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As principais propostas de reforma tributária em discussão no Congresso Nacional têm tirado o sono de representantes do agronegócio no Brasil. A despeito da promessa de simplificar um sistema com reprovação unânime, de reduzir o volume de contenciosos na Justiça e de corrigir distorções setoriais e alocativas, os textos geram a percepção de uma conta salgada para o campo.
O setor, que responde por cerca de 1/4 do PIB (Produto Interno Bruto) nacional e quase metade do total exportado pelo país, teme que as Propostas de Emenda à Constituição (PECs) que tratam da unificação de impostos sobre o consumo resultem em aumento de carga tributária sobre suas atividades e perda de competitividade, gerando impactos sobre o desempenho da economia e o nível de empregos gerados.
Um dos porta-vozes do setor no parlamento, o deputado Pedro Lupion (PP-PR), que em fevereiro assumiu a presidência da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), reconhece divergências expressivas nas estimativas do setor sobre os impactos das medidas em discussão, mas parece convencido de que haverá prejuízos para os produtores rurais se não houver mudanças nos termos da discussão.
Em entrevista ao InfoMoney, o congressista manifestou preocupação com os impactos da incidência das regras sobre as cadeias produtivas de diferentes segmentos do agronegócio e com a perda de incentivos, criticou o mecanismo de reoneração da cesta básica e adoção de “cashback” para consumidores de baixa renda na compra desses produtos e defendeu a manutenção de alíquotas diferenciadas para o setor.
“Nosso maior pedido (…) é que haja diferenciação de alíquota. Isso é a sobrevivência do agro nacional. Cada um dos elos da cadeia tem uma alíquota distinta e precisamos que isso continue”, afirmou.
“Nossa preocupação é que consigamos ter uma reforma que simplifique tributos, mas que quem produz, quem contribui, quem faz com que a balança comercial seja positiva, que gera empregos e que tem sustentado o país nos últimos anos, não seja o grande responsável por arcar com essa conta. Estamos fadados a uma perda de competitividade gigantesca e uma queda de investimentos no setor muito alta [se a proposta for aprovada nos atuais termos]. (…) Queremos uma reforma, mas ela não pode ser injusta com quem sustenta esse País”, disse.
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Apesar das críticas aos textos em discussão, Lupion reconhece a necessidade de se modificar o atual sistema de impostos no país. “O compêndio legal de legislação tributária hoje é surreal, é um absurdo completo. Precisamos simplificar”, defendeu.
E compartilha da leitura de que há um ambiente político favorável para a aprovação de uma reforma tributária no país. “Pelo que estamos vendo as negociações aqui, em Brasília, ocorrerá uma reforma tributária. Mas que venha da melhor maneira possível, e não prejudicando um setor em detrimento dos outros. Hoje, a impressão que temos é que a PEC 45 é a PEC dos bancos e da indústria. Nossa preocupação é que ela também atenda [o setor de] serviços e a produção [agropecuária]“, frisou.
Durante a entrevista, Lupion também disse que uma das prioridades da bancada ruralista no início da nova legislatura é garantir o protagonismo do Ministério da Agricultura, que, na avaliação do grupo, foi esvaziado com a recriação do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar e a migração de autarquias como Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) − mudanças que constam de medida provisória editada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e que ainda precisa ser apreciada pelo parlamento.
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O deputado destacou, ainda, o tamanho inédito alcançado pela frente parlamentar, com 348 membros. Ele acredita que a organização do grupo será importante na defesa dos interesses do agro em pautas como licenciamento ambiental, regularização fundiária de terras da União e o marco legal de defensivos.
Leia os destaques da entrevista:
InfoMoney: Houve um desmembramento do Ministério da Agricultura neste novo governo. De que forma a interlocução tem ocorrido com o setor? O senhor considera que exista atualmente algum tipo de ruído?
