Revisão de benefícios fiscais traz primeiro risco de derrota para Lula no Congresso em 2024

Oposição e entidades setoriais pressionam Rodrigo Pacheco a devolver MP que altera regras para desoneração da folha; governo tenta ganhar tempo para negociar e evitar judicialização

Marcos Mortari

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de sessão solene no Congresso Nacional para a promulgação da Emenda Constitucional da reforma tributária (Foto: Ricardo Stuckert/PR)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participa de sessão solene no Congresso Nacional para a promulgação da Emenda Constitucional da reforma tributária (Foto: Ricardo Stuckert/PR)

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Antes mesmo de começar a tramitar no Congresso Nacional, a medida provisória que modificou regras de incentivos fiscais, acabou com o benefício do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e impôs um limite para compensação anual de créditos decorrentes de decisões judiciais (MPV 1202/2023) já enfrenta resistências no mundo político e entre os setores econômicos afetados.

O ponto considerado mais polêmico do texto envolve uma nova regra para o benefício da desoneração da folha de pagamentos para atividades econômicas intensivas em mão de obra − assunto recentemente deliberado pelo Poder Legislativo e que gerou controvérsia com o governo, culminando inclusive na derrubada de um veto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Atualmente, o benefício consiste na substituição da contribuição paga pelas empresas destinada à Seguridade Social, de 20% sobre o total de remunerações pagas, por uma contribuição sobre a receita bruta das companhias, com alíquotas que variam de 1% a 4,5%. O modelo também eleva em 1 ponto percentual a alíquota da Cofins na hipótese de importação de determinados bens. Tal desenho estava previsto para acabar em dezembro de 2023, mas o Congresso Nacional prorrogou a medida até 2027.

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A MPV revoga a lei aprovada pelos parlamentares e estabelece um benefício temporário a partir da própria folha de pagamentos. Pela regra, os setores beneficiários são divididos em dois grupos − cada uma com uma alíquota de partida e um ritmo de “fase out”. No primeiro, que envolve empresas de transporte, comunicação audiovisual e tecnologia, a alíquota parte de 10% em 2024 e chega a 17,5% em 2027. Já o segundo grupo, que envolve setores como construção civil e confecção de calçados, a alíquota reduzida partirá de 15% para alcançar 18,75% três anos depois.

Veja as listas completas abaixo:

Grupo IGrupo II
Transporte ferroviário de cargaCurtimento e outras preparações de couro
Transporte metroferroviário de passageirosFabricação de artigos para viagem, bolsas e semelhantes de qualquer material
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, municipal e em região metropolitanaFabricação de artefatos de couro não especificados anteriormente
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, com itinerário fixo, intermunicipal, interestadual e internacionalFabricação de calçados de couro
Transporte rodoviário de táxiFabricação de tênis de qualquer material
Transporte escolarFabricação de calçados de material sintético
Transporte rodoviário coletivo de passageiros, sob regime de fretamento, e outros transportes rodoviários não especificados anteriormenteFabricação de calçados de materiais não especificados anteriormente
Transporte rodoviário de cargaFabricação de partes para calçados, de qualquer material
Transporte dutoviárioConstrução de rodovias e ferrovias
Atividades de rádioConstrução de obras de arte especiais
Atividades de televisão abertaObras de urbanização – ruas, praças e calçadas
Programadoras e atividades relacionadas à televisão por assinaturaObras para geração e distribuição de energia elétrica e para telecomunicações
Desenvolvimento de programas de computador sob encomendaConstrução de redes de abastecimento de água, coleta de esgoto e construções correlatas
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador customizáveisConstrução de redes de transportes por dutos, exceto para água e esgoto
Desenvolvimento e licenciamento de programas de computador não customizáveisObras portuárias, marítimas e fluviais
Consultoria em tecnologia da informaçãoMontagem de instalações industriais e de estruturas metálicas
Suporte técnico, manutenção e outros serviços em tecnologia da informaçãoObras de engenharia civil não especificadas anteriormente
Edição de livros
Edição de jornais
Edição de revistas
Edição integrada à impressão de livros
Edição integrada à impressão de jornais
Edição integrada à impressão de revistas
Edição integrada à impressão de cadastros, listas e de outros produtos gráficos
Atividades de consultoria em gestão empresarial
Fonte: Medida Provisória 1202/2023

A mudança provocou desconforto entre entidades setoriais. Em nota conjunta, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Confederação Nacional do Transporte (CNT) disseram que a medida provisória “aumenta os custos de empregar” e prejudica a competitividade dos produtos e serviços brasileiros tanto no mercado internacional quanto no doméstico. Elas pedem que os parlamentares devolvam o texto ao Poder Executivo. A MPV também excluiu 8 setores do benefício fiscal, como call center, confecção e vestuário, máquinas e proteína animal.

