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Um dos integrantes do governo mais vocais na defesa do equilíbrio das contas públicas fora da equipe econômica, o ministro dos Transportes, Renan Calheiros Filho (MDB), vê no desenho do novo arcabouço fiscal as condições para estancar o déficit orçamentário e, ao mesmo tempo, aumentar o nível dos investimentos públicos no País.
Para ele, a combinação é fundamental para interromper os ciclos de desequilíbrio fiscal e atrair investidores interessados em participar da agenda de desenvolvimento com projetos de infraestrutura, destravando leilões de rodovias e grandes obras ferroviárias no pipeline da pasta.
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Renan Filho recebeu a reportagem do InfoMoney em seu gabinete, em Brasília, numa tarde de quarta-feira, no fim de junho, em um momento de turbulência nos mercados, por conta de um aumento no ceticismo de agentes econômicos quanto ao compromisso do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em pôr em prática uma agenda efetiva de corte de despesas.
Durante a conversa, o ministro reforçou confiança no trabalho desenvolvido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e defendeu a condução da agenda econômica em consonância com políticas públicas prioritárias da atual administração e o atendimento a necessidades do país no combate a desigualdades.
“O cumprimento do arcabouço fiscal permite uma trajetória decrescente do endividamento brasileiro. Isso é muito importante. O Brasil não é um país que deve muito em relação aos países ricos, mas nós devemos muito entre os países com o nosso perfil econômico”, argumentou.
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“O ministro Fernando Haddad, junto com o presidente Lula, fez um novo ordenamento legal que permite a elevação do investimento público, por um lado, que é importante para o curto prazo, para manter a economia funcionando, e ao mesmo tempo garante uma convergência a zero do déficit fiscal, que está colocado no Brasil há muitos anos e não é fácil resolver de uma hora para outra sem dar uma freada brusca”, continuou.
Na avaliação do político, é preciso ter cautela com a intensidade e a direção dos cortes de despesas necessários para equilibrar as contas. “Se a freada for muito brusca, o cidadão voa pelo para-brisa. E quem voa antes não são os mais ricos, porque estes estão com o cinto de segurança, do lado do airbag. Quem vai voar é o mais pobre”, pontuou.
“Mais ou menos isso está acontecendo na Argentina. Uma freada muito radical de um governo que só tem 4 anos [de mandato], que vai decrescer o PIB em 5% ou mais, levou à pobreza quase 60% da população e acha que isso é solução. Se fosse uma freada de trânsito, teria voado muita gente. Quem? Os mais pobres, que estão pagando essa conta no curto prazo”, comparou.
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“Ninguém tem condição de esperar que daqui a 5 anos esse pacote econômico possa significar uma mudança estrutural. Tem criança pobre sem comida, tem idoso sem remédio, o trabalhador sem condição de pagar o ônibus, sendo demitido. É isso que precisa ser equilibrado em um país, levando em consideração que você sempre tem que trabalhar para gastar menos do que arrecada”, prosseguiu.
O Ministério dos Transportes estabeleceu metas ousadas para o segundo ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Do lado das rodovias, a ideia é tirar do papel 60 projetos estruturantes, realizar 13 novos leilões (com investimento estimado em R$ 122 bilhões), avançar na otimização de 14 contratos em desequilíbrio (que podem destravar outros R$ 110 bilhões) e atingir 80% de nível positivo no Índice de Condição da Manutenção (ICM) − indicador divulgado mensalmente pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), com base em levantamento de campo que considera indicadores de pavimentação e conservação.
Já no transporte sobre trilhos, a ideia é lançar em breve um Plano Nacional de Ferrovias, com investimentos de cerca de R$ 20 bilhões. Os recursos viriam das negociações com Vale, Rumo e MRS pelas renovações antecipadas de contratos firmados pelas empresas ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL). Nos casos de Rumo e MRS, novos acordos já avançaram, mas a proposta da Vale, que envolve o montante mais elevado, ainda segue em avaliação no Poder Executivo.