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Deputado Pedro Lupion: Ideologicamente nós divergimos de muita coisa, mas a agropecuária brasileira não pode pagar essa conta. É preciso criar pontes, conviver e buscar soluções para as questões da agropecuária. Não ficamos satisfeitos com esse enfraquecimento claríssimo do Ministério da Agricultura. Foram estruturas importantes que saíram de lá: a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a agricultura familiar, o CAR (Cadastro Ambiental Rural), as florestas plantadas, o próprio Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Hoje arrisco dizer que o Ministério de Desenvolvimento Agrário tem mais força de benefícios-fim para a agropecuária brasileira do que o próprio Ministério da Agricultura. Não pode ficar assim. Precisamos fortalecer o ministério. Por isso que fizemos emendas à Medida Provisória [MPV 1154/2023], para voltar essas estruturas para dentro do MAPA. Estamos negociando cada uma delas, principalmente a questão da Conab e do cadastro.
São temas que temos trabalhado com o governo, não no embate direto, por meio de ataque através da imprensa, mas conversando bastante. Eles estão cientes do que estamos fazendo, as emendas são públicas. Já fui procurado por membros do PT, inclusive pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR) [líder do PT na Câmara]. Já conversei com o PSD, do ministro [Carlos] Fávaro. Temos tratado disso com a maior transparência, porque precisamos da volta do protagonismo para o Ministério da Agricultura.
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IM: Os senhores chegaram a acordos para a reestruturação do MAPA, como defende a Frente?
PL: Nós temos hoje 348 membros na FPA. Então, obviamente nós temos votos para tomar a decisão que quisermos. O governo tem que negociar conosco, Então, nos apresentem alternativas. Tanto Conab quanto CAR são pontos que não abrimos negociação de maneira alguma. Estamos trabalhando muito fortemente para que retornem ao Ministério da Agricultura.
O Incra é uma situação um pouco mais complicada, porque senão não há porquê ter MDA [Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar]. Mas não há motivo para segregar a agricultura familiar do resto do agro no Brasil. Nas últimas contratações de Plano Safra, 70% foram de agricultura familiar, foi do Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Eu venho de um estado em que a agricultura é muito forte. Das 350 mil propriedades no Paraná, 340 mil são de agricultura familiar. No grande Brasil, mais de 90% das propriedades são de agricultura familiar. Estou falando do pequeno produtor, do cara que está integrado com frango, que tira leite, é o da fruticultura, que entrega verdura no Ceasa, que planta um pouquinho de soja, de milho, e, principalmente, os cooperados das gigantescas e importantes cooperativas agrícolas do Brasil.
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A preocupação é que segregar esse pessoal faria com que eles ficassem alijados de todo o processo decisório da agropecuária, seja no plano Safra, seja na contratação de seguro. Por exemplo, a grande maioria dos produtores afetados em mais essa estiagem no Rio Grande do Sul é de agricultura familiar. Não entendemos o porquê disso (a separação entre produtores). Na verdade, é uma questão conceitual, de listas e cadastros. Mas eu não consigo entender que exista um ‘agro bom’ e um ‘agro mau’. Existe um setor extremamente importante para a economia que tem que ser valorizado.
IM: Se não houver mudanças na medida provisória que trata da reorganização dos ministérios, a Frente em tese teria condições de fazer o texto caducar ou derrubá-lo no plenário? Esse é o objetivo caso as negociações não avancem? Sem mudanças, a Frente votará contra?
PL: Nós teríamos que aprovar nossas emendas, para aprovar essa reestruturação. Existe uma possibilidade em relação à Conab que aceitaríamos negociar, que é o plano que a [ex-ministra] Teresa Cristina (PP-MS) apresentou lá atrás, da possibilidade de criar uma OS (Organização Social), com sua autonomia, como nos Estados Unidos. Isso aceitaríamos fazer tranquilamente. Agora, usá-la para fazer política dentro do MDA, não vejo por quê.
