Reforma tributária: impasse entre deputados e senadores ameaça promulgação em 2023

Calendário apertado e divergências entre as casas legislativas amplia possibilidade de "fatiamento" da proposta

Marcos Mortari

Publicidade

A esperada promulgação da proposta de reforma tributária dos impostos sobre o consumo (PEC 45/2019) corre riscos de não acontecer ainda em 2023, como desejam o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e parlamentares de diferentes correntes políticas.

O motivo é um impasse entre deputados e senadores quanto à versão final do texto, que precisa ser aprovado nos mesmos termos pelas duas casas legislativas, com apoio de 3/5 de cada plenário.

Durante a discussão no Senado Federal, o texto sofreu importantes mudanças, que vão da ampliação dos valores e regras de repasse do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) à ampliação de exceções e benefícios a setores específicos da economia e à Zona Franca de Manaus.

Continua depois da publicidade

Algumas dessas alterações geraram incômodo entre deputados, que pressionam pela retomada de pontos da versão já votada pela Casa. Dada a diferente correlação de forças entre Câmara e Senado, governadores insatisfeitos com um texto mais favorável para as regiões Norte e Nordeste também trabalham por mudanças.

Um dos pontos mais sensíveis envolve a inclusão de dispositivo que prevê a cobrança da Contribuição sobre Intervenção de Domínio Econômico (Cide) sobre bens similares aos produzidos pela Zona Franca de Manaus. A iniciativa, defendida pelo relator no Senado Federal, Eduardo Braga (MDB-AM), tem como objetivo assegurar vantagem competitiva para empresas instaladas naquela região − o que ele aponta como fundamental na garantia do desenvolvimento do Amazonas.

Um dos críticos mais vocais foi o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que pressionou a bancada paulista na Câmara a derrubar a medida. “Deputado de São Paulo que votar a favor da reforma tributária tal qual saiu do Senado estará votando contra o interesse do estado”, disse.

Continua depois da publicidade

“Não é justo a gente impor àquelas indústrias que produzem algo que está na Zona Franca pagar uma Cide para a Zona Franca de Manaus. Já não basta todo o incentivo que a Zona Franca tem? Vamos ter mais essa ineficiência?”, indagou.

Na proposta originalmente votada pela Câmara dos Deputados, havia previsão para utilização do Imposto Seletivo como instrumento para garantir a competitividade da ZFM, que já estava contemplado nas estimativas feitas para o cálculo da alíquota padrão dos novos tributos − a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS).

Outro ponto de disputa envolve a prorrogação em 7 anos do prazo para incentivos fiscais concedidos por créditos presumidos a montadoras do Norte, Nordeste e Centro-Oeste e à produção de veículos equipados com motor elétrico e híbridos com associação a motor de combustão interna que utilize de forma isolada ou simultaneamente com derivados de petróleo.

Continua depois da publicidade

Tal item da proposta tem sido foco de críticas abertas das montadoras General Motors, Toyota e Volkswagen. A avaliação é que o dispositivo beneficia a produção da Stellantis em Pernambuco e o ingresso da BYD na Bahia.

Em resposta às três gingantes do setor, o Consórcio do Nordeste emitiu nota manifestando apoio à íntegra do trecho que trata da extensão dos benefícios ao setor automotivo estabelecida pela versão do texto em tramitação. O grupo argumenta que o instrumento é relevante da construção de um modelo de desenvolvimento distribuído de forma mais justa e equilibrada entre os estados.

O relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), pretende manter o benefício fiscal em seu novo parecer. Mas há expectativas de que ele derrube pontos como a exceção que cria uma alíquota diferenciada do novo Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA) dual para profissionais liberais.

Continua depois da publicidade

Lira e Pacheco se reuniram, na manhã de quarta-feira (13), em busca de um entendimento sobre as divergências na reforma. A expectativa era que um novo parecer fosse apresentado pelo relator ainda naquela data − o que não aconteceu.

Ainda assim, parlamentares e integrantes do governo têm expressado otimismo com a possibilidade de promulgação da matéria ainda em 2023, ainda que de forma fatiada.

Em conversa com jornalistas, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), voltou a mencionar a hipótese. “Não vai atrasar. Aquilo que não for comum às duas casas pode ficar para depois, (…) porque a espinha dorsal e quase a totalidade dos detalhes está acordado”, disse.

Continua depois da publicidade

Nos bastidores, a avaliação é que o calendário apertado deve favorecer uma saída pelo fatiamento da proposição. O Poder Legislativo entra em recesso em 22 de dezembro e há uma série de propostas com tramitação concomitante que demandarão atenção dos congressistas nos próximos dias.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.