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Durante a conversa com o InfoMoney, Renan Filho reconheceu as dificuldades provocadas pela elevada taxa de juros. Hoje, a Selic está em 10,50% ao ano. Títulos públicos longos atrelados à inflação, como a NTN-B com vencimento em 2045, por exemplo, foi de IPCA +5,53% em 2 de janeiro a IPCA +6,53% em 2 de julho e atualmente mantém ganho real acima dos 6%. Tal patamar é visto por muitos no mercado como um inibidor para o apetite a grandes projetos de infraestrutura, com risco mais elevado e nem sempre retorno proporcional.
Apesar dos percalços, o ministro sustenta que a manutenção da taxa de juros em patamar elevado inibe mais o investidor doméstico do que o estrangeiro − e o segundo grupo tem sido uma das principais apostas da pasta para avançar com a meta de leilões no ano. Para ele, os investimentos de longo prazo têm vivido um momento favorável no mundo, mas ainda é possível dar um impulso com a melhora de variáveis nacionais.
“Quanto mais a política econômica brasileira permitir a queda da taxa de juros, com inflação controlada, mais ainda nós teremos estímulo para os investimentos em infraestrutura de longo prazo”, diz.
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Confira os destaques da entrevista:
InfoMoney: As últimas semanas marcaram uma piora nas expectativas do mercado financeiro em relação à economia brasileira. Títulos públicos longos atrelados à inflação remuneram a taxas reais de cerca de 6,3%, patamar que dificulta a captação de recursos para investimentos em infraestrutura. Como essa conjuntura pode afetar a audaciosa agenda de 13 leilões planejada pelo Ministério dos Transportes para 2024?
Renan Filho: Os investimentos de longo prazo têm vivido no mundo uma situação boa. Há liquidez no mercado internacional para investimentos em infraestrutura, haja vista os leilões que fizemos. Obviamente, quando a taxa de juros no Brasil cresce, isso desestimula mais o investidor nacional do que o internacional.
O Brasil é hoje um país muito forte em características capazes de atrair o investimento internacional para infraestrutura, por 3 motivos principais. O primeiro é que temos bons projetos, rentáveis, mais do que aqueles de países com nível de desenvolvimento superior, que têm sua infraestrutura mais consolidada. Como a nossa infraestrutura tem mais desafios, eles garantem projetos mais rentáveis.
O segundo é a conexão do Brasil com a agenda da preservação da biodiversidade do planeta. Isso estimula o investimento, por exemplo, dos fundos soberanos da Arábia Saudita.
O terceiro ponto é que o país é garantidor de segurança alimentar. Prover infraestrutura ao país significa comida mais barata no prato do mundo inteiro. Se vendemos soja mais barata no mercado internacional − não por conta do preço dela, mas pelo custo de produção, porque um corredor ferroviário ou rodovias melhores facilitam a exportação −, garantimos que o mundo produza proteína animal mais barata, além de alimento diretamente para a população.
Esses pontos facilitam a atração do investimento internacional no Brasil. E [essa] tem sido a tônica dos últimos leilões. Por isso que a entrada de fundos de investimentos, substituindo apenas construtoras e empresas concessionárias ou disputando com elas, amplia o leque de concorrentes.
Dito isso, vale ressalvar que, quanto mais a política econômica brasileira permitir a queda da taxa de juros, com inflação controlada, mais ainda nós teremos estímulo para os investimentos em infraestrutura de longo prazo.
IM: O ministério considera alguma reavaliação da meta dos 13 leilões? Ainda acham que é possível cumpri-la? Estamos na metade do ano…
RF: Só teve um [leilão no ano até o momento], mas temos uma agenda muito arrojada. Já há 4 [editais] publicados e acreditamos que vamos cumprir. Agora, se sentirmos no meio do caminho que houve menos apetite do mercado internacional por conta dessas questões colocadas, podemos avaliar.