IM: Recentemente, observou-se um aumento nos registros de invasões promovidas por integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) a propriedades rurais. Há cobrança de parlamentares para apuração dos fatos e investigação dos envolvidos, inclusive através de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito). De que forma a frente tem observado os acontecimentos e se mobilizado?
PL: Essa realmente não é uma questão ideológica, é uma questão legal, de justiça. Nós temos em nossa Carta Magna o direito à propriedade, assim como no Código Penal, que também traz o esbulho possessório. Nós sabemos o que pode e o que não pode se fazer dentro da lei. Essa onda de invasões não é um movimento por reforma agrária, é uma onda extremamente organizada, seja pelo MST, seja pela questão do José Rainha[, líder da Frente Nacional de Lutas Campo e Cidade (FNL)], seja pela questão no sul da Bahia, cada uma com suas particularidades. Mas é uma questão organizada e política.
Por que, de repente, quando assume o governo Lula começa essa onda? Não é uma questão de ‘queremos reforma agrária’. Pelo contrário, reforma agrária se faz dando terra para quem tem vocação e fixando essas pessoas na terra. Foram dados, no último governo, 450 mil títulos de propriedade. Isso é reforma agrária, fazer com que o assentado se torne efetivamente produtor rural. O Estado tem 90 milhões de hectares de terra no Incra, tem mais 120 milhões de hectares que são de propriedade da União, e poderia fazer reforma agrária. Esses movimentos não querem isso. São um movimento político para mandar recado, seja para nós, seja para o governo, seja para sociedade. Existe uma insatisfação desses movimentos com a falta de protagonismo no governo e existe uma insatisfação que está causando um prejuízo político imenso para o governo. A opinião pública não aceita, em pleno 2023, esbulho possessório, invasão de propriedade privada e produtiva.
As medidas que nós, como representantes dos produtores rurais, temos tomado aqui são de endurecimento da legislação, principalmente na pena do esbulho possessório. Estamos trabalhando para a legislação possibilitar a retirada dos programas sociais de todo e qualquer envolvido em invasões de propriedade privada e produtiva. Nós temos os pedidos de informações feitos para saber de onde sai o financiamento dessas invasões e também quem está organizando todo esse processo. Isso não é por acaso, não são essas famílias de pessoas miseráveis, que têm necessidade e são usadas de massa de manobra, que tomam essas decisões. Existe um núcleo político por trás disso e vamos descobrir qual é.
IM: Nas últimas semanas, o governo tem se esforçado para barrar a instalação de CPIs que entenda como potencialmente prejudiciais para a tramitação de matérias de seu interesse no parlamento. Há diálogo com o governo sobre a CPI do MST?
PL: O governo tem alguns problemas. Primeiro, ele precisa mostrar qual é o tamanho da sua base, para ver se ele tem força para segurar qualquer tipo de investigação aqui dentro. Hoje nós não enxergamos isso. A legislação não permite que tenhamos mais de cinco CPIs ao mesmo tempo, existe [pedido] da CPI das Americanas, que já estava com as assinaturas; existem outros com temas mais específicos, que também já tinham assinaturas. Vai depender do presidente Arthur Lira (PP-AL), no colégio de líderes, decidir quais são as CPIs que serão instaladas. É uma questão que vai depender de negociação.
IM: O senhor se colocou favorável à retomada de linhas de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para os agricultores, e também é o autor de um projeto de lei para que haja ingerência do Congresso em relação a exportação de bens e serviços. A retomada do banco público como instrumento de política externa preocupa o setor?
PL: Existe uma preocupação do setor quanto à dificuldade de acessar linhas de crédito. Nós temos, inclusive, que calcular o Plano Safra para fazer mais um entendimento com o governo e ver de onde vai sair o dinheiro para financiamento. Isso é uma preocupação grande, o custo de produção é alto e a gente não pode perder competitividade.
