Câmara reclama de “atraso” do governo em reforma tributária e quer convidar Appy

Parlamentares dizem que ainda não foram chamados para discutir o assunto e manifestam preocupação com o risco de as propostas chegarem sem diálogo prévio

Marcos Mortari

O secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal (Foto: Washington Costa/MF)
O secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, durante reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal (Foto: Washington Costa/MF)

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A expectativa pelos próximos passos da reforma tributária tem levado parlamentares a aumentar a cobrança sobre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por diálogo e indicações mais claras sobre os termos da regulamentação da emenda constitucional (EC 132/2023) promulgada no fim do ano passado.

O texto, aprovado com o apoio de mais de 65% dos deputados federais e senadores em todas as votações gerais de mérito, faz 63 menções a pontos que ainda precisarão ser abordados em leis complementares para definir as novas regras para a cobrança de impostos sobre o consumo no país.

A Emenda Constitucional estabelece um prazo de 90 dias, contados a partir de sua promulgação (que ocorreu em 20 de dezembro de 2023) para o envio de um projeto que reforme a tributação da renda, acompanhado das correspondentes estimativas e estudos de impactos orçamentários e financeiros, e outro que reforme a tributação da folha de salários. Ou seja, a data limite seria esta terça-feira (19).

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Os demais pontos referidos no texto têm prazo de até 180 dias. Seria o caso do próprio desenho do novo modelo de Imposto sobre o Valor Adicionado (IVA), que balizará a criação dos dois novos tributos brasileiros − a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), sob responsabilidade do governo federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido pelos Estados, Distrito Federal e Municípios.

Há também a necessidade de definição de regras para o funcionamento do Comitê Gestor do segundo tributo, além das aplicações do Imposto Seletivo, que incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. E normas para setores que terão regimes específicos de tributação, como combustíveis e lubrificantes, serviços financeiros, operações com bens imóveis, planos de assistência à saúde, sociedades cooperativas, serviços de hotelaria, bares, restaurantes e até Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs).

A ideia do Ministério da Fazenda é dividir a regulamentação da reforma tributária sobre o consumo em 3 projetos de lei e não consumir todo o prazo de 180 dias definido pela Emenda Constitucional. Segundo o ministro Fernando Haddad (PT), a discussão está indo “muito bem” e os textos começarão a ser enviados ao parlamento a partir de abril.

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No Congresso Nacional, parlamentares dizem que ainda não foram convidados a discutir os detalhes da matéria e manifestam preocupação com o risco de as propostas chegarem sem qualquer diálogo prévio. Soma-se a isso o calendário mais curto para os trabalhos legislativos, em razão das eleições municipais em outubro − evento que costuma paralisar as atividades no parlamento, com muitos deputados lançando candidatura ou embarcando nas campanhas de aliados.

Tal preocupação foi externada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), um dos principais responsáveis pela aprovação da PEC no ano passado. Em evento, o parlamentar pediu ao governo agilidade na definição de um calendário para os próximos passos da reforma tributária.

“É uma preocupação que nós temos. A luta não pode ter sido em vão. Se nós demorarmos a fazer, ela pode entrar em um ciclo de dificuldades. E a gente vai ficar mais uma vez com o vácuo da regulamentação”, disse Lira em evento promovido pela Esfera Brasil – grupo que reúne empresários de diversos setores da economia brasileira – e o MBCB (Mobilidade de Baixo Carbono para o Brasil).

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“Penso que a gente tem que resolver isso no primeiro semestre. É factível, vamos para o detalhamento da reforma, um pente-fino. A gente precisa de tempo, não pode ser feito de afogadilho, mas não podemos passar do ano de 2024”, pontuou o deputado.

Diante das incertezas, frentes parlamentares e representantes de setores econômicos decidiram se antecipar ao governo e iniciar o processo de construção de proposições para a regulamentação da reforma tributária. Em janeiro, foi formada uma coalizão com 14 frentes parlamentares, que organizaram atividades em 20 grupos de trabalho focados em aspectos específicos do novo sistema. Ao longo dos próximos dias, eles apresentarão um conjunto de propostas, como restrições à aplicação do Imposto Seletivo, disposições sobre contratos de longo prazo, regras de tributação para setores com regimes especiais (como serviços financeiros, setor imobiliário e combustíveis) e regras para o contencioso administrativo dos novos tributos.

Mesmo integrantes da base aliada do governo avaliam que o debate sobre a reforma tributária está “um pouco fechado” e que é necessário aguardar alguma sinalização por parte do Ministério da Fazenda. Duas semanas atrás, o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social se antecipou às discussões e publicou uma lista de produtos que podem compor a cesta básica − um dos assuntos mais quentes desta segunda etapa de discussões do novo IVA. Parlamentares mais alinhados ao Palácio do Planalto consultados pelo InfoMoney mantêm ressalvas sobre o significado prático da iniciativa. De um lado, a avaliação é que ela poderá ser um bom “ponto de partida” para as discussões, enxugando a lista vigente, que reúne mais de 1.300 itens. De outro, é feito um alerta de que o rol de produtos desonerados pela reforma tributária precisa ser definido por lei.

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Segundo uma fonte da Fazenda com conhecimento nas tratativas sobre a reforma tributária, ouvida pela reportagem sob a condição de anonimato, os trabalhos estão em ritmo exaustivo, em uma busca por convergência entre União, Estados e municípios e com os grupos de trabalho temáticos avançando na construção dos textos. Ela rechaça a avaliação de “atraso” nos trabalhos e argumenta que a regulamentação da reforma é “muito complexa” − o que demanda tempo. Segundo a fonte, esta semana será decisiva, com o avanço das discussões na comissão de sistematização criada pela pasta.

Enquanto isso, no Congresso Nacional, um dos caminhos avaliados para pressionar o governo federal por mais diálogo sobre o assunto deve ser lançado pela Comissão de Finanças e Tributação (CFT), da Câmara dos Deputados. O colegiado tem duas reuniões marcadas nesta quarta-feira (20). Na primeira, há 9 proposições na pauta − entre elas, um requerimento de convite ao secretário extraordinário de reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, para participar de audiência pública, de autoria do deputado Pauderney Avelino (União Brasil-AM). A outra reunião será dedicada à instalação e eleição para a subcomissão especial da comissão para a reforma tributária, que deverá ser presidida por Fernando Monteiro (PP-PE) e relatada por Luiz Carlos Hauly (Podemos-PR).

Em conversa com jornalistas na última segunda-feira (18), Haddad argumentou que o governo não descumpriu os prazos determinados pela Emenda Constitucional para o envio da reforma tributária sobre a renda e da folha de pagamentos. Segundo ele, os dois assuntos foram tratados, ainda que não de forma definitiva, em medida provisória editada (MPV 1202/2023) por Lula no fim do ano passado.

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O ministro também defendeu posição cautelosa da equipe econômica na construção de diálogo e na realização dos devidos cálculos para os impactos de cada medida, evitando apresentação açodada dos projetos de regulamentação da reforma tributária sobre o consumo. “Depois de 40 anos, aprovamos a reforma tributária. Não vai ser uma semana a mais, um mês a mais, que vai nos tirar da rota de fazer a coisa bem-feita”, disse.

“Se nós nos apressarmos a apresentar qualquer coisa para cumprir prazo, vamos colocar em risco a aprovação pelo Congresso. Então, vale a pena que governadores e prefeitos estejam sintonizados conosco para que a coisa chegue no Congresso bastante amadurecida. Aí vamos dar tranquilidade a deputados e senadores para poder, quem sabe, aprovar a regulamentação neste ano”, concluiu.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.