares resistem à medida.

As estimativas de Sbardelotto corroboram avaliações do Ministério da Fazenda e indicam que as medidas discutidas pelos senadores não seriam suficientes para garantir os R$ 18 bilhões necessários para o primeiro ano da desoneração. Segundo o especialista, as ações até o momento mencionadas têm potencial arrecadatório de apenas R$ 9,4 bilhões − pouco menos da metade do necessário.

O economista destaca, ainda, que o relatório bimestral de avaliação de receitas e despesas públicas (RARDP) divulgado pela equipe econômica do governo federal não é claro sobre o cenário do Poder Executivo. Considerando as informações dispostas no anexo do documento, ele pontua que podem ter sido levadas em conta o efeito total da desoneração da folha de salários dos 17 setores (R$ 15,8 bilhões), o efeito parcial da desoneração dos municípios (três meses em 2024, por conta da noventena para volta da tributação, ou R$ 2,6 bilhões) e o efeito da revogação do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos – Perse (R$ 6 bilhões). “Assim, o efeito líquido no relatório bimestral era uma perda de R$ 12,4 bilhões”, pontua.

O próximo RARDP será apresentado pelo governo federal na próxima segunda-feira (22) e é aguardado com ansiedade pelo mercado financeiro, por trazer sinalizações importantes sobre a condução da política fiscal no país − que também dependerá de um acordo com o Congresso Nacional em torno da pauta das desonerações.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.