O BNDES tem o papel de financiar a produção agrícola brasileira. Estamos falando de um setor que representa 1/3 do PIB (Produto Interno Bruto), praticamente 1/4 dos empregos do país, mais da metade da balança comercial. É um dinheiro muito melhor aplicado internamente no país do que o BNDES continuar emprestando dinheiro para outros países, investir em obras de infraestrutura em outros países. Entendemos que a necessidade maior é fazer com que o banco possa auxiliar os produtores rurais nas suas demandas. Não vejo que teremos dificuldades nisso. O ministro Fávaro esteve em reunião com o ministro [Fernando] Haddad (Fazenda) pedindo dinheiro para a equalização de juros, houve essa equalização. Estamos aguardando que venham números positivos.
IM: O setor tem manifestado preocupação com as propostas de reforma tributária sobre impostos indiretos em discussão no Congresso Nacional. Quais são as principais resistências aos textos?
PL: Nós temos o entendimento claro de que o governo não tem um projeto [próprio] de reforma tributária. Esse projeto são as PECs 45 e a 110. Vai sair algo em torno do texto de ambas. Mas ficamos muito preocupados, porque o imposto sobre o consumo em si faz com que haja incidência tributária em toda a cadeia produtiva − isso vai fazer com que haja incidência de 25% em toda a cadeia do agronegócio. E essa cadeia é forte e pujante porque tem diferenciação tributária e alíquotas diferentes em cada elo.
Nossa maior preocupação e o maior pedido que temos feito ao [secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda, Bernard] Appy e ao relator do grupo de trabalho[, o deputado federal Aguinaldo Ribeiro (PP-PB)], é que haja diferenciação de alíquota. Isso é a sobrevivência do agro nacional, é a sobrevivência do nosso setor. Cada um dos elos da cadeia tem uma alíquota distinta e precisamos que isso continue.
Dos países que analisamos e que têm IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) como sistema, só quatro não têm alíquota diferenciada dentro da cadeia. São países importadores, como Estônia e Dinamarca. Não conseguimos entender como funcionaria uma alíquota única para um setor diverso como é o agro, e também para o setor de serviços e de indústria. Os números são assustadores. Existem aqueles mais fatalistas e aqueles mais otimistas, mas o que tem nos transparecido até agora, por meio de vários estudos que nos apresentam, é que o impacto no agro será grande: a indústria terá 45% de abatimento de tributos, enquanto o agro, um aumento de mais de 200%. Isso seria inviabilizar um negócio que dá certo, que é importante, que significa tanto para a nossa economia. Nós não podemos brincar com isso.
Existem tem temas que são muito bem-intencionados, como é o caso do cashback da cesta básica, mas que, no final, vai fazer com que o preço do produto na gôndola seja mais alto, com o consumidor pagando essa conta, com aumento de inflação e de custo de produção. Socialmente temos que ter a responsabilidade de saber o que é impactante para o país, para também quem produz e quem consome não sofrer esse impacto e não ter um problema sério na economia nacional.
Nossa preocupação é que consigamos ter uma reforma que simplifique tributos, mas que quem produz, quem contribui, quem faz com que a balança comercial seja positiva, que gera empregos e que tem sustentado o país nos últimos anos, não seja o grande responsável por arcar com essa conta. Estamos fadados a uma perda de competitividade gigantesca e uma queda de investimentos no setor muito alta. Esperamos que nossas questões sejam atendidas no grupo de trabalho e também pelo secretário Appy. Queremos uma reforma, mas ela não pode ser injusta com quem sustenta esse país.
IM: O senhor falou em 200% de aumento de carga tributária, segundo estimativas do setor. Já há alguma avaliação de quanto isso representaria em termos de resultado do agro e em estimativas de participação do PIB?