Mas é muito importante ter uma meta arrojada. Ela não é uma vontade minha, mas uma constatação de que o Brasil historicamente fez muito pouca concessão de infraestrutura, apesar haver um alarde maior em um governo ou outro. Em cerca de 25 anos de concessões no Brasil, só fizemos 24 leilões. Isso significa menos de um leilão por ano na média histórica.
No governo passado, por mais alarde que tenham tentado fazer, fizeram 6 leilões − 1,5 por ano. Por que eu quero elevar isso para 12 ou 13 neste ano e 35 no governo do presidente Lula? Acredito que esse número dialoga com a necessidade da nossa infraestrutura. Se eu tiver uma meta arrojada e cumprir parte dela − 70%, 80%, 90% −, significará que teremos feito 26, 28, 30 leilões, contra 6.
Obviamente, toda vez em que você precisa atrair o investimento privado, é preciso oferecer as condições para que ele venha. Acho que as condições estão boas, mas isso é sempre um exercício do cotidiano.
IM: Desde o primeiro dia do novo arcabouço fiscal, o senhor figura entre um dos defensores da política econômica conduzida pelo ministro Fernando Haddad (PT) no governo. Como essa agenda contribui para os planos na seara da infraestrutura?
RF: Eu acho muito importante. Isso que o ministro [Fernando] Haddad tem dito, de que vai cumprir as metas do arcabouço a partir do reordenamento que ele próprio fez delas, é relevante. O cumprimento do arcabouço fiscal permite uma trajetória decrescente do endividamento brasileiro.
Isso é muito importante, porque o Brasil não é um país que deve muito em relação aos países ricos, mas nós devemos muito entre os países com o nosso perfil econômico. Como a competição por recursos ocorre entre todos os países do mundo, é importante que tenhamos fundamentos melhores do que os mais ricos: menor endividamento, inflação controlada. Isso facilita a atração do investimento.
O ministro Fernando Haddad, junto com o presidente Lula, fez um novo ordenamento legal que permite a elevação do investimento público, por um lado, que é importante para o curto prazo, para manter a economia funcionando, e ao mesmo tempo garante uma convergência a zero do déficit fiscal, que está colocado no Brasil há muitos anos e não é fácil resolver de uma hora para outra sem dar uma freada brusca. Eu sempre digo que, se a freada for muito brusca, o cidadão voa pelo para-brisa. E quem voa antes não são os mais ricos, porque estes estão com o cinto de segurança, do lado do airbag. Quem vai voar é o mais pobre.
Mais ou menos isso está acontecendo na Argentina. Uma freada muito radical de um governo que só tem 4 anos [de mandato], que vai decrescer o PIB em 5% ou mais, levou à pobreza quase 60% da população e acha que isso é solução. Se fosse uma freada de trânsito, teria voado muita gente. Quem? Os mais pobres, que estão pagando essa conta no curto prazo. E a vida acontece minuto a minuto. Ninguém tem condição de esperar que daqui a 5 anos esse pacote econômico possa significar uma mudança estrutural. Tem criança pobre sem comida, tem idoso sem remédio, o trabalhador sem condição de pagar o ônibus, sendo demitido. É isso que precisa ser equilibrado em um país, levando em consideração que você sempre tem que trabalhar para gastar menos do que arrecada.
O que me conforta aqui é que eu próprio, que sou de ministério fim, não faço pressão para gastarmos mais do que o arcabouço fiscal propõe. Nunca fiz. Há algumas outras despesas no governo que crescem à revelia da decisão do governo. Nessas não discricionárias, o presidente Lula historicamente sempre teve um comportamento de organização fiscal que permitia o equilíbrio. Fez isso em seus dois governos anteriores e está fazendo isso agora. A escolha pelo próprio ministro Fernando Haddad demonstra isso. O plano apresentado por ele também. Agora, Haddad jamais será o ministro das Finanças do [Javier] Milei (Luis Caputo). E Haddad jamais será o Paulo Guedes, porque o presidente Lula não vai permitir que o povo voe pelo para-brisa.
