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A busca pela construção de consenso em torno de uma reforma tributária gerou um excesso de concessões setoriais e federativas que distorceram o texto em discussão pelo Congresso Nacional. É o que avalia Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena, um dos maiores especialistas em contas públicas do país e que tem liderado críticas técnicas ao substitutivo apresentado pelo relator da matéria na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
Em entrevista ao InfoMoney, Salto diz que a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) virou uma “colcha de retalhos”, com instrumentos, segundo ele, inconstitucionais ‒ como a criação de um Conselho Federativo para gerir o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), tributo criado a partir da unificação do estadual Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com o municipal Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS) ‒ e dispositivos ineficazes, como o Fundo de Compensação de Perdas, que, apesar da promessa de acabar com a guerra fiscal, pode gerar uma nova forma de disputa entre entes subnacionais bancada por recursos ilimitados da União.
“É uma temeridade o que se está propondo, e tudo isso travestido de boas práticas, isto é, supostamente alinhadas com o resto do mundo”, diz.
“O Conselho Federativo é totalmente desnecessário. Ele foi o canto das sereias entoado ao setor produtivo, que caiu que nem patinho. É como se um economista, sozinho, dentro do governo, pudesse lhes garantir que seus créditos serão pagos assim que acontecer o consumo do bem final”, sustenta.
Para o economista, o órgão a ser criado para gerir o Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) subnacional poderia trazer sérias implicações para a estrutura federativa nacional. “O que se está fazendo aí é um desmonte da federação. Esse Conselho ‒ se esse ovo da serpente for posto ‒ vai destruir a federação brasileira”, afirma.
Especialista em contas públicas, Salto também vê riscos fiscais significativos da proposta para o governo federal, que terá que garantir recursos a estados e municípios durante a transição de regime tributário.
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“Hoje, todos concedem muitos benefícios tributários e isso precisa acabar. Já poderia ter acabado, aliás, por meio de uma resolução do Senado ou de lei ordinária. Não precisa virar de cabeça para baixo o sistema atual, criando subterfúgios e despesas de centenas de bilhões, que serão arcadas pelo contribuinte ‒ isto é, haverá aumento de carga tributária de modo retumbante e inquestionável. Ou vão turbinar a dívida pública? A alternativa é deixar a inflação comer solta. Não creio que seriam irresponsáveis”, pontua.
Ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo durante a gestão de Rodrigo Garcia (PSDB), Salto foi um dos primeiros economistas a apoiar a proposta do novo arcabouço fiscal apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT). Agora, ele está na contramão de boa parte dos colegas ao alertar para riscos envolvendo o texto em discussão da reforma tributária.
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Durante a entrevista, ele fez elogios públicos ao atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e seu sucessor no comando da secretaria estadual, Samuel Kinoshita. Ambos têm resistido a alguns pontos da discussão sobre a PEC 45/2019.
“O Tarcísio se mostra republicano ao liderar esse movimento e tentar reverter essa marcha rumo ao abismo”, diz.
“[Ele e o secretário Kinoshita] Merecem aplausos em meio a essa sandice em que se transformou o debate sobre o tema, onde quem levanta argumentos contrários ao substitutivo é visto como espécie de inimigo. Precipitados são eles, que querem enfiar goela abaixo uma proposta que agrada aos contribuintes, mas é na verdade uma venda de gato por lebre escancarada”, prossegue.
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Do ponto de vista setorial, Salto também critica o que considera um excesso de benefícios ao agronegócio e ao setor de serviços ‒ segmentos com ampla representatividade no parlamento e que ofereciam resistência à versão original da PEC 45/2019.
“Tentaram tapar o sol com a peneira, mas agora, sob a luz do sol, fica clara a estratégia: seguram o texto final até a undécima hora, mas dizem que são democráticos, veja você. E seguram o texto para que não possamos criticar as novidades que estão abarcando ali”, diz.
“Por que a reforma, hoje, caiu nas graças de certas lideranças velhacas do Congresso Nacional? Não é porque tiveram um rompante de lucidez e tecnicidade, mas porque cedeu-se tanto no texto, que ele virou um apanhado de pleitos setoriais e federativos. Isso não tem a menor chance de dar certo”, vaticina.