PL: Pedi ao IPA (Instituto Pensar Agropecuária) e à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária) para apresentarem para cada uma das cadeias do agronegócio, das culturas que produzimos, dos produtos que temos, sejam os primários ou industrializados, o que tem impacto efetivo no custo de produção caso haja essa reforma. No número frio, com o fim do crédito presumido, da substituição tributária, das alíquotas diferenciadas, da maneira como funciona a tributação do setor hoje, nós teríamos… Hoje a indústria tem 46%, nós temos 29% de contribuição tributária… Nós passaríamos a ter 48% e a indústria cairia para 22% ou algo assim. Então, é um aumento muito grande, que nos assusta. Sem ser fatalista, os números mais graves que me apresentam são esses. Mas também tem gente no setor que diz que os números não são esses, que não é um susto tão grande.
Nós fizemos a primeira reunião com Appy, do nosso pessoal técnico com o dele, para que a gente consiga aparar essas arestas e buscar maior entendimento. Por exemplo, o respeito ao ato cooperativo. Se houver a incidência dos 25% de IVA na cadeia produtiva como um todo, vamos ter a tributação da cooperativa e do cooperado, o que desrespeita o ato cooperativo, que está na Constituição. A questão da tributação da cesta básica é algo que nos preocupa, não pelo conceito, mas principalmente por entender que cashback não vai funcionar. Pelas nossas contas, ele seria só de R$ 25,00 por cesta básica − ou seja, não amenizaria a vida do consumidor; o melhor para ele seria ter o produto mais barato na gôndola mesmo.
Há questões como o produtor rural como contribuinte, que também nos preocupa na questão tributária. Hoje a grande maioria dos produtores são CPF e não são CNPJ. Precisamos entender como o sistema seria integrado dessa maneira. Existe muita informalidade, principalmente nos grotões do Brasil. Nós não temos como fazer o crédito nesses setores onde não tem recolhimento de nota, em que o produtor entrega o produto direto na merenda da escola, no Ceasa, na venda da esquina.
Estamos tentando mostrar que é um sistema extremamente complexo, completamente plural, com diferenças regionais e na tributação de cada um dos produtos. Dentro da cadeia do agronegócio está madeira, combustível, máquina pesada e arroz, feijão, trigo, milho. São situações que precisamos entender. Hoje o Brasil é o maior exportador de frangos do mundo. O integrador de frangos não compra nada e não é dono de nada. Ele recebe o frango, engorda com a ração que recebe e fica como prestador de serviços. Ele cuida do frango, engorda e entrega ele gordo para o abate. Como vamos tributá-lo se ele não faz nenhuma compra e não está dentro da cadeia como contribuinte? Qual é o papel dele no sistema? Não tenha dúvida que a indústria não vai ficar com prejuízo nenhum, vão repassar tudo para o produtor. O sistema é perverso e sempre foi. Não podemos entregar para o produtor um sistema tributário que seja mais punitivo do que já é hoje.
IM: Quais seriam os segmentos do agro mais afetados pela reforma tributária no formato em discussão atualmente?
PL: O setor primário, que é o setor exportador, que tem todas as isenções, a nossa competitividade e a promessa de que não haveria a taxação de exportações, é um um pouco menos afetado. Mas todos os outros são setores que dependem do atravessador, da trader, da cooperativa, da cerealista. Tudo hoje funciona com o crédito presumido. Acabando isso, não entendemos como vai ficar a divisão da conta.
Todos nós partimos do princípio de que, com uma reforma tributária ampla, todo mundo sai perdendo, porque não vai manter o benefício, vai ter que se organizar, mas não ela pode ser tão prejudicial. Eu torço muito para que tudo que eu falo esteja errado, para que eu esteja completamente enganado, e que consigamos fazer a reforma tributária o mais light e o mais correta possível, para melhorar o país. Nós entendemos essa necessidade. O compêndio legal de legislação tributária hoje no país é surreal, é um absurdo completo. A gente precisa simplificar.
