Publicidade
Antes mesmo de começar a tramitar no Congresso Nacional, a medida provisória que modificou regras de incentivos fiscais, acabou com o benefício do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e impôs um limite para compensação anual de créditos decorrentes de decisões judiciais (MPV 1202/2023) já enfrenta resistências no mundo político e entre os setores econômicos afetados.
O ponto considerado mais polêmico do texto envolve uma nova regra para o benefício da desoneração da folha de pagamentos para atividades econômicas intensivas em mão de obra − assunto recentemente deliberado pelo Poder Legislativo e que gerou controvérsia com o governo, culminando inclusive na derrubada de um veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Atualmente, o benefício consiste na substituição da contribuição paga pelas empresas destinada à Seguridade Social, de 20% sobre o total de remunerações pagas, por uma contribuição sobre a receita bruta das companhias, com alíquotas que variam de 1% a 4,5%. O modelo também eleva em 1 ponto percentual a alíquota da Cofins na hipótese de importação de determinados bens. Tal desenho estava previsto para acabar em dezembro de 2023, mas o Congresso Nacional prorrogou a medida até 2027.
Continua depois da publicidade
A MPV revoga a lei aprovada pelos parlamentares e estabelece um benefício temporário a partir da própria folha de pagamentos. Pela regra, os setores beneficiários são divididos em dois grupos − cada uma com uma alíquota de partida e um ritmo de “fase out”. No primeiro, que envolve empresas de transporte, comunicação audiovisual e tecnologia, a alíquota parte de 10% em 2024 e chega a 17,5% em 2027. Já o segundo grupo, que envolve setores como construção civil e confecção de calçados, a alíquota reduzida partirá de 15% para alcançar 18,75% três anos depois.
Veja as listas completas abaixo:
Grupo I | Grupo II |
Transporte ferroviário de carga | Curtimento e outras preparações de couro |
Transporte metroferroviário de passageiros | Fabricação de artigos para viagem, bolsas e semelhantes de qualquer material |
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitana | Fabricação de artefatos de couro não especificados anteriormente |
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacional | Fabricação de calçados de couro |
Transporte rodoviário de táxi | Fabricação de tênis de qualquer material |
Transporte escolar | Fabricação de calçados de material sintético |
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormente | Fabricação de calçados de materiais não especificados anteriormente |
Transporte rodoviário de carga | Fabricação de partes para calçados, de qualquer material |
Transporte dutoviário | Construção de rodovias e ferrovias |
Atividades de rádio | Construção de obras de arte especiais |
Atividades de televisão aberta | Obras de urbanização – ruas, praças e calçadas |
Programadoras e atividades relacionadas à televisão por assinatura | Obras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações |
Desenvolvimento de programas de computador sob encomenda | Construção de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas |
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveis | Construção de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto |
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveis | Obras portuárias, marítimas e fluviais |
Consultoria em tecnologia da informação | Montagem de instalações industriais e de estruturas metálicas |
Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informação | Obras de engenharia civil não especificadas anteriormente |
Edição de livros | |
Edição de jornais | |
Edição de revistas | |
Edição integrada à impressão de livros | |
Edição integrada à impressão de jornais | |
Edição integrada à impressão de revistas | |
Edição integrada à impressão de cadastros, listas e de outros produtos gráficos | |
Atividades de consultoria em gestão empresarial |
A mudança provocou desconforto entre entidades setoriais. Em nota conjunta, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) disseram que a medida provisória “aumenta os custos de empregar” e prejudica a competitividade dos produtos e serviços brasileiros tanto no mercado internacional quanto no doméstico. Elas pedem que os parlamentares devolvam o texto ao Poder Executivo. A MPV também excluiu 8 setores do benefício fiscal, como call center, confecção e vestuário, máquinas e proteína animal.
Continua depois da publicidade
O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou a dizer que a matéria “causa estranheza” e que deve ser analisada de forma técnica em seus aspectos de constitucionalidade, considerando também o “contexto de reação política”. Ele também sido pressionado pela oposição a não dar andamento à medida provisória. Uma reunião com líderes partidários do Senado Federal está marcada para esta terça-feira (9) para discutir o assunto. Autor do projeto de desoneração, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) chamou a ação de “afronta ao Congresso”.
No governo, a avaliação é de que o texto oferece uma oportunidade de negociação em termos mais vantajosos para o Executivo, já que a versão aprovada pelos parlamentares impõe uma frustração de receitas estimada em R$ 12 bilhões, sem fonte de compensação. O fato de boa parte das medidas previstas no modelo proposto pelo governo ter prazo para começar a valer (90 dias nos casos da desoneração e da revogação de descontos envolvendo CSLL, PIS/Pasep e Cofins no Perse) também pode ajudar a acalmar os ânimos e trazer os congressistas para a mesa de negociação.
No momento, três cenários se desenham ao Poder Executivo: 1) a devolução da medida provisória e a consequente manutenção do texto aprovado pelo Congresso Nacional; 2) a tramitação da MPV normal na volta do recesso parlamentar, com possibilidade de modificações na versão defendida pelo governo; ou 3) a tramitação “fatiada” do texto, com os pontos mais polêmicos sendo discutidos separadamente via projeto de lei.
Continua depois da publicidade
As primeiras conversas devem aproveitar a presença de diversas lideranças partidárias em Brasília para o ato referente ao aniversário da invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2022. Para o governo, o primeiro grande desafio será evitar que a MPV seja devolvida sem sequer tramitar − o que poderia soar como precipitado em pleno recesso parlamentar e com tempo para conversas antes que as regras gerem efeitos.
Neste caso, o resultado seria uma antecipação da judicialização do assunto. Na semana passada, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse que a prorrogação da desoneração da folha aprovada pelo Congresso era “inconstitucional, antiorçamentária e antieconômica”. Segundo ele, a MPV é uma “alternativa à judicialização”, mas que, caso o texto seja devolvido, ela ocorrerá.
“Em um ambiente em que o diálogo entre Executivo e Legislativo tem ocorrido de forma regular, com composição política relativa a espaços no governo e aprovação de um orçamento acordado que beneficiou o Congresso com amplo controle sobre emendas e fundo eleitoral robusto, vemos um cenário mais propenso ao debate do que ao gesto político extremo da devolução de uma MPV”, pontuam os analistas da XP Investimentos.
Continua depois da publicidade
Caso os congressistas decidam pelo andamento da MPV, o processo legislativo regular indica que a relatoria desta vez ficaria com um deputado federal − o que daria ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), maior controle sobre as tratativas. Dada o forte apoio das duas casas ao desenho vigente para a desoneração, há chances significativas de o modelo proposto pelo governo sofrer ajustes.
Na avaliação dos analistas políticos da XP, um caminho possível seria a manutenção do desenho de benefício aprovado pelo Congresso Nacional, mas com a incorporação da redução progressiva proposta pelo governo na medida provisória. O fim gradual do Perse poderia servir de fonte de compensação para o movimento.
O analista político Thomas Traumann, por sua vez, enxerga como tendência a construção de um acordo que envolva o “fatiamento” da medida provisória, com a parte que trata da desoneração da folha sendo transformada em projeto de lei, e o restante mantido no texto original a ser debatido pelo parlamento.
Continua depois da publicidade
Por se tratar de MPV, o texto precisa passar por comissão mista e pelos plenários das duas casas legislativas em até 120 dias. Como ele foi editado já no recesso parlamentar, o prazo é contado apenas a partir da retomada dos trabalhos no Congresso Nacional.