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Veja os destaques da entrevista:
InfoMoney: O senhor tem argumentado que o substitutivo da reforma tributária incorporou uma série de demandas a ponto de ter desfigurado a ideia original e tornado o sistema atual preferível à mudança em discussão. Por quê? Quais concessões fugiram do razoável e tornaram o texto tecnicamente indesejável?
Felipe Salto: São diversos os pontos preocupantes do texto substitutivo. Começo pelo Conselho Federativo. Ele é uma estrutura inconstitucional, que fere o pacto federativo – cláusula pétrea da Constituição Cidadã. O Conselho vai arrecadar, normatizar, regulamentar e até mesmo propor lei complementar (conforme mudança do artigo 61 proposta pela PEC) para o IBS. Isso é mais poder do que qualquer governador de Estado jamais sonhou em ter. E em nome de quê? De garantir as devoluções de crédito de modo automático ao contribuinte, buscando a chamada não cumulatividade plena do imposto.
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Ora, mas do que se trata a não cumulatividade plena? Trata-se de devolver o imposto pago sobre insumos, inclusive serviços, utilizados nas etapas intermediárias de produção de determinado bem ou serviço. Ótimo. Mas, cabe pergunta: e se houver créditos oriundos de notas fraudadas? Quem vai fiscalizar e em que tempo? Não se garante esse quesito fundamental. Prevejo, a partir disso, uma avalanche de operações que poderão erodir o erário público.
É uma temeridade o que se está propondo, e tudo isso travestido de boas práticas, isto é, supostamente alinhadas com o resto do mundo. Balela. Para fazer esse mesmo efeito, bastaria que cada Estado se responsabilizasse pelo devido pagamento ao seu respectivo contribuinte. Argumenta-se que isso levaria a uma desconfiança, como existe hoje, no caso do ICMS, em que muitos estados não devolvem o crédito acumulado do ICMS. Mentira. São Paulo é exemplo de estado que devolve. Aliás, quando estive lá na Secretaria da Fazenda, tomamos medidas para acelerar em 70% as devoluções, de modo responsável fiscalmente, e não essa festa da cocada que se está a propor no texto Constitucional! Não é um papel de pão, não, é um texto que integrará a Constituição.
O Conselho Federativo é totalmente desnecessário. Ele foi o canto das sereias entoado ao setor produtivo, que caiu que nem patinho. É como se um economista, sozinho, dentro do governo, pudesse lhes garantir que seus créditos serão pagos assim que acontecer o consumo do bem final. Isto é, quando o consumidor, lá no destino, consumir o bem final, cada contribuinte que adquiriu créditos nas etapas anteriores terá seu crédito transferido, sem ruídos e interferências dos estados, por uma conta centralizadora sabe-se Deus gerenciada por quem dentro do tal Conselhão. Eu nunca vi algo mais inconstitucional do que isso em matéria federativa.
Garantir a devolução adequada dos créditos e, portanto, a não cumulatividade, é importante, mas desde que se respeite a etapa da fiscalização, para que não se comece a jogar dinheiro público de helicóptero por cima dos municípios brasileiros. Duvido que os órgãos de controle ficassem inertes diante desse disparate completo. Uma coisa é ser a favor das ideias da migração ao destino, como eu sou e defendo desde que comecei minhas atividades à frente da Secretaria da Fazenda de São Paulo, no começo de 2022. Outra bem diferente é entender que esse Conselho Federativo possa ter algum respaldo técnico relevante, seja jurídico ou mesmo econômico. É uma aventura que ainda pode ser evitada.
É por isso que o Governador de São Paulo [Tarcísio de Freitas] está correto e eu o apoio. O Tarcísio se mostra republicano ao liderar esse movimento e tentar reverter essa marcha rumo ao abismo. Almoçamos na sexta-feira passada e disse exatamente isso a ele e ao seu Secretário de Estado. Eles estão dando o bom combate e contam com meu total apoio como economista, especialista em contas públicas e ex-Secretário da Fazenda e Planejamento de São Paulo. Merecem aplausos em meio a essa sandice em que se transformou o debate sobre o tema, onde quem levanta argumentos contrários ao substitutivo é visto como espécie de inimigo. Precipitados são eles, que querem enfiar goela abaixo uma proposta que agrada aos contribuintes, mas é na verdade uma venda de gato por lebre escancarada.
IM: Quais os outros pontos técnicos em que a proposta está falhando?
