“Revisão da vida toda” do INSS custará R$ 480 bi, diz governo; advogados contestam

Valor é mais que o dobro da perda estimada com a "tese do século" (julgamento que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins)

Lucas Sampaio

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Quando o Supremo Tribunal Federal (STF) retomar, mais uma vez, o julgamento sobre a “revisão da vida toda” do INSS, os ministros da Corte estarão diante de um problema de R$ 480 bilhões, segundo o governo federal. Mas advogados questionam esse valor – e a forma como ele é calculado. A nova data do julgamento está marcada para amanhã, quarta-feira (20).

A estimativa dos R$ 480 bilhões consta na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2024. O montante é, de longe, a ação judicial de “risco provável” que pode causar o maior rombo nas contas públicas. É mais que o dobro da perda de R$ 236,8 bilhões estimada com a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins (julgamento que o governo perdeu em 2021 e que ficou conhecido como a “tese do século”), segundo o documento que utiliza cálculos feitos pelo Ministério da Fazenda.

O valor fez com que a estimativa de impacto das ações judiciais de risco provável, dos órgãos da Advocacia-Geral da União (AGU), saltasse de R$ 515,2 bilhões no orçamento de 2023 para mais de R$ 1 trilhão na peça deste ano. O cálculo considera processos que envolvem as três Procuradorias-Gerais: Federal (PGF), da União (PGU) e da Fazenda Nacional (PGFN) − esta última vinculada ao próprio Ministério da Fazenda.

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Mas advogados questionam o cálculo do governo. Fernando Zaccaro, especialista em direito previdenciário, diz que “a discussão em torno do impacto fiscal da ‘revisão da vida toda’ tem evidenciado um notável embate entre as projeções do governo e as análises de entidades defensoras assegurados”. Ele lembra que, inicialmente, o governo havia projetado um impacto de R$ 46 bilhões, mas esse número escalou para R$ 360 bilhões e, agora, chegou aos R$ 480 bilhões.

O advogado chama as projeções de “inflacionadas” e diz que o crescimento do valor “é claramente uma estratégia para influenciar tanto a opinião pública quanto a decisão dos ministros do Supremo”. “É imprescindível questionar a base das suposições apresentadas pelo INSS e pelo governo, pois a análise sobre impacto fiscal da ‘revisão da vida toda’ demanda um tratamento criterioso, justo e transparente”, diz. “Só por meio de um debate equilibrado e fundamentado será possível assegurar o respeito aos direitos aposentados sem comprometer a estabilidade fiscal do país”.

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O especialista em direito previdenciário cita alguns problemas no cálculo do governo. Um deles é que, ao contrário do que sugere a estimativa, só uma pequena parcela dos 2,5 milhões de benefícios concedidos entre 2009 e 2019 são elegíveis à revisão, devido a fatores como o prazo de consultas antes de julho de 1994 e outros critérios que não se aplicam a todos assegurados.

Ele também diz que dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apontam a existência de “apenas” 62 mil processos judiciais relacionados, “o que evidencia uma discrepância significativa em relação às projeções inflacionadas do governo”.

R$ 480 bilhões ou R$ 1,5 bilhão?

Recentemente, dois membros do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) divulgaram estudo em que estimam em R$ 1,5 bilhão o impacto nas contas públicas, não R$ 480 bilhões como diz o governo. Procurado pelo InfoMoney, o IBPT disse que o estudo não é da entidade, mas enviou informações sobre a metodologia usada por Fábio Zambitte Ibrahim, que é diretor e conselheiro, Carlos Vinicius Ferreira, que é membro da diretoria científica.

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Ao defender o número, o instituto pondera que o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS) já errou – para mais – em outras ações revisionais, como a do artigo 29. “Enquanto o INSS afirmava que 17 milhões de benefícios seriam revisados, a quantidade efetiva foi de aproximadamente 2,5 milhões. Para a ‘revisão da vida toda’, estimamos inicialmente que 2.564.736 poderiam ter direito a revisão. Entretanto, se considerada a aplicação de 14,92%, por exemplo, poderíamos estimar o montante de aproximadamente 380 mil benefícios”, diz o IBDP.

O que diz o governo

Na LDO, o governo diz que o valor leva em consideração o “reconhecimento aos segurados que ingressaram na Previdência Social, até o dia anterior à publicação da Lei nº 9.876/99, o direito de opção, na apuração do seu salário-de-benefício, entre a regra ‘de transição’ estabelecida no artigo 3º”. Afirma também que o montante “revela a expectativa da repercussão econômica em caso de decisão judicial desfavorável, seja pela criação de despesa ou pela redução de receita”.

“Quando não especificado de forma contrária, os custos estimados computam não só as despesas iniciais com o pagamento de atrasados, mas, também, o impacto futuro nas contas públicas. Assim, os impactos referidos podem ser diluídos ao longo do tempo, não sendo necessariamente realizados em um único exercício fiscal”, afirma trecho dos anexos da LDO.

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A reportagem questionou o governo federal sobre a diferença de valores entre a sua estimativa (R$ 480 bilhões) e a do IBPT (R$ 1,5 bilhão). Em nota, a AGU afirmou que o valor exato do impacto “só será conhecido depois da conclusão definitiva do julgamento”, “uma vez que ainda são discutidos aspectos da decisão que terão impacto em fatores como quantidade de beneficiados, valor de benefícios e período de cálculo considerado”.

O governo diz também que o estudo dos diretores do IBPT “possui um erro de premissa”, “pois utiliza os parâmetros de revisão anterior, na qual o INSS já possuía em seus sistemas todos os elementos necessários ao cálculo, ao contrário do que ocorre com a revisão da vida toda”. A AGU, aponta também outros problemas, como: a definição, “sem o devido embasamento”, de que só 15% teriam vantagem econômica com a revisão; o ganho médio estipulado em 3,1% para cada segurado, um “percentual fixado equivocadamente a partir de experiência anterior distinta”; e a limitação a 2,5 milhões de benefícios que teriam direito à revisão. “Levantamento da Dataprev, realizado em novembro de 2023 junto às bases de dados oficiais do INSS, demonstrou que o número total de benefícios potencialmente atingidos é de 6,9 milhões”, sustenta a pasta.

Reviravolta no STF?

O plenário do Supremo deve julgar amanhã um recurso da AGU contra a “revisão da vida toda”. Os ministros já chegaram a reconhecer, em dezembro de 2022, o direito aposentados e pensionistas de solicitar que toda a sua vida contributiva seja considerada no cálculo do benefício. Mas existe uma possibilidade de reviravolta, aberta pelo ministro Cristiano Zanin, ex-advogado pessoal do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que o defendeu em todos os casos da Lava Jato e agora ocupa 1 dos 11 assentos da Suprema Corte.

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Zanin não estava no STF na época do julgamento – que foi decidido por margem estreita, com 6 votos a favor e 5 contra a revisão – e assumiu a cadeira de Ricardo Lewandowski, hoje ministro da Justiça que votou a favor dos contribuintes. O novo ministro votou no plenário virtual para anular o julgamento de 2022, devolvendo a ação ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), e foi seguido pelo presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e o ministro Dias Toffoli. Mas aanálise será reiniciada do zero, desta vez no plenário físico, após pedido de destaque do ministro Alexandre de Moraes.

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.