IM: O senhor acredita que Haddad saído enfraquecido da decisão do Congresso Nacional de devolver sumariamente parte da medida provisória (MPV 1227/2024) que tratava das compensações para as desonerações?
RF: Acho que não. Talvez aquela medida provisória exigisse um nível de negociação maior com o Congresso Nacional. O Congresso tem o direito democrático de devolver [a MPV]. O ministro Haddad cumpriu uma decisão do Supremo [Tribunal Federal], em auxílio ao Congresso Nacional para dizer o seguinte: “a desoneração da folha, que foi mantida, precisa ter uma fonte de receita proporcional para não impactar o Orçamento. Eu sugiro essa”. O Congresso não aceitou aquela, pode sugerir outra. Aquela cortava benefícios de alguns setores. Por isso que a democracia é sábia.
Agora, o fato é que o Supremo deu 60 dias para apresentar uma alternativa para aquela despesa, se não ela (a reoneração) volta. Talvez seja até melhor para Haddad. É uma alternativa. Qual é uma terceira? Ninguém pode dizer que ele não ofereceu alternativa. O Congresso pode achar outro caminho mais leve, que impacte menos setores, mas tem que achar uma alternativa, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal diz que você não pode criar uma despesa sem receita e nem ampliar uma desoneração sem previsão de receita correspondente.
Essa foi uma decisão importante. Ao ir ao Supremo Tribunal Federal para fazer essa reflexão, o governo demonstra sua responsabilidade fiscal, que não é moleza. O que Haddad fez foi demonstrar a responsabilidade fiscal dele − e o Congresso não aceitou a alternativa. Mas o Congresso tem a oportunidade de repor essa arrecadação de alguma maneira, e, pelo que ouvi, o ministro está à disposição para colaborar com a discussão. O fato é que precisa fazer isso. O errado é o mercado e algumas pessoas quererem trocar isso por outras medidas que penalizam sobretudo os mais pobres. Por isso fiz essa analogia com a Argentina, que certamente o presidente Lula não vai permitir.
O melhor modelo seria governo e Congresso, cumprindo a decisão judicial, achar o caminho para substituir essa arrecadação. Mas se não acha, ela tem que voltar. Em qualquer um dos caminhos, o problema do governo está atenuado.
IM: Um dos próximos leilões no cronograma do Ministério dos Transportes envolve a BR-381 (conhecida popularmente como “rodovia da morte” pela taxa elevada de acidentes fatais), marcado para o fim de agosto. Depois de mais uma tentativa frustrada de concessão, houve mudanças no edital. Quais são as expectativas agora? Podemos finalmente esperar um leilão com concorrência em um dos trechos mais complexos do país?
RF: Houve 3 adequações muito importantes [no edital]. A primeira foi que tiramos os dois trechos da saída de Belo Horizonte para fazer uma obra pública, porque a iniciativa privada se sentia muito insegura em fazer uma operação de grande porte que exige realocar muitas famílias. O segundo ponto é que aumentamos a taxa de retorno do projeto. Ela precisa ser proporcional ao desafio de execução: projeto muito fácil, menor retorno; projeto mais complexo, com área acidentada, de chuva forte, com carregamento de muita carga, risco mais alto, rentabilidade também maior. Fizemos isso em consonância com o TCU, que compreendeu que é razoável, depois do leilão deserto (realizado em novembro de 2023, em que não houve oferta).
E no terceiro ponto, compartilhamos mais o risco geológico da região − outra coisa que desestabilizava muito a iniciativa privada. Imagine que você faz a obra, paga, as pessoas começam a usar e, meses depois, acontece o que aconteceu no Rio Grande do Sul. A reconstrução desse trecho é 100% privada? Sem previsão no projeto? Em uma área que chove muito, que já chegou a ter 60 deslizamentos de barreiras em um único ciclo de chuvas fortes? Esse risco também foi compartilhado a maior − o que vai certamente estabilizar mais as dúvidas que o mercado tinha. Acredito que o leilão vai ser exitoso agora.