FS: Ela falha também no desenho de estruturas como o Fundo de Compensação de Incentivos do ICMS, espécie de mecanismo para substituir os incentivos do ICMS concedidos atualmente no bojo da Lei Complementar nº 160/2017. Na época, infelizmente, São Paulo não segurou essa lei, chamada lei da convalidação, que representou espécie de licença para matar na guerra fiscal entre os estados. Hoje, todos concedem muitos benefícios tributários e isso precisa acabar. Já poderia ter acabado, aliás, por meio de uma resolução do Senado ou de lei ordinária. Não precisa virar de cabeça para baixo o sistema atual, criando subterfúgios e despesas de centenas de bilhões, que serão arcadas pelo contribuinte ‒ isto é, haverá aumento de carga tributária de modo retumbante e inquestionável. Ou vão turbinar a dívida pública? A alternativa é deixar a inflação comer solta. Não creio que seriam irresponsáveis, até porque confio no comando que o ministro Fernando Haddad tem imprimido nas questões fiscais. Fui o primeiro economista de contas públicas a apoiar o arcabouço fiscal, quando todos (que agora aplaudem a tributária e, por tabela e de modo envergonhado, aplaudem também o arcabouço) estavam a criticar, por todos os cantos.
O tal fundo é muito ruim, porque há nele um dispositivo, o parágrafo 8º do artigo 11, que garante compensação infinita da União, desde que os incentivos se mostrem “adequados” aos preceitos da famigerada Lei Complementar 160. É que ninguém lê o texto no detalhe, meu caro. Isso que preocupa. Apoiar teses, até minha avó. Quero ver ler cada dispositivo e engolir em seco barbaridades como esta.
A outra, a terceira dessa série de piores itens do substitutivo, refere-se ao cálculo das alíquotas do IBS e da CBS. Será feito pelo TCU e pelo Senado, adivinhe com apoio de quem? Do singelo Conselho Federativo ‒ sim, aquele que o [Bernard] Appy vive dizendo que não terá poder algum, que só servirá para funcionar como clearing (conta em que se debitam e creditam operações de diversos players para, na mesma data, fechar sempre zerada) entre os estados, municípios e contribuintes. Não é nada disso. Eu afirmo, como especialista em contas públicas e ex-Secretário de Estado, que o que se está fazendo aí é um desmonte da federação. Esse Conselho ‒ se esse ovo da serpente for posto ‒ vai destruir a federação brasileira. Escreva o que estou dizendo. Mesmo que a Câmara atropele e aprove, minha esperança está no Senado, onde há vida inteligente e espírito público à altura de barrar essa empreitada.
IM: Entraves federativos parecem um dos principais desafios para a construção de um texto de consenso para a reforma tributária. O nível de entendimento entre os governadores diminuiu da legislatura passada para a atual? O que aconteceu?
FS: Nunca houve entendimento relevante algum sobre essa proposta que está na mesa. O Comsefaz chegou a apreciar, isso ainda antes de eu chegar à Secretaria da Fazenda, com o Rodrigo [Garcia], uma versão da proposta denominada PEC 110. Mas isso estava longe de representar algo detalhado e próximo do que se está votando na Câmara dos Deputados neste momento. A questão das compensações sempre foi um impasse, a questão da autonomia federativa, idem. Tentaram tapar o sol com a peneira, mas agora, sob a luz do sol, fica clara a estratégia: seguram o texto final até a undécima hora, mas dizem que são democráticos, veja você. E seguram o texto para que não possamos criticar as novidades que estão abarcando ali.
Veja, no texto preliminar, o mol de exceções para agronegócio, serviços e que tais. E tudo de modo nebuloso, sujeito a leis complementares e arbítrios posteriores. É mais ou menos assim: ‘fecha o olho, pula na água, pois está bem quentinha, e depois a gente vê como faz. Quem não aceita isso, é segregado. Pouco me importa’.
Posso dizer que estou tranquilíssimo em relação ao que defendo desde há um bom tempo e partir dos estudos que desenvolvo ‒ muitos, inclusive, bebendo nas fontes de especialistas que hoje estão seduzidos pela chance de aprovar qualquer coisa. Aprovar qualquer coisa, muitas vezes, é bem pior do que não aprovar nada, sobretudo no caso da reforma tributária, que é um sistema complexo, onde não se pode usar uma chave de fenda para consertar uma engrenagem tão delicada quanto a de um relógio de bolso. Não é o caso de dizer: ‘ah, mas vamos pelo IVA, pelo destino e pela não cumulatividade’. Isso todos vamos e somos. A questão é outra, o buraco é bem mais embaixo.
