Decisão do CMN fecha a porta para CRAs do Burger King e CRIs da Rede D’Or e da Dasa

Conselho apertou regras para emissões de títulos incentivados para o agro e para o mercado imobiliário; entenda o impacto da medida

Lucas Sampaio Marcos Mortari

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A decisão do Conselho Monetário Nacional (CMN) de apertar as regras para emissões de títulos incentivados como CRIs e CRAs fecha a porta para operações que vinham sendo feitas por empresas de capital aberto, como a Zamp (ZAMP3), controladora do Burger King no Brasil, a Rede D’Or (RDOR3) e a Dasa (DASA3).

A resolução nº 5.118, de 1º de fevereiro de 2024, proíbe emissões de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRAs) e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) com lastro em títulos de dívida (debêntures, por exemplo) emitidas por companhias de capital aberto não relacionadas aos setores do agronegócio ou imobiliário.

A Zamp, por exemplo, anunciou no fim de janeiro a emissão R$ 500 milhões em debêntures, que servirão de lastro para uma oferta de CRAs, para comprar carne. Como os certificados de recebíveis têm isenção de Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas, a operação fica mais barata que outras formas de captação, como debêntures corporativas.

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Já a Dasa (DASA3) contratou no começo do ano a securitizadora Vert para prospectar investidores para uma emissão de R$ 1,7 bilhão em CRIs (ela podia chegar a R$ 2,1 bilhão com o lote adicional). Segundo o prospecto registrado na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), os recursos seriam usados para pagar o aluguel de 37 imóveis em que parte da sua rede de hospitais e laboratórios opera.

Na prática, a empresa emite uma debênture para pagar os aluguéis e o título é lastreado nas matrículas dos imóveis alugados, assim a empresa comprova que o dinheiro foi usado para este fim. E o CRI permite prazos e condições melhores. Mas a empresa não é do setor imobiliário.

“Grande impacto no mercado”
A resolução também veda a emissão de CRIs e CRAs com lastro em direitos creditórios originados de operações entre partes relacionadas ou de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas. As mudanças nos títulos incentivados fazem parte da agenda do Ministério da Fazenda de corrigir distorções do sistema tributário brasileiro e aumentar a arrecadação.

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“São dois pontos que têm um um grande impacto no mercado”, afirma Ricardo Stuber, sócio da área de mercado de capitais de TozziniFreire Advogados. “Algumas operações que ficaram bem conhecidas no mercado, como o famoso CRA do Burger King e os CRIs da Rede D’Or, que no começo tiveram bastante discussão e depois passaram a ser permitidos pelo colegiado da CVM, agora não são mais permitidos”.

Stuber ressalta que as operações de dívida para companhias que não são listadas e não são do mercado imobiliário e do agro continuam sendo permitidas. Ele também destaca que o impacto será grande sobre as operações de reembolso, que também foram permitidas pela CVM no passado e “se tornaram muito populares no mercado nos últimos anos”. “Agora, com a resolução do CMN, esse tipo de operação não é mais permitida também”.

O Ministério da Fazenda e o Banco Central (BC) ressaltaram, em comunicado conjunto, que as mudanças não valem para CRIs e CRAs já distribuídos ou cujas ofertas de distribuição pública já tenham sido objeto de requerimento de registro de distribuição junto à CVM, “de modo a preservar as operações já contratadas”. Assim, apenas emissões futuras serão afetadas.

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“Utilização pouco criteriosa”
Felipe de Olívio Derzi, chefe-adjunto do departamento de regulação do sistema financeiro do BC, afirmou em coletiva na noite de quinta-feira (1º) que os títulos incentivados do setor imobiliário (CRIs, LCIs e LIGs) buscavam aumentar os recursos para o setor, “mas ao longo do tempo se observou uma utilização pouco criteriosa desses instrumentos”. “Esses títulos passaram a ser emitidos com lastro em operações sem finalidade imobiliária”.

A decisão do CMN, tomada em reunião extraordinária ontem, promove uma série de ajustes nas normas que regem a emissão de títulos incentivados emitidos com lastro em operações do agronegócio e do setor imobiliário (CRIs, CRAs, LCIs, LCAs e LGIs), que contam com isenção de IR para os investidores. O InfoMoney revelou há duas semanas que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) monitorava os títulos incentivados, após concluir a tributação de fundos fechados, e estudava mudanças.

Do lado do investidor, os CRIs e CRAs representam opções mais sofisticadas de investimento para interessados em renda fixa, com o benefício da isenção do Imposto de Renda (IR) e retornos mais atrativos, apesar de não terem cobertura pelo Fundo Garantidor de Crédito (FGC). Já as Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), das Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) e das Letras Imobiliárias Garantidas (LIGs) também têm o benefício da isenção do IR e ainda contam com a proteção do FGC.

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O Ministério da Fazenda e BC afirmaram, no comunicado conjunto, que o intuito das medidas era “aumentar a eficiência da política pública no suporte aos setores do agronegócio e imobiliário, assegurando que os referidos instrumentos sejam lastreados em operações compatíveis com as finalidades que justificaram a sua criação e contribuindo para um mercado de crédito mais robusto”.

“Os aprimoramentos introduzidos pela nova regulamentação têm por objetivo aumentar a efetividade dessa política, de modo que os recursos captados por meio desses instrumentos financeiros sejam direcionados de forma mais eficiente para o financiamento dos setores do agronegócio e imobiliário”, afirmam as instituições, que fazem parte do CMN. O conselho é formado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e pela ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB).

Lucas Sampaio

Jornalista com 12 anos de experiência nos principais grupos de comunicação do Brasil (TV Globo, Folha, Estadão e Grupo Abril), em diversas funções (editor, repórter, produtor e redator) e editorias (economia, internacional, tecnologia, política e cidades). Graduado pela UFSC com intercâmbio na Universidade Nova de Lisboa.