Reforma Tributária: comissão mista pode começar discussões no Congresso

Colegiado busca consenso entre propostas de deputados e senadores e aguarda apontamentos do governo sobre o assunto

Marcos Mortari

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SÃO PAULO – Depois de sucessivos adiamentos, o Congresso Nacional pode criar nesta semana a comissão mista que começará a discutir as propostas de reforma tributária em tramitação nas duas casas legislativas. Segundo o presidente do parlamento, senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), o colegiado deverá ser composto por 40 membros, divididos igualmente entre senadores e deputados.

A comissão terá como missão unificar as PECs (Propostas de Emenda à Constituição) de reforma tributária em tramitação na Câmara dos Deputados (PEC 45/2019) e no Senado Federal (PEC 110/2019) em um único texto de consenso entre os legisladores. O movimento de criar um colegiado composto por membros das duas casas foi resultado de acordo entre os presidentes e líderes partidários, após um ano de disputa por protagonismo em torno do tema.

De um lado, a PEC 45/2019, relatada pelo deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), líder da maioria, propõe a unificação de 5 impostos – PIS, Cofins e IPI (federais), ICMS (estadual) e ISS (municipal). No lugar deles, seria criado um IBS (Imposto sobre Operações com Bens e Serviços), em um movimento de simplificação do sistema, mas sem modificação da carga tributária.

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Do outro lado, os senadores tentaram fazer avançar uma antiga proposta do ex-deputado Luiz Carlos Hauly. O texto, resgatado por Alcolumbre, propõe extinguir IPI, IOF, CSLL, PIS/Pasep, Cofins, Salário-Educação, Cide, ICMS e ISS, criando no lugar um chamado “IVA (Imposto sobre o Valor Agregado) dual”: um destinado aos tributos federais e outro aos impostos dos entes subnacionais. A relatoria da PEC 110/2019 está com o senador Roberto Rocha (PSDB-MA).

Com o acordo entre deputados e senadores, os dois textos serão discutidos conjuntamente na comissão mista, que terá Roberto Rocha como presidente e Aguinaldo Ribeiro como relator. A bancada do MDB do Senado — maior da casa, com 14 integrantes — declarou apoio à proposta da Câmara, mas cobra participação mais enfática do governo. Líder do governo na casa, o senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), já avisou os pares de que o governo tem preferência pela PEC 45.

Congressistas ainda se queixam da falta de clareza do governo federal sobre o assunto e se de fato será apresentada uma proposta própria pela equipe econômica. Eles argumentam que a elaboração da proposta unificada dependerá das sugestões do governo e uma indefinição pode atrasar os trabalhos. Em uma tentativa de dar celeridade ao assunto, os membros da CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado querem chamar o ministro Paulo Guedes (Economia) para antecipar as contribuições do Planalto.

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Nos últimos dias, voltou a circular a notícia de que Guedes tenta costurar uma forma de viabilizar uma redução da tributação sobre a folha de pagamentos das empresas. Os modelos estudados no momento vão desde a criação de um novo imposto sobre transações eletrônicas — que seria cobrado sobretudo das grandes empresas de tecnologia Google, Apple, Microsoft, Amazon e Facebook — até uma tributação mais elevada sobre “produtos do pecado”, apelido dado a bebidas alcoólicas, cigarros e alimentos processados com açúcar. Os dois casos já foram publicamente criticados pelo presidente Jair Bolsonaro.

Embora as duas propostas em destaque foquem na estrutura de impostos sobre o consumo, haverá esforços de deputados em incluir a discussão sobre taxação de dividendos, revisão de alíquotas no imposto de renda e até mesmo o imposto sobre grandes fortunas — pauta cara a parlamentares da oposição e que pode ganhar ainda mais peso em um ano eleitoral.

Depois de instalada, a comissão mista terá entre 30 e 60 dias para concluir a unificação e enviar a proposta para a Câmara, que dará início à sua tramitação a partir de uma comissão especial de deputados. O texto deve passar pelo Plenário das duas Casas do Congresso e, se uma delas fizer alguma modificação, a outra precisará revisar. A expectativa do Congresso e do Executivo é aprovar a reforma tributária ainda no primeiro semestre.

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O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem dito que a reforma tributária deve ser aprovada no plenário da casa até abril deste ano. O deputado acredita que, ao contrário do que se poderia imaginar, as eleições municipais podem ajudar na tramitação das propostas tributárias. Para ele, o pleito pode estimular a aprovação das medidas.