Mas [espero] que o governo nos ajude a encontrar um meio termo. Se partir do princípio de que a diferenciação de alíquota pode ser mantida, já é meio caminho andado, começa a ter uma tranquilidade no setor. O produtor rural na ponta não está nem sabendo que isso está acontecendo. Nossa preocupação hoje é uma briga da política. Pelo jeito que estamos vendo as negociações aqui, em Brasília, ocorrerá uma reforma tributária. Mas que venha da melhor maneira possível, e não prejudicando um setor em detrimento dos outros. Hoje, a impressão que temos é que a PEC 45 é a PEC dos bancos e da indústria. Nossa preocupação é que ela também atenda [o setor de] serviços e a produção [agropecuária].
IM: O governo editou uma medida provisória reonerando parcialmente os combustíveis, mas, para bancar parte do que não será arrecadado, aplicou um imposto sobre exportação de petróleo cru. Críticos veem com preocupação o precedente aberto para outros setores com o uso de imposto regulatório com fins de arrecadação. Como isso influencia no debate sobre reforma tributária?
PL: Essa questão é um precedente que nos preocupa. Todos eles têm dito que de maneira alguma taxariam produtos primários, nossas exportações de commodities, mas é óbvio que fica um ponto de preocupação, porque é um precedente complicado.
IM: O secretário Bernard Appy defende enfaticamente a simplificação do sistema a partir da unificação dos tributos, com uma alíquota padrão transversal aos setores econômicos. Ele argumenta que, quando menos alíquotas distintas, mais bem-sucedido será o modelo. Como compatibilizar essa visão com as preocupações e demandas do agro?
PL: A questão de encontrar algo que possa ser viável na reforma tributária vai depender muito da política e do que vamos poder combinar aqui. Eu não consigo dar essa resposta. Se você conversar com um parlamentar que seja da indústria ou dos serviços, ele vai falar pontos completamente diversos e vai criticar o meu setor. Nós estamos falando dos três principais setores da economia, que sustentam esse país. É óbvio que nós temos uma diferença em relação aos outros setores, nós temos o produtor rural, que é a pessoa que está lá na ponta. Ele está trabalhando, com a enxada na mão, fazendo a coisa acontecer e dentro do setor que também está bem industrializado e tem muita tecnologia aplicada.
Nossa preocupação é que o pequeno, na ponta, aquele que começou o processo lá atrás, não seja prejudicado. Claro que, se houvesse uma reforma em que eu soubesse que essa tributação seria dividida igualitariamente entre todos os setores e que todo mundo pagaria a mesma coisa e que não sairia ninguém prejudicado, todo mundo apoiaria e não haveria discussão nenhuma. Infelizmente não o que está acontecendo. Hoje, o que está parecendo é que quem está sendo prejudicado somos nós, e não os outros. Se me provarem o contrário, eu sou o primeiro a apoiar. Eu quero uma reforma tributária e acho ela extremamente necessária. Nos deem condições de apoiar uma reforma.
IM: Recentemente assistimos a revelação de novos casos de trabalho análogo à escravidão em propriedades rurais de grupos conhecidos no mercado. De que forma a Frente tem agido para conter esse tipo de situação?
PL: Nós não temos que ir contra absolutamente nada que está previsto na legislação. Ela é muito clara. Existe a legislação trabalhista, há fiscalização, e quem está errado tem que ser punido. Isso é ponto de princípio de qualquer discussão.
O que nos preocupa é a divulgação equivocada dos fatos. O fato de a vinícola Aurora ter [sido algo de] uma fiscalização − e não sou eu que vou dizer se eles estão certos ou errados… A cooperativa Aurora, que fica no Oeste de Santa Catarina, perdeu 10% do faturamento na semana e não tem nada a ver com a história. É preocupante, porque abala a imagem do setor e abala a imagem do país internacionalmente.
Quem fez errado tem que ser punido. Existe hoje uma fiscalização enorme. Nós todos nos preocupamos e orientamos os produtores rurais em relação à legislação trabalhista, que é a mais exigente e mais restritiva do mundo em relação à prestação de serviço e trabalho em lavouras. Não vejo por que teríamos que ter essa discussão como uma discussão política. A legislação está aí e tem que ser cumprida.
