Relator no TSE pede inelegibilidade de Bolsonaro por ataques a urnas eletrônicas em reunião com embaixadores no Alvorada

Audiência será retomada na quinta-feira, com sessão iniciando pelo voto do ministro Raul Araújo

Luís Filipe Pereira

O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Isac Nóbrega/PR)
O presidente Jair Bolsonaro (Foto: Isac Nóbrega/PR)

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Na retomada do julgamento do Jair Bolsonaro (PL) pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o corregedor-geral da Justiça Eleitoral e relator do processo, ministro Benedito Gonçalves, votou, nesta terça-feira (27), pela inelegibilidade do ex-presidente por oito anos, pelos ataques ao sistema eleitoral perpetrados em julho de 2022, durante reunião com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada.

Na avaliação de Gonçalves, o discurso de Bolsonaro na ocasião colaborou para a “degradação da cadeia de confiança que levou ao caos institucional”, esgarçando a normalidade democrática ao “propor uma cruzada” contra uma possível manipulação das eleições que, no seu entendimento, tinha como único objetivo de fazer com que ele fosse derrotado na disputa presidencial do ano passado.

A sessão foi encerrada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes, e o julgamento será retomado na quinta-feira (29), quando será concluído. Neste dia, são esperadas as manifestações dos ministros Raul Araújo, Floriano Marques, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia, Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.

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A síntese do voto de aproximadamente 400 páginas de Benedito Gonçalves foi dividida em três partes, e sua leitura teve cerca de três horas de duração, citando depoimentos de Ciro Nogueira (PP) e Carlos França, que integravam o governo de Bolsonaro e exerciam os cargos de ministro da Casa Civil e chefe do Itamaraty, respectivamente, na ocasião em que foi realizado o encontro com embaixadores, como testemunhas ouvidas no processo.

O relator apontou que, a partir de ilações aos ministros do TSE, citando uma possível armação favorecer seus adversários, Bolsonaro agiu de maneira sistemática ao criar um fio condutor cujo marco temporal se inicia após as eleições de 2018, quando o então presidente eleito se manifesta publicamente sobre uma suposta manipulação de votos (que jamais comprovou) para prejudicá-lo naquele pleito, ainda que tenha saído vencedor.

Nessa linha do tempo, a reunião com os embaixadores a três meses da disputa presidencial seria uma tentativa de sensibilizar representantes internacionais e angariar algum apoio a partir de falsas alegações, desacreditando o sistema eleitoral brasileiro. Para Gonçalves, o ataque à credibilidade das urnas eletrônicas se trata de um fato incontroverso, encoberto por um verniz de institucionalidade ao reunir representantes estrangeiros na residência oficial da Presidência da República.

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Na reunião com os embaixadores, Gonçalves observou que o comportamento de Bolsonaro em seu discurso refletia “uma autoridade suprema de presidente da República”, inclusive com exaltação das Forças Armadas, que, na opinião de Bolsonaro, teria um corpo técnico mais capacitado do que o próprio TSE para sugerir mudanças no processo eleitoral. Tal comportamento reflete uma distorção do papel de mandatário, que, segundo a Constituição de 1988, deve prezar pelo equilíbrio entre os Poderes da República e trabalhar para o bom funcionamento da burocracia estatal.

Concentrando grande parte do seu discurso em um inquérito da Polícia Federal que apurava fatos e circunstâncias envolvendo um suposto ataque hacker ao sistema do TSE em 2018, Bolsonaro apresentou suspeitas sobre a eficácia das urnas eletrônicas sem apresentar qualquer prova.

Ainda de acordo com Gonçalves, o acusado não abordou em sua fala informações oficiais sobre o sistema de votação, e disseminou desinformação a partir de uma retórica ancorada em elementos como conspiracionismo e vitimização, descrevendo um falso cenário de que a realização de eleições limpas estava em risco. O conteúdo direcionado aos representantes estrangeiros teria sido formatado, portanto, da mesma forma das mensagens amplamente divulgadas em lives do então presidente um ano antes.

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Aos representantes do corpo diplomático de outros países, Bolsonaro afirmou que o TSE se recusava em aceitar sugestões das Forças Armadas para aprimorar o processo eleitoral. Horas depois da transmissão, a Corte reafirmou o compromisso em garantir a segurança do voto, detalhando procedimentos realizados ao fim da votação em cada seção eleitoral, como a emissão dos boletins de urna em cinco vias, constando quantos votos cada candidato recebeu.

Diferentemente da informação difundida por Bolsonaro na ocasião, a Corte também havia se posicionado favoravelmente a algumas das propostas das Forças Armadas para aprimorar o processo eleitoral, como o aumento do número de urnas eletrônicas a serem submetidas ao teste de integridade no dia do pleito, além da inclusão de representante dos militares, desde 2021, na Comissão de Transparência Eleitoral.

“A discrepância entre as declarações não constitui mera imprecisão ou equívoco, mas foram conduzidas com métodos, de forma a serem exploradas como elemento eleitoral”, disse Benedito Gonçalves.

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Minuta de golpe apreendida na casa de Torres

Respondendo o argumento da defesa de que o acolhimento da minuta de golpe apreendida na casa de Anderson Torres como prova após a ação ter sido protocolada vai na direção oposta de situação semelhante ocorrida no julgamento da chapa de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB), seis anos atrás, o relator abriu seu voto afirmando que a “admissibilidade não confronta e não contraria jurisprudência firmada em 2014”.

“Basta verificar que o autor da ação importou aos investigados uma estratégia eleitoral, que teria sido posta em prática na reunião com os embaixadores”, argumentou.

De acordo com Gonçalves, são “duas situações totalmente distintas”, e “a reunião é um fato inserido dentro de um contexto”. Dessa forma, o relator sustentou que há relação direta entre o documento “golpista em sua essência” e o episódio da reunião com os embaixadores, configurando uma estratégia eleitoral mais ampla.

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Sobre o uso indevido dos meios de comunicação potencializados por publicações em perfis bolsonaristas divulgando trechos da reunião, em postagens de cunho eleitoral, o relator citou jurisprudência de 2021, quando o TSE cassou o mandato e tornou inelegível o deputado estadual eleito pelo Paraná, em 2018, Fernando Francischini, por divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação.

No dia da eleição, Francischini fez uma live para difundir a falsa notícia de que duas urnas foram apreendidas após ser constatada fraude, que fazia com que os equipamentos não aceitassem votos no então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro.

Em seu voto, o corregedor Benedito Gonçalves também considerou como falsa simetria da defesa o argumento de que a reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada seria uma “resposta” à reunião ocorrida em 31 de maio, quando o ministro do TSE, Edson Fachin, discursou em encontro com diplomatas sobre as eleições brasileiras, inclusive sobre a tecnologia utilizada.

“Os investigados sustentaram que o presidente do TSE convocou reunião sem estar legitimado constitucionalmente para tanto. No entanto, é inegável que esse órgão de cúpula tem como dever a divulgação e difusão, célere e verdadeira”, analisou Benedito Gonçalves, afastando qualquer irregularidade.