IM: A tragédia climática no Rio Grande do Sul escancarou uma nova realidade de desastres que afetam pontos sensíveis de infraestrutura, para além de todos os efeitos que observamos para a população local. O que ficou de aprendizado que pode ser levado em consideração em futuros leilões e obras?
RF: A reação não é barata. E reagir para reconstruir uma infraestrutura é mais caro do que fazer a infraestrutura resiliente. Mas vale dizer que a infraestrutura resiliente é mais cara do que a outra que foi feita. O ideal é que a gente cada vez mais caminhe para construir infraestruturas mais resilientes às novas intempéries climáticas extremadas. Isso também precisa ser elencado à luz das restrições fiscais do país, incluído nos normativos, incorporado aos leilões, que, com mais investimentos, também serão financiados por tarifa.
Isso tudo tem discussão. Se formos construir uma ponte no sertão com as mesmas dimensões de outra no Rio Grande do Sul, obviamente a primeira, onde chove pouco e o volume da água é menor, não precisaria ter um pilar com a tecnologia da outra. É uma discussão de engenharia que está sendo incorporada aos nossos manuais. Para todas as obras? Não, para aquelas em localidades com essa realidade.
IM: Há discussões também sobre seguros?
RF: Seguro é uma discussão interessante, o mundo faz isso. [Mas] Seguro não se relaciona bem com desastre. Então, segurar obra que está sujeita a catástrofe significa pagar bem mais por ela. Seguro não gosta muito de cobrir enchente, terremoto. Seguro, de maneira geral, para obra é legal, mas segurar só as obras com alto risco significa gastar o valor de uma ponte talvez 2, 3, 4 vezes. E talvez o mercado nem queira. São coisas que precisam ser discutidas à luz dessas nuances. Precisaria haver um debate que fosse assegurar todas as obras, para ter uma carteira, diluindo o custo. Mas talvez não seja inteligente. Talvez seja melhor você reconstruir quando cair uma do que pagar por todas para ter uma carteira que atraia as seguradoras. É uma discussão interessante, mas é preciso fazer essa abordagem mercadológica. [A discussão] Existe no ministério. Alguns países do mundo usam, mas não são muitos.
IM: Também houve avanços nas discussões sobre o projeto da BR-319, que deve ligar Manaus a Porto Velho. Quais são as expectativas em relação a essa obra?
RF: Temos uma licença para fazer 52 km e já estamos licitando esse trecho. Nós também apresentamos uma proposta na carteira do PAC para a obra do meião, cerca de 400 km, tirando Manaus do isolamento rodoviário. É a única capital brasileira que não tem acesso por rodovia asfaltada e talvez seja uma das poucas cidades do mundo com mais de 2 milhões de habitantes nesta condição.
Dá para fazer a estrada com sustentabilidade ambiental. Só que essa é uma discussão que ainda precisará ser submetida à avaliação dos órgãos ambientais competentes, à luz da legislação vigente, para viabilizar a licença. Nós desejamos começar a obra pelos 52 km que já temos autorização. A licitação está em curso e deve ser finalizada nos próximos dias. Finalizado e sendo exitosos, nós vamos contratar a empresa e iniciar a obra, fazendo paralelamente a discussão para os outros 400 km que são de barro. É uma área em que, em período de chuva, é muito difícil de enfrentar. Neste ano, ela até sofreu menos porque demos um nível de manutenção melhor, mas o importante é pavimentar a rodovia e garantir sustentabilidade ambiental a ela, oferecendo às pessoas uma redundância em modais de transporte. Manaus é uma cidade que só tem chegada fluvial ou aérea. Quando sofremos qualquer crise hídrica na Amazônia − e essas crises estão cada vez mais presentes −, as pessoas ficam à mercê de receber o próprio abastecimento do estado e da capital por avião − o que não é possível.
