Secretário de Política Econômica vê “atipicidade” em regime de metas de inflação praticado no Brasil e diz que debate é “sempre saudável”

Para Guilherme Mello, metodologia baseada no "ano-calendário" e taxas de juros reais muito acima da média afastam Brasil das boas praticas internacionais

Marcos Mortari

O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello (Foto: EDU ANDRADE/Ascom/MF)
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello (Foto: EDU ANDRADE/Ascom/MF)

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Um dos principais nomes do Ministério da Fazenda de Fernando Haddad (PT), o secretário de Política Econômica da pasta, Guilherme Mello, vê o Brasil distante das boas práticas internacionais quando o assunto é regime de metas de inflação.

Em entrevista concedida ao InfoMoney na última quarta-feira (24) em seu gabinete em Brasília, Mello disse que a equipe econômica constatou “atipicidades” ao comparar a forma do modelo nacional com o que vem sendo adotado por economias desenvolvidas e emergentes mundo afora.

A principal delas estaria relacionada ao desenho das metas de inflação. Aqui a regra segue o modelo do ano-calendário, que estabelece de forma mais rígida o horizonte temporal para aferição do nível de inflação em relação aos objetivos definidos pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).

O outro ponto de descompasso com o mundo seria o próprio nível de taxa de juros reais praticada no Brasil. O indicador se refere ao percentual resultante da diferença entre juros e inflação (sejam eles realizados ou projetados no mercado) em um determinado período.

“A discussão da meta enseja um debate que acho sempre saudável, de olharmos os exemplos internacionais. Nós fizemos essa análise da institucionalidade do regime de metas mundo afora e percebemos que o Brasil é um pouco fora das boas práticas no que tange à temporalidade do seu regime de metas, que ainda é muito preso ao ano-calendário, enquanto a maior parte dos países ou tem metas de médio prazo ou contínuas”, disse o secretário.

“O segundo fator era o nível de taxa de juros real do Brasil, que realmente, ainda hoje, é a mais alta do mundo e estava muito distante dos seus pares. É um campeonato que não é agradável liderar”, prosseguiu.

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Guilherme Mello diz que está atento e participa das discussões sobre o assunto, mas reitera que ele não está na agenda da pasta neste momento.

No mercado, há certa ansiedade para a próxima reunião do CMN, marcada para daqui a um mês. O órgão é formado pelo presidente do Banco Central, hoje comandado por Roberto Campos Neto e pelos ministros da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), e tem entre seus compromissos o de definir a meta de inflação a ser seguida pela autoridade monetária.

Os objetivos até 2025 já foram estabelecidos no governo anterior, mas há uma desconfiança entre agentes econômicos de que os parâmetros possam mudar com a nova composição do conselho. Já a alteração do período considerado para o cumprimento das metas é dada como mais provável ao longo dos próximos anos.

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Apesar das impressões no mercado, Mello desconversa sobre as possíveis alterações. “Na Fazenda, 29 de junho é longo prazo. Esse tema não está hoje na minha mesa, na nossa agenda. Mas eu participo das discussões com atores do mercado, da imprensa e ouço muito sobre ele. Acho que é um assunto relevante, não só no Brasil como no mundo inteiro. Todos os países que têm metas de inflação estão com muita dificuldade em cumpri-las”, disse.

Segundo ele, no entanto, não há qualquer debate sobre a possível mudança de parâmetros já estabelecidos para a meta de inflação. Ao contrário da questão sobre o ano-calendário, que já foi objeto de estudos internos e falas críticas de Haddad.

Defensores da ideia alegam que ela daria maior flexibilidade para a condução da política monetária e ofereceria um horizonte temporal maior para que se observassem os efeitos dos juros sobre a economia e os preços em sua plenitude (prazo estimado por especialistas em cerca de 18 meses).

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Questionado sobre possíveis entraves para a mudança metodológica, Mello disse não ver obstáculos, mas disse que o foco da equipe econômica tem sido a política fiscal, de modo a construir um ambiente de harmonização da política macroeconômica.

“Neste momento, não é o que está na nossa agenda, mas obviamente que a qualquer momento que esse tema aparecer no debate, seja pelo Banco Central, seja pelo ministro ou quem for, nós estaremos prontos para trazer o embasamento técnico, a discussão acadêmica e a experiência internacional para municiar qualquer tipo de decisão que exista”, frisou.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.