“Tem deputado candidato a prefeito. Se conseguir votar a reforma tributária, como vai perder uma eleição? Impossível”, disse em evento realizado duas semanas atrás.

O prazo apresentado por Maia é repetido por outras lideranças no mundo político, mas também visto com ceticismo por muitos. Na avaliação de analistas políticos, há chances elevadas de novos atrasos, mas a pressa sinalizada pelo deputado pode ser um indicativo de boa vontade em fazer a proposta andar antes das eleições municipais.

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Há uma expectativa pela instalação da comissão mista da reforma tributária desde o ano passado. O presidente Davi Alcolumbre havia sinalizado que o colegiado começaria a funcionar em dezembro e teria atividades durante o recesso parlamentar, o que não se confirmou.

“Existe um trabalho de bastidor entre as casas legislativas e o governo para que se chegue a algum consenso para, quando a comissão for instalada, haja um norte fixo. Nesse sentido, qualquer discussão, pancada e tentativa de arrastar a proposta para um lado ou outro teria um pouco mais de dificuldade de tirar a proposta do caminho desejado”, observa Paulo Gama, analista político da XP Investimentos.

[O atraso] Não é bom. Se já estivéssemos nesse ponto de ter a discussão encaminhada, tão melhor seria. Mas, se a comissão for aberta com um norte um pouco mais definido, o resultado pode ser um pouco melhor”, complementa. Para ele, ainda há muitos deputados que não se debruçaram sobre o assunto e os detalhes passam à margem das discussões.

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Entre senadores, o clima é de menos otimismo e maior cobrança por clareza no debate. “Confesso que fico constrangido quando as pessoas me perguntam se vamos mesmo aprovar no primeiro semestre a reforma tributária. Não sei qual é a reforma tributária. Não existe. É uma inconsistência do presidente da Câmara quando fala que vai votar a reforma em três meses”, avalia Tasso Jereissati (PSDB-CE), que foi relator da reforma previdenciária na casa.

Para o senador Eduardo Braga (MDB-AM), o governo federal está sendo ausente no debate em torno da reforma tributária. “Ora, em um tema em que os estados possuem interesses difusos, diversos, onde temos de mitigar a questão do pacto federativo, onde é necessário haver equilíbrio, o governo vai ficar ausente, não vai apresentar uma proposta que possa ser discutida com governadores, prefeitos, com o Confaz [Conselho Nacional de Política Fazendária], com o Congresso Nacional?”, questionou.

Entre os desafios para o avanço das discussões, além do calendário apertado, as propostas de simplificação tributária enfrentam resistência do setor de serviços. Empresas deste ramo temem perder benefícios fiscais e acabarem pagando mais impostos com eventuais mudanças na atual estrutura tributária — o que amplia a pressão para que sejam discutidos caminhos para a desoneração da folha de pagamentos.

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“O maior desafio é mostrar para alguns setores que acham que terão aumento da carga tributária que não é verdade essa tese. São alguns setores dentro da área de serviços. Estamos fazendo as simulações e discordamos completamente dessa tese. Estamos prontos para conversar, ouvir a crítica, formular, fazer simulações, para que possamos dar conforto a todos os segmentos. Não há nenhum interesse na unificação do IVA em prejudicar nenhum setor. O que queremos é melhorar a produtividade do setor privado brasileiro, que é completamente prejudicado pelo sistema tributário atual”, disse Maia a jornalistas nesta segunda-feira (10).

A disputa entre estados também é normalmente apontada como um dos desafios para a aprovação de mudanças no sistema tributário. Desta vez, porém, governadores têm sinalizado maior disposição a dialogar a criação do IVA, desde com instrumentos de compensação de perdas aos entes subnacionais mais afetados pelas modificações — caso de São Paulo, que, de acordo com estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada), poderia ficar sem R$ 21,24 bilhões no primeiro ano de vigência caso as alterações fossem feitas de uma só vez.

Defensores das propostas de reforma tributária em discussão no parlamento argumentam que as perdas projetadas para alguns estados será compensada pelo potencial de crescimento gerado pela reforma a médio e longo prazos. O economista Bernard Appy, diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), estima um crescimento adicional de mais de 10 pontos percentuais em 15 anos com a reforma.

(com Agência Senado)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.