Reforma tributária avança, mas cesta básica e “imposto do pecado” geram discussão

Segundo relatório, sobre questão federativa, será apresentado hoje por GT de deputados; expectativa é que assunto seja votado em plenário nesta semana, mas ainda há pontos em negociação

Marcos Mortari

Plenário da Câmara dos Deputados durante votação (Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)
Plenário da Câmara dos Deputados durante votação (Foto: Mário Agra/Câmara dos Deputados)

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As discussões sobre os projetos de lei complementares que tratam da regulamentação da reforma tributária avançaram nos últimos dias na Câmara