Reforma tributária chega a nova fase decisiva, e Lira cobra propostas de Haddad

Primeira fase da regulamentação da reforma chega a semana decisiva com uma série de indefinições

Estadão Conteúdo

Brasília (DF), 23/05/2023 - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, durante entrevista após reunião na residência oficial da presidência do Senado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
Brasília (DF), 23/05/2023 - O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, durante entrevista após reunião na residência oficial da presidência do Senado. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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A primeira fase da regulamentação da reforma tributária aprovada em 2023 chega a uma semana decisiva com uma série de indefinições. A Comissão de Sistematização (Cosist), que vai coordenar os 19 grupos técnicos sobre o tema, iniciou uma força-tarefa para concluir as propostas antes da Páscoa, na próxima semana. Na terça-feira (19), o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que a regulamentação da reforma neste ano só depende do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).

Uma vez finalizados pela comissão, os anteprojetos de lei serão entregues à Fazenda e depois encaminhados ao Congresso. Na segunda-feira (18), Haddad havia dito que enviará dois projetos. “Ele [Haddad] tem de mandar a regulamentação, ninguém tem um relator antes do texto”, disse Lira ontem.

Entre os pontos considerados polêmicos — e que vêm mobilizando tributaristas, governo e empresários — está o Imposto Seletivo (IS), conhecido como “imposto do pecado”, a ser cobrado sobre itens considerados nocivos à saúde ou ao ambiente. A indústria de alimentos ultraprocessados tenta se blindar contra o novo tributo, enquanto as cadeias de petróleo e mineração estão em estado de alerta.

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Há ainda embates sobre a composição da cesta básica nacional, que terá alíquota zero do novo Imposto sobre Valor Agregado (o IVA, que unificará cinco tributos), e sobre os regimes específicos, que se multiplicaram em meio às votações na Câmara e no Senado no ano passado.

São mais de 70 pontos que precisam de legislação complementar e que serão alvo de quatro anteprojetos principais. O mais amplo vai definir as hipóteses de incidência da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — o IVA de competência da União — e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) — o dos Estados e municípios. Os dois tributos começarão a ser implantados em 2026 e terão vigência integral a partir de 2033, e o texto trará também o detalhamento dos regimes específicos, diferenciados ou favorecidos, aspecto fundamental para se definir a alíquota-padrão do IVA.

Como a reforma tem a premissa de ser neutra do ponto de vista de carga tributária, quanto mais reduzida for a cobrança sobre certos setores, maior será a tributação geral para equilibrar a balança. Na última estimativa, ainda em 2023, a Fazenda previu alíquota próxima de 27,5% — uma das maiores do mundo.

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O segundo anteprojeto tratará do Comitê Gestor do IBS, entidade responsável pela operacionalização das regras definidas em lei complementar, e o terceiro fará o desenho do Imposto Seletivo (IS). O quarto e último texto tratará do contencioso administrativo dos novos tributos. Isso não significa, porém, que serão enviados quatro propostas ao Congresso, uma vez que os textos ainda passarão pelo crivo político.

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A regulamentação da reforma tributária deve ser votada ainda neste ano. Só depois disso é que a mudança na forma de cobrança dos impostos entrará efetivamente em vigor. O processo, porém, não deve ser simples. Os pontos mais polêmicos da regulamentação da reforma tributária são:

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1. Alimentos
Possível alvo do Imposto Seletivo (IS), a indústria de alimentos alega que o termo “ultraprocessados” não teria respaldo científico e que, em um país como o Brasil, com milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, não seria possível falar em nova taxa sobre a comida. “Ultraprocessados são definidos como formulações industriais com mais de cinco ingredientes; então, qualquer pessoa que fizer uma broa de fubá sabe que vai ter oito, nove ou dez ingredientes”, ironizou João Dornellas, presidente da União da Cadeia Produtiva dos Alimentos e Bebidas Não Alcoólicas (Uncab), durante audiência no Congresso no início deste mês.

Integrantes do Ministério da Saúde, porém, defendem a taxação, destacando que os preços dos ultraprocessados e das bebidas açucaradas passaram a ser menores que os da chamada “comida de verdade”, o que incentiva o consumo. Os técnicos da pasta os classificam como itens de “calorias vazias”, que fazem mal à saúde, contribuem para a obesidade e geram grandes custos ao Sistema Único de Saúde (SUS).