IM: Há um debate internacional sobre o etanol brasileiro, colocado por outros países como produto que “valoriza” mão de obra análoga à escravidão. Como a Frente tem atuado nesta disputa com implicações internacionais?
PL: Discursos vindos dos Estados Unidos, da União Europeia e da Argentina são guerras de narrativas e, principalmente, discussões concorrenciais. Eles precisam que o etanol de milho deles cresça, e, por isso, ficam atacando nosso etanol de cana.
Não existe mais isso (trabalho análogo à escravidão em lavouras de cana-de-açúcar). Não existe mais queima de cana-de-açúcar, a colheita é mecanizada. Aquele trabalhador boia-fria antigo não existe mais. É uma discussão que está completamente no passado.
Nós temos o melhor biocombustível do mundo, que é valorizado no mundo inteiro, que temos condições de conseguir equiparação de preço e valorização dos produtores e também das usinas que produzem. E os Estados Unidos têm que ficar realmente preocupados, porque o nosso etanol é muito mais eficiente que o etanol de milho deles. Nós, inclusive, estamos produzindo agora o nosso etanol de milho. Eles têm que ficar preocupados, porque somos concorrentes bem difíceis de lidar.
IM: O mundo está passando por um momento conturbado no mercado de crédito. No Brasil, o presidente Lula tem chamado muita atenção para isso também. Como o senhor enxerga esse ambiente no agro? No mercado, há especialistas que destacam o fato de que boa parte dos Fiagros criados recentemente são de “papel”, o que também poderia indicar o ambiente mais desafiador para crédito na produção.
PL: Primeiro, temos que entender que toda essa questão governamental, como Plano Safra e subsídios de juros, tem que ser para ajudar o pequeno produtor, para fazer aquele que não tem condições do acesso ao banco e ao crédito tenha uma condição especial através desses programas.
Nós temos que buscar outras alternativas de financiamento. Nós fizemos a Lei do Agro, em que fui o relator, abrimos crédito agrícola para bancos privados. Facilitamos as garantias, conseguimos fazer com que houvesse a possibilidade do patrimônio de afetação – ou seja, usar apenas uma parcela de uma área para operação financeira como garantia. E criamos o Fiagro. O Fiagro hoje é um sucesso. É algo que, ao que nos parece, pode ser muito positivo. Assinamos com a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) o primeiro convênio da CNA para facilitar o acesso aos Fiagros, e, sem dúvida alguma, tem condições de crescer muito. É um mercado que tem condições de ser muito maior e financiar nossa produção. Hoje precisamos buscar alternativas de crédito, e não só a questão governamental de subsídio de juros.
IM: Qual avaliação o senhor faz das condições da Frente Parlamentar Agropecuária nesta nova legislatura? O grupo está mais forte do que no passado? E quais são as pautas prioritárias no momento?
PL: Hoje temos uma Câmara e um Senado diferentes da legislatura passada, com muitos parlamentares novos e mais conservadores, mais à direita, e também voltados ao agro. Isso facilitou nosso trabalho. A Frente nunca teve o tamanho que tem hoje, estamos falando de 305 deputados federais e mais de 40 senadores.
É claro que nossas pautas têm uma tendência muito maior de sucesso com esse volume enorme de parlamentares conosco. Temos pautas paradas no Senado, como licenciamento ambiental, regularização fundiária de terras da União, o marco legal de defensivos. Há também a questão da reorganização do Ministério da Agricultura. São vários projetos que temos que fazer andar. Dentro da nossa pauta, do Instituto Pensar Agro, que está conosco na FPA, acho que teremos uma facilidade maior.
Quando se tem um governo de esquerda e que tem agido negativamente em relação ao agro em diversas situações, é natural que haja uma concentração de parlamentares em torno de uma frente parlamentar como essa, que tem sido muito bem organizada. Na instalação das comissões, também tivemos sucesso. Vamos ter dois anos de um bom caminho para o agro dentro do Congresso.