Reforma tributária: “Imposto do Pecado” entra na mira de setores econômicos em discussão no Senado

Tributo teria como premissa a incidência sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, mas entidades reclamam de cumulatividade

Marcos Mortari

A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal durante audiência pública sobre a reforma tributária (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal durante audiência pública sobre a reforma tributária (Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado)

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Representantes dos principais setores da economia apresentaram, durante audiência pública realizada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, nesta terça-feira (15), sugestões de mudanças no desenho do Imposto Seletivo (IS), previsto na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária que trata dos impostos sobre o consumo.

Pela versão do texto aprovada pela Câmara dos Deputados no mês passado, o Imposto Seletivo se somaria à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e ao Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) ‒ tributos que formariam um modelo nos moldes de um Imposto sobre o Valor Agregado (IVA) dual no Brasil. O primeiro substituirá os tributos federais PIS, a Cofins e o IPI. Já o segundo o ICMS, cobrado pelos Estados, e o ISS, pelos municípios.

Mas o Imposto Seletivo teria como premissa a incidência sobre bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente (o que lhe rendeu o apelido de “imposto do pecado”), em lista a ser definida por lei complementar. O texto ainda coloca o tributo como caminho para garantir vantagem competitiva para a Zona Franca de Manaus (ZFM), permitido cobrança sobre produtos concorrenciais.

No caso de Áreas de Livre Comércio, a PEC prevê alterações nas alíquotas ou nas regras de creditamento dos tributos, não se aplicando dispositivo que determina uma mesma alíquota fixada pelo ente federativo para todas as operações com bens ou serviços (ressalvadas as hipóteses previstas na própria proposta de emenda à Constituição). Também não se aplica regra que impede a concessão de incentivos e benefícios financeiros ou fiscais ou de regimes específicos, diferenciados ou favorecidos de tributação.

Além da ampliação da incidência do Imposto Seletivo para alcançar a produção, comercialização ou importação de bens que também sejam produzidos na ZFM ou Área de Livre Comércio, garantido tratamento favorecido às operações originadas na região.

Mas representantes de setores econômicos acreditam que é possível melhorar o desenho do Imposto Seletivo durante a tramitação da matéria no Senado Federal.

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Durante a primeira audiência pública realizada sobre a matéria na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), Sérgio Carraro Telles, gerente executivo de economia da Confederação Nacional da Indústria, disse que houve um aprimoramento no dispositivo na reta final das discussões pelos deputados, com a decisão de não incidência sobre alimentos e insumos agropecuários.

Mas alegou que é preciso ampliar o benefício para insumos de serviços e da indústria e impedir qualquer risco de cumulatividade (isto é, a possibilidade de o tributo pago passe a figurar na base da cobrança em outra etapa da cadeia produtiva, no chamado “efeito bola de neve”) ‒ um dos princípios norteadores da reforma com a implementação do IVA dual.

“O Imposto Seletivo não pode incidir sobre qualquer insumo. Porque se não a gente leva para o novo modelo a cumulatividade e os problemas do modelo atual”, concordou Renato Conchon, coordenador do núcleo econômico da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

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Já João Carlos Galassi, presidente da União Nacional de Entidades do Comércio e Serviços (UNECS), defendeu uma posição mais radical: a extinção do Imposto Seletivo. Ele argumenta que seria mais eficiente a criação de uma alíquota superior à alíquota-padrão no IBS e na CBS em seu lugar.

“Esse imposto é um imposto punitivo, não tem uma relação direta com o objetivo da reforma tributária, que é eliminar a cumulatividade”, argumentou. “E ele não segue o ordenamento da implantação da reforma tributária”, destacou. Pela redação atual da PEC, ele interpreta que o tributo pode começar a ser aplicado já em 1º de janeiro, caso o texto seja promulgado ainda em 2023.

“Assim como temos a alíquota de referência com uma redução, nossa proposta é que tenhamos uma majoração, mantendo o mesmo sistema sobre a alíquota de referência. Não há necessidade de criar um novo tributo”, explicou.

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Ele defendeu, ainda, que o tributo não incida sobre alimentos, energia elétrica, combustíveis e telecomunicações.

Tramitação

No Senado Federal, a Proposta de Emenda à Constituição que trata dos impostos sobre o consumo vai tramitar apenas pela Comissão de Constituição de Justiça (CCJ) antes de ir a plenário. À Comissão de Assuntos Econômicos caberá oferecer subsídios técnicos à discussão.

Por se tratar de Proposta de Emenda à Constituição, o texto precisa do apoio de 3/5 dos senadores (ou seja, pelo menos 49 dos 81 integrantes da casa) em dois turnos de votação em plenário. Caso ele seja aprovado com mudanças de mérito em relação à versão recebida dos deputados, é necessária nova análise da Câmara dos Deputados.

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A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças. Ela somente vai à promulgação do Congresso Nacional quando superadas essas divergências.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.