IM: O senhor vislumbra alguma solução possível para a guerra fiscal que não onere excessivamente a União (via compensações excessivas através do fundo criado para isso) ou o contribuinte (a partir de aumento de carga tributária)?
FS: A guerra fiscal só será resolvida com o fim das alíquotas interestaduais do ICMS, como proponho há mais de um ano. A outra possibilidade é por meio de um IVA, com o IBS, totalmente no destino. A complicação do IBS é que envolve municípios, acoplando-se o ISS, algo que definitivamente não é o momento de se fazer. É preciso resolver um problema por vez neste tema.
De um jeito ou de outro, há, sim, que haver compensação, mas não como se está propondo, sem qualquer limitação. Vamos ter bem claro, pois é isso que se está propondo no artigo 11, parágrafo 8º, do substitutivo: uma compensação infinita dos incentivos por parte da União, e com prazo até 2032. Ou seja, o imposto no destino, integral, só vem em uma década. Até lá, todos os incentivos garantidos, mas agora com dinheiro da viúva de sempre, a União Federal.
Eu faria totalmente diferente. Faria apenas um fundo de desenvolvimento regional, com contrapartidas e volume de recursos delimitado. ‘Ah, mas assim não passa’. Então, que não passe! Vão enterrar as contas públicas e a economia em nome de quê? De garantir devolução de crédito para contribuinte chorão, que hoje está montado em cima de uma montanha de incentivos, créditos e regimes especiais de toda sorte? Não é assim que se faz uma reforma. Vão avançar, como eu vaticinei, se for assim, mas ainda tenho esperança de que não, com uma grande irresponsabilidade.
Hoje as esperanças se depositam em figuras que estão se mostrando gigantes, como o governador Tarcísio, a quem franqueio, agora de público pleno apoio. Ele está sendo republicano e correto, freando essa marcha da insensatez.
IM: Já em relação ao Fundo de Desenvolvimento Regional, qual seria uma regra tecnicamente justa para a distribuição dos recursos?
FS: Se fosse eliminada a ideia absurda do Fundo de Compensação de Incentivos sem limite orçamentário e fiscal, então poderíamos discutir esse fundo de desenvolvimento, que é uma boa ideia e sobre a qual eu já falava no ano passado. Pode-se fixar um limite de recursos e uma gama de objetivos bastante claros, voltados ao investimento público de boa qualidade, passando por avaliação ex ante e ex post, e com projetos aprovados e fixados em PPA e LOA de cada ente.
Não é brincadeira, tem de ser coisa séria. Do jeito que estão discutindo, caminha-se para um novo FPE, que, como mostrei na minha dissertação de mestrado pela FGV-SP, não serviu para absolutamente nada em termos de redução de disparidades regionais e desigualdades entre os estados. O critério deve ser o de combate à pobreza e estímulo ao investimento produtivo. É simples assim. E difícil de fazer, pois envolve convencimento e boa articulação. Por que a reforma, hoje, caiu nas graças de certas lideranças velhacas do Congresso Nacional? Não é porque tiveram um rompante de lucidez e tecnicidade, mas porque cedeu-se tanto no texto, que ele virou um apanhado de pleitos setoriais e federativos. Isso não tem a menor chance de dar certo.
IM: E do ponto de vista setorial? Quais são suas preocupações?
FS: São muitas. Sou defensor árduo da indústria nacional, o meu lado desenvolvimentista. Sempre me defini como um desenvolvimentista fiscalista. Agora, devolução de crédito não é assim como se está prometendo, por meio de uma conta central que ninguém vai poder controlar (e, com “ninguém”, não estou dizendo especialistas em contas públicas, mas governadores de Estado). Ora, isso é impensável.
Setorialmente falando, é preciso garantir um sistema que preveja tratamento homogêneo e justo, com estímulo a investimento e exportações líquidas. É assim que voltaremos a crescer. Isso não está garantido no texto em tramitação. Infelizmente, diz-se que está, mas não está. Lá, há uma colcha de retalhos, com possibilidade de redução de alíquota de 50% e até de 100% para diversos itens e serviços. Uma verdadeira ópera-bufa em forma de PEC.
IM: Qual é o risco de o texto atual implicar em aumento efetivo de carga tributária? Por quê?