IM: Do ponto de vista ambiental, quais inovações poderiam garantir a preservação do bioma e que as obras não gerem mais desmatamento?
RF: Nós propusemos uma série de inovações. Essa rodovia será 100% cercada. Não há nenhuma rodovia no Brasil que tenha cerca nas suas laterais. Ela terá o maior número de passagem aérea de fauna e terrestre de fauna por túneis. Isso vai permitir que os animais das copas das árvores possam passar por cima da rodovia por redes, e os animais que caminhem pelo solo possam usar passagens inferiores sem acessar a rodovia. Ela sendo cercada, não haverá morte por atropelamentos. A rodovia também vistoriará todas as pessoas que entrarem, com uma guarita na entrada e outra na saída. Por exemplo, se o sujeito vai para Manaus, ele tem que entrar na guarita próxima a Porto Velho e, em até tantas horas, passar pela guarita nas proximidades de Manaus. Se ele parar no meio, será fiscalizado. Se for um caminhão de grande porte, não pode portar equipamentos agrícolas − a menos que tenha como destino Manaus e seja acompanhado no trânsito. Não pode entrar com trator, motosserra, corrente. Como será a vistoria? Por perfil de veículo. Veículo muito grande, que pode carregar um trator, o sujeito vai olhar. Não se devasta a Floresta Amazônica sem equipamento pesado. E dá para vistoriar isso. Dá para fazer isso em todas as rodovias? Não. Mas dá para fazer nessa. Tem que ser feito. Mas também não podemos defender o isolamento de Manaus por conta disso. Nós vimos o que aconteceu na pandemia, por exemplo.
Acho que depois podemos conceder a operação dessa rodovia à iniciativa privada. Se for necessária uma contraprestação do público para atenuar a tarifa para subsidiar o custo da operação, devemos fazer. O fluxo dela é relativamente baixo, e o custo vai ser mais elevado. Em determinados momentos, eu até defendi financiamento internacional para esse custo. Quem sabe um grande grupo não assuma para ter a rodovia mais sustentável do planeta? Nenhum país do mundo tem uma rodovia tão sustentável quanto essa, se for feita desta maneira.
Agora, no final, esta é uma decisão de país, de governo. Se o governo decidir fazer a rodovia e garantir sustentabilidade, dá para fazer. Se o governo decidir não fazer por questões ambientais, tudo bem. Mas precisa dizer às pessoas. Não dá para empurrar apenas. Essa discussão já vem de 2010 até agora. Ela vai ser feita ou não? Se não for feita, tira da agenda. Diga que não tem condição ambiental. Eu acho que tem, se fizer o que nós propusemos, depois de um grupo que ouviu a todos. Fazer uma espécie estrada parque 100% monitorada por câmera, com viaturas que vão ficar específicas para ela, com posto da Polícia Rodoviária Federal. Uma coisa é a presença nacional da Polícia Rodoviária Federal em número de viaturas por quilômetro de malha. Mas outra é haver um tratamento especial para 400 km em uma rodovia que é um desafio ambiental. Se tiver lá 10 viaturas, resolve. Se puder fazer essa administração em parceria com o governo do Amazonas, de Rondônia, governo federal, muita gente pode trabalhar conjuntamente. A visão que tenho é que as pessoas todas da região querem. A classe política também toda quer. E todo mundo quer com a devida proteção. Ninguém quer fazer um instrumento que permita devastação ambiental. Nunca houve essa defesa aqui. E terá que tomar os cuidados. A preocupação dos ambientalistas é pela falta de cuidados do passado. Mas, por conta disso, eles deveriam colaborar, poderiam oferecer uma alternativa, participar de uma administração dessa rodovia – que não vai impedir ninguém de entrar. Todos poderão passar por ela. Vai ter pedágio ou não? O cidadão não é contra pedagiar para financiar a operação depois de pronta. Estabelecem-se as regras do que não pode entrar, como num avião. Você não pode entrar num avião com material inflamável, arma, e lá também não. Basta parar o sujeito, perguntar se tem arma, perguntar em quanto tempo ele vai passar na outra guarita. Há tecnologia completa [para implementar]. Agora, há como fazer isso em todas as rodovias do Brasil? Não. E nem precisa. Mas nesta é importante.
