Risco parafiscal sobre contas públicas entra nas preocupações de analistas

Avanços de despesas que passam ao largo dos limites do novo arcabouço acendem sinal de alerta para o quadro fiscal

Marcos Mortari

A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista coletiva (Foto: Edu Andrade/Ascom/MF)
A ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB) e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), em entrevista coletiva (Foto: Edu Andrade/Ascom/MF)

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Embora vislumbrem chances crescentes de a banda de tolerância da meta fiscal ser cumprida em 2024 pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), analistas políticos apontam para um risco às contas públicas que passa ao largo das regras estabelecidas pelo arcabouço fiscal: o risco imposto pelo uso de políticas parafiscais.

Tal avaliação foi capturada na 59ª edição do Barômetro do Poder, levantamento feito pelo InfoMoney com algumas das principais consultorias e analistas políticos independentes com atuação no Brasil (saiba mais sobre os participantes e a metodologia adotada ao final da reportagem).

Segundo o levantamento, realizado entre os dias 4 e 8 de novembro, 59% dos analistas políticos consultados consideram “altos” ou “muito altos” os riscos impostos por medidas parafiscais sobre o objetivo de equilibrar as contas públicas. Outros 35% avaliam tais riscos como “moderados”, ao passo que apenas 6% reputam como “baixos”.

Em uma escala de 1 (muito baixos) a 5 (muito altos), a média das respostas dos especialistas para o risco oferecido pelas medidas parafiscais para a construção de um quadro saudável para as contas ficou em 3,71.

Políticas parafiscais envolvem iniciativas que se utilizam de mecanismos às margens das regras fiscais vigentes, evitando que as despesas passem pelo Orçamento Público e sejam enquadradas pelo limite de gastos — uma das regras do novo marco fiscal, que estabelece uma “trava” para o crescimento das despesas entre um exercício e outro.

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No mercado financeiro, cresceram as preocupações com esses instrumentos após o encaminhamento de projeto de lei (PL 3.335/2024) que trata de mudanças no Vale Gás. O projeto remetido à deliberação do parlamento diz que o auxílio “Gás dos Brasileiros” garantirá benefícios adicionais com a concessão de descontos na aquisição do gás de cozinha. Tal medida seria oferecida diretamente no revendedor varejista para a compra de botijão, limitado a uma unidade por família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico).

Pelo texto, esta nova modalidade poderá ser custeada por meio de repasses diretos à Caixa Econômica Federal de duas formas: 1) pela União, de dotações orçamentárias consignadas ao Ministério de Minas e Energia, observada a disponibilidade orçamentária e financeira; e 2) por pessoas jurídicas que firmarem termo de adesão com a União.

A última, na prática, representa uma espécie de “encontro de contas” de pagamentos que seriam feitos à União, por empresas que exploram o pré-sal, destinados ao chamado Fundo Social. O que foi visto como uma “manobra” por especialistas em contas públicas, que entendem que o arcabouço fiscal é contornado através da renúncia de arrecadação e envio de proventos ao fundo. Neste movimento, seria possível realizar um subsídio sem que o ônus incorrido pela União seja contabilizado como gasto ─ ou seja, sem o risco de desobedecer a uma das restrições impostas pelo arcabouço fiscal.

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Mas o modus operandi não é novo. Ele também foi adotado para o programa “Pé de Meia”, que cria um fundo de até R$ 20 bilhões com recursos de superávits e sobras de outros fundos ─ Fundo Social (FS), Fundo Garantidor de Operações (FGO) e Fundo de Garantia de Operações de Crédito Educativo (FGEDUC) ─ para incentivar a permanência e à conclusão escolar de estudantes matriculados no ensino médio público.

Com tal desenho, não há despesas do Tesouro Nacional e os recursos vindos dos referidos fundos sequer são repassados aos cofres da União (o que culminaria em registro de receita e posterior despesa, limitada às regras do arcabouço fiscal).

A lei foi sancionada com essa formatação com assinaturas de Lula, dos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Camilo Santana (Educação), de Silvio Almeida (então ministro dos Direitos Humanos) e de Osmar Ribeiro de Almeida Junior (secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome). Chamou atenção a ausência de Simone Tebet (Planejamento e Orçamento), uma das maiores defensoras do programa de incentivo à permanência dos jovens na escola.

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Também entram na lista de preocupações de agentes econômicos relacionadas a políticas parafiscais iniciativas envolvendo empresas estatais e a desvinculação de superávit financeiro de fundos — ou seja, movimento para permitir que a receita não gasta vinculada a um fundo ou despesa específica possa ser usada para novas finalidades.

Goteiras no teto

Ao longo do ano, as projeções do Ministério da Fazenda para o resultado primário sofreram uma deterioração, saindo de superávit de R$ 9 bilhões na Lei Orçamentária Anual (LOA) sancionada para um déficit de R$ 69 bilhões, conforme apontou o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP).

Parte da piora (cerca de R$ 39 bilhões) é explicada em razão dos recursos destinados ao enfrentamento à tragédia climática das fortes chuvas no Rio Grande do Sul (RS). Mas também há relevante participação do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que somaram R$ 31 bilhões da piora vista.

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Considerando os dados do RARDP, houve uma deterioração de R$ 8 bilhões apenas do terceiro para o quarto bimestre, mas as projeções do governo de atingir o limite inferior da meta de resultado primário do ano ─ ou seja, déficit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB), ou R$ 28,756, de acordo com as projeções da própria equipe econômica.
Isso porque a despesa fora dos cálculos de aferição da meta fiscal aumentou em R$ 12 bilhões, por conta da tragédia no Rio Grande do Sul e as queimadas agravadas pela seca país afora no meio do ano.

Como foi feita a pesquisa?

Barômetro do Poder ouviu 17 especialistas entre os dias 4 e 8 de novembro, através da aplicação de questionário online.

Deste grupo, 12 representam consultorias de análise de risco político ou relações governamentais. São elas: Ágora Assuntos Políticos; BMJ Consultores Associados; Dharma Political Risk & Strategy; Dominium Consultoria; Eixo Estratégia Política; Eurasia Group; MCM/LCA Consultores; Medley Global Advisors; Patri Políticas Públicas & Public Affairs; Prospectiva Consultoria; RGB Consultoria; e Seta Solutions Public Affairs.

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Além deles, participaram do levantamento 5 analistas políticos de forma independente: Antonio Lavareda (Ipespe); Carlos Melo (Insper); Leonardo Barreto (Think Policy); Rogério Schmitt (Espaço Democrático); e Thomas Traumann (Traumann Consultoria).

Conforme previamente acordado com os especialistas convidados, as respostas de cada um são mantidas anônimas, sendo divulgados apenas os resultados agregados.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.