No início de março, foi divulgado o “Manifesto por uma reforma tributária saudável”, pedindo que os produtos ultraprocessados sejam alvo do IS. O texto foi assinado por médicos como Drauzio Varella e personalidades como as chefs Bela Gil e Rita Lobo.

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2. Mineração e petróleo
Os setores de mineração e do petróleo também estão em alerta máximo com a regulamentação do IS. Isso se deve ao fato de a lei abrir margem para a cobrança do tributo na extração de recursos naturais não renováveis, com alíquota de até 1% sobre o valor de mercado do produto extraído.

Empresários dos segmentos reclamam que a cobrança vai onerar o setor produtivo, com possibilidade de taxação em mais de um ponto da cadeia. Inclusive na exportação, o que seria um contrassenso em relação aos princípios da reforma.

Para as mineradoras, o essencial é barrar essa cobrança nas vendas externas, com o objetivo de preservar a competitividade do produto brasileiro, sobretudo do minério de ferro — responsável por quase 60% do faturamento do segmento. Já as empresas de óleo e gás buscam estabelecer redutores para a alíquota do tributo, além da possibilidade de isenção completa.

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As refinarias independentes, responsáveis por 20% da capacidade de produção nacional, também acompanham de perto essa regulamentação. Elas temem que uma isenção do Seletivo apenas na exportação crie mais um incentivo tributário à venda externa do petróleo, o que prejudicaria o mercado interno.

“Desonerar somente as exportações, sem olhar para as indústrias brasileiras, será criar mais um incentivo à desindustrialização”, afirma Pedro Passos, consultor jurídico da Refina Brasil, associação que reúne os refinadores privados.

3. Cesta básica
A reforma criou a chamada cesta básica nacional, com alíquota zero do IVA, mas adiou a sua definição — o que tem provocado uma forte disputa entre setores e entidades empresariais nos bastidores do Congresso e dos grupos de trabalho.

O segmento de supermercados, por exemplo, propõe foco em “alimentação saudável”, mas refuta a possibilidade de uma “cesta mínima”. A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) apresentou uma minuta com 17 categorias de alimentos, incluindo carnes, ovos, laticínios, frutas, legumes, vegetais, farinhas e massas alimentícias.

A indústria agropecuária também participa do debate e quer dar prioridade aos produtos in natura, que atendam ao conceito “do campo à mesa”.

Outro ponto que gerou incômodo para os setores envolvidos no debate foi o fato de o presidente Lula ter editado um decreto, em 6 de março, que instituiu uma cesta básica de alimentos saudáveis no país. A medida foi vista como uma forma de o governo se antecipar e “atravessar” o trabalho da regulamentação.

4.Caipirinha x cerveja
Com o slogan “Álcool é álcool”, a indústria de bebidas destiladas abriu um embate público contra os fabricantes de cervejas em torno da regulamentação do IS. A investida tem o objetivo de evitar uma taxação diferenciada, como já ocorre hoje com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), de competência federal, e o ICMS, que é estadual.

“Ter um imposto que possa ser regressivo ou progressivo fará com que iguais sejam tratados como desiguais”, afirmou o diretor de relações com o mercado do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), Carlos Lima, durante audiência no Congresso no início do mês.

A indústria da cerveja, porém, rebate os argumentos. “[Tributação por teor alcoólico] é orientação da OCDE, da OMS e do FMI. Inclusive de exemplos com casos de sucesso de vários países, como Rússia, Inglaterra, Espanha e Austrália”, afirmou Márcio Maciel, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, na mesma sessão.

5. O que é destino?
A pergunta parece simples, mas vem mobilizando técnicos, advogados, governadores e prefeitos. Isso porque a resposta vai balizar o novo sistema tributário, que muda a taxação da origem (onde a mercadoria é produzida) para o destino (onde é consumida). Isso, consequentemente, vai influenciar a arrecadação de estados e municípios.

Por exemplo: uma empresa tem matriz em São Paulo e concentra sua contabilidade na capital paulista, mas possui filiais espalhadas pelo país. Por meio da sede, ela compra materiais necessários à sua atividade e distribui aos demais estabelecimentos. Pela lei, onde se dará o consumo desses itens? Na matriz, que pagou por eles? Ou nas filiais, o destino final?