FS: Primeiro, não se sabe nem sequer as alíquotas da CBS e do IBS. É mentira que não se poderia saber desde já. É preciso fixar alíquotas e, depois, sim, fazer eventuais calibragens. Não podem jogar o contribuinte, o ente federado e toda a sociedade num verdadeiro mergulho no escuro. Minha impressão é de que a alíquota agregada ficará próxima de 30% depois das exceções introduzidas. Além disso, a carga será pressionada porque não se está a fazer uma reforma do lado da despesa, tampouco uma reforma dos gastos tributários. Aqui, a intenção do ministro Haddad está correta. Deveriam focar nisso, em rever o meio trilhão de renúncias tributárias, e não em aprovar de modo forçado uma reforma mal-ajambrada como esta que aí está. Caso contrário, o resultado será, sim, manutenção ou mesmo aumento da carga tributária, até para comportar os gastos infindáveis com os fundões fura-teto.
IM: A proposta em discussão na Câmara dos Deputados é vendida como solução para a cumulatividade, com cobrança no destino, maior transparência sobre a cobrança e redução do elevado contencioso existente no país. Qual é o resultado que o senhor espera caso o texto apresentado pelo relator seja aprovado?
FS: Ela poderia levar a isso se fosse consertada. Mas não se quer ouvir crítica. Eu mesmo já tentei. Mandam emissários, veja você, para tentar nos calar. Isso é um absurdo e, quanto mais fazem, mais eu falo e cito tecnicamente os erros que estão cometendo, porque já fiz ao próprio Appy, meu amigo pessoal e que considero muito.
O texto poderia ser pra lá de aprimorado, sem Conselho Federativo, separando-se em etapas ‒ primeiro, a CBS; segundo o ICMS no destino; e terceiro, o IBS. As duas primeiras já poderiam ter ocorrido por lei ordinária e resolução, no caso do ICMS no destino. Por que enfiar tudo na Constituição e sob o guarda-chuva de estruturas estranhas ao pacto federativo, como esse Conselho? Não há razão, e, quando questionados, dizem que é essencial. É mesmo? Expliquem em quê, por favor?
A não cumulatividade pode ser plenamente garantida pelos estados. E eu vou explicar com um exemplo, para derrubar definitivamente a argumentação oficial.
Imagine um produtor rural que venda um insumo para um manufatureiro de outro estado por R$ 100,00. Suponha que a alíquota do IBS fosse de 30%. Então, o estado que vendeu o insumo teria de repassar R$ 30,00 de receita de imposto para o estado de destino, pois o primeiro manufatureiro produziu a sua mercadoria, que foi vendida então a um segundo manufatureiro, em outro estado, por R$ 200,00. O imposto seria de R$ 60,00. Sim, mas há um crédito da etapa passada equivalente a R$ 30,00, a ser devolvido pelo estado do primeiro manufatureiro a este contribuinte. Além disso, esse segundo estado repassará os R$ 60,00 de crédito para frente, pois o segundo manufatureiro vendeu, no nosso exemplo, sua mercadoria final para um consumidor (que não é contribuinte) no mesmo estado, ao preço de R$ 300,00. O imposto é de R$ 90,00.
Assim, nessa etapa final, o estado de destino terá arrecadado R$ 90,00 e mais os R$ 60,00 recebidos do segundo estado, que vai devolver para o seu contribuinte (após fiscalizar todas as notas devidamente), restando a ele (estado de destino), o imposto de R$ 90,00. O primeiro manufatureiro recebeu, do próprio estado onde opera, seu crédito de R$ 30,00, e o segundo manufatureiro, o seu crédito de R$ 60,00. Tudo resolvido sem Conselho Federativo algum. Voilà. Por que não discutem isso? Outros já propuseram.
O Appy esteve na Secretaria da Fazenda me visitando no ano passado, isso há cerca de um ano, e apresentou essa ideia de Agência Centralizadora, como era chamada na época. Eu e os técnicos excepcionais da Fazenda Estadual, auditores fiscais da receita, com vasta experiência, que já vivenciaram muitas experiências de Confaz, reformas etc, mostramos que era uma má ideia. Mas não ouvem ninguém. E hoje falam que estou querendo trazer ideias novas na última hora. Outra mentira. Estou falando há tempos. E olha que falo pelos cotovelos (risos), sempre com base nas análises técnicas.