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O presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), chegou a dizer que a matéria “causa estranheza” e que deve ser analisada de forma técnica em seus aspectos de constitucionalidade, considerando também o “contexto de reação política”. Ele também sido pressionado pela oposição a não dar andamento à medida provisória. Uma reunião com líderes partidários do Senado Federal está marcada para esta terça-feira (9) para discutir o assunto. Autor do projeto de desoneração, o senador Efraim Filho (União Brasil-PB) chamou a ação de “afronta ao Congresso”.

No governo, a avaliação é de que o texto oferece uma oportunidade de negociação em termos mais vantajosos para o Executivo, já que a versão aprovada pelos parlamentares impõe uma frustração de receitas estimada em R$ 12 bilhões, sem fonte de compensação. O fato de boa parte das medidas previstas no modelo proposto pelo governo ter prazo para começar a valer (90 dias nos casos da desoneração e da revogação de descontos envolvendo CSLL, PIS/Pasep e Cofins no Perse) também pode ajudar a acalmar os ânimos e trazer os congressistas para a mesa de negociação.

No momento, três cenários se desenham ao Poder Executivo: 1) a devolução da medida provisória e a consequente manutenção do texto aprovado pelo Congresso Nacional; 2) a tramitação da MPV normal na volta do recesso parlamentar, com possibilidade de modificações na versão defendida pelo governo; ou 3) a tramitação “fatiada” do texto, com os pontos mais polêmicos sendo discutidos separadamente via projeto de lei.

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As primeiras conversas devem aproveitar a presença de diversas lideranças partidárias em Brasília para o ato referente ao aniversário da invasão dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2022. Para o governo, o primeiro grande desafio será evitar que a MPV seja devolvida sem sequer tramitar − o que poderia soar como precipitado em pleno recesso parlamentar e com tempo para conversas antes que as regras gerem efeitos.

Neste caso, o resultado seria uma antecipação da judicialização do assunto. Na semana passada, o secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse que a prorrogação da desoneração da folha aprovada pelo Congresso era “inconstitucional, antiorçamentária e antieconômica”. Segundo ele, a MPV é uma “alternativa à judicialização”, mas que, caso o texto seja devolvido, ela ocorrerá.

“Em um ambiente em que o diálogo entre Executivo e Legislativo tem ocorrido de forma regular, com composição política relativa a espaços no governo e aprovação de um orçamento acordado que beneficiou o Congresso com amplo controle sobre emendas e fundo eleitoral robusto, vemos um cenário mais propenso ao debate do que ao gesto político extremo da devolução de uma MPV”, pontuam os analistas da XP Investimentos.

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Caso os congressistas decidam pelo andamento da MPV, o processo legislativo regular indica que a relatoria desta vez ficaria com um deputado federal − o que daria ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), maior controle sobre as tratativas. Dada o forte apoio das duas casas ao desenho vigente para a desoneração, há chances significativas de o modelo proposto pelo governo sofrer ajustes.

Na avaliação dos analistas políticos da XP, um caminho possível seria a manutenção do desenho de benefício aprovado pelo Congresso Nacional, mas com a incorporação da redução progressiva proposta pelo governo na medida provisória. O fim gradual do Perse poderia servir de fonte de compensação para o movimento.

O analista político Thomas Traumann, por sua vez, enxerga como tendência a construção de um acordo que envolva o “fatiamento” da medida provisória, com a parte que trata da desoneração da folha sendo transformada em projeto de lei, e o restante mantido no texto original a ser debatido pelo parlamento.

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Por se tratar de MPV, o texto precisa passar por comissão mista e pelos plenários das duas casas legislativas em até 120 dias. Como ele foi editado já no recesso parlamentar, o prazo é contado apenas a partir da retomada dos trabalhos no Congresso Nacional.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.