IM: Em maio, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) divulgou que o Índice de Condição da Manutenção (ICM) da malha rodoviária federal atingiu 70% de nível bom e 12% de nível ruim, no melhor resultado para o indicador desde 2016. A que o senhor atribui a melhora do indicador? E o que fazer para atingir a meta de 80% até o fim do ano?
RF: Atribuo ao fortalecimento do investimento público. O fortalecimento do investimento público dialoga com a necessidade das rodovias, e rodovia responde a investimento − tanto ao aumento quanto à diminuição. A queda de 2016 até 2022 foi pelo baixo investimento que foi feito pelo Ministério da Infraestrutura ao longo desse período. Não só caiu como caiu ano a ano. E a estrada respondeu: menos investimento, menos manutenção, mais buraco, mais dificuldade para quem utiliza.
Temos a condição de nos aproximar da meta de 80% até o final do ano, e acho que o presidente Lula vai, ao final do seu ciclo, deixar as rodovias brasileiras no melhor estado de manutenção dos últimos tempos. Isso com sustentabilidade fiscal. Ninguém quer gastar um dinheiro que seja capaz de quebrar o país. Só aquela medida da desoneração dos 17 setores parece que representa R$ 20 bilhões, é mais do que gastamos em manutenção de rodovia. Não é tanto dinheiro, e é um dinheiro muito importante, tem uma externalidade econômica muito positiva. Se você faz um investimento maior, fura menos pneu, atrasa menos o caminhoneiro, faz os produtos chegarem mais rápido, garante menos acidentes. Isso salva vidas. É muito importante fazer esses investimentos, tanto na manutenção, quanto na adequação da capacidade das rodovias. Se tínhamos uma rodovia simples com muito veículo, mesmo que o pavimento esteja bom, ela causa acidentes, o tráfego não flui. Quando você duplica, aumenta a capacidade de transporte, facilita a chegada das mercadorias e das pessoas. Por isso, é muito importante e é defendido por todos. Com um ano, o governo do presidente Lula, já começa a apresentar resultados robustos. E vamos melhorar mais, porque temos um volume de recursos capaz de fazer isso.
O bom é demonstrar que investir mais melhora a rodovia, e nós sabemos que ainda há muita coisa para fazer. Há uma desproporção. Por exemplo, enquanto São Paulo está com 90% de rodovias boas, enquanto Goiás, Alagoas e o Mato Grosso do Sul estão com mais de 80% de rodovias boas, Minas Gerais teve sua manutenção abandonada no governo anterior, estava com as rodovias consideradas boas abaixo de 40%. Agora passou de 50%, mas temos que levar à média nacional, chegar a 70%, 75%, 80%, o que vai significar muito para o país. Minas está no centro do Brasil. Muita gente passa por lá para ir para outras regiões e, além disso, tem uma atividade econômica muito forte. Melhorar lá ajudará na conta geral do país.
IM: Qual o cronograma da pasta para as otimizações de contratos? Quando podemos esperar uma definição dos primeiros contratos?
RF: Acho que agora está bem próximo [de um desfecho]. Foi designado o relator do primeiro, da ECO101, no Espírito Santo, que é o ministro Walton Alencar. Acredito que até o final do ano possamos resolver a maior parte deles. O ideal era que conseguíssemos otimizar todos esses contratos neste ano. Mas, como precisamos fazer um entendimento com a empresa, ter esse entendimento aprovado pelo TCU e ainda levar a leilão…
O leilão vai afastar completamente o risco moral, porque, se outra companhia tiver condição de oferecer melhores preços ao cidadão, fazendo aquele investimento que foi pactuado, [ela vence]. Isso alongou um pouco mais [o processo]. Mas eu espero que, até o ano que vem, a gente otimize todos os contratos.
Se fizermos 35 leilões e otimizarmos aproximadamente 15 contratos, teremos 50 contratos novos para investimentos em infraestrutura contra 6 contratos novos que foram feitos no governo passado. Esses contratos em desequilíbrio estão com obras paradas há muitos anos. Essa é uma correção muito efetiva e que vai garantir investimentos no curto prazo muito importantes para o país. É até, no curto prazo, mais importante que os novos leilões, porque, no novo leilão, a obra pesada começa a partir de um período, o segundo ano e meio/terceiro ano. E nessas em que a concessionária já está no trecho, se permanecer, começam já. Já tem expertise, projeto, licença ambiental. Se outra concessionária entrar, ela leva todo esse ativo. Isso é muito relevante, ajudaria muito o país no curto prazo.
IM: No começo do ano, o senhor sinalizou o lançamento de um plano nacional de ferrovias para destravar grandes projetos. Em que pé está o programa?
RF: Estamos prontos para lançar o novo plano para o desenvolvimento ferroviário nacional, que vai acontecer em breve. Fizemos a otimização das renovações antecipadas − o que garantiu recursos para o Estado em fluxo para os próximos anos. Esses recursos vão se transformar em aporte nesses projetos ferroviários que vamos lançar. E como será o tipo do leilão ferroviário? Nós vamos calcular o VPL (Valor Presente Líquido) de uma obra. Por exemplo, o corredor Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) – Fiol (Ferrovia de Integração Oeste Leste), que estamos chamando de Ferrovia Leste-Oeste: dividimos o país em 4 quadrantes e permitimos a ligação desses quadrantes a essas ferrovias estruturantes. Isso é muito importante para o Brasil. Essa ferrovia precisa de quanto de aporte público? Se entendermos que precisa de R$ 5 bilhões, vamos levar esse aporte público a leilão e ganha a companhia que exigir o menor aporte do Tesouro [Nacional].
Esse é o modelo que vamos utilizar, também usado internacionalmente. Isso vai estimular a competição e usar parte dos recursos que estamos trabalhando para trazer na otimização das renovações antecipadas. Já assinamos o acordo com a Rumo, por exemplo. A Vale fez uma proposta que está para avaliação do governo. Essa catástrofe do Rio Grande do Sul nos atrasou um pouco, mas estamos trabalhando para que o governo tome a decisão − se aceita ou não, se faz uma ponderação à Vale − nos próximos dias.
Com isso, teremos um plano, pela primeira vez, com usos e com fontes também. Como obra de ferrovia precisa de aporte público, se você não tem fonte, é um plano inexequível ou viram ferrovias de papel, como foi a tônica do governo anterior.
Pela observação internacional, chegamos à conclusão de que obra de ferrovia estruturante precisa de aporte público… Se não tem aporte, não tem obra. Então, vamos ter um plano diferente, que vai ter o uso − a obra que é elencada − mais um volume de aportes. Acreditamos que esse aporte pode ser entre 20% e 25% da necessidade de capital da ferrovia. Se for 20%, significa dizer que, se você tem R$ 20 bilhões de aporte, potencializará isso por 5 em valor de obra. Então, se você tem R$ 20 bilhões, pode ter R$ 100 bilhões em obras de ferrovias. É o modelo que estamos tentando colocar de pé.
IM: No caso da Vale, o senhor nos disse em abril que a proposta apresentada pela companhia era boa. Por que o acordo ainda não avançou?
RF: A proposta foi boa. Eles fizeram a proposta formalmente. É uma proposta razoável. Mas a decisão quanto a ela não é só minha, é uma decisão de governo. Aquilo é um ativo público federal, ele é até gerido pelo Ministério dos Transportes, mas não é uma decisão do ministro apenas. Eu submeti à Casa Civil e vamos fazer uma conversa com o próprio presidente [Lula] para que a gente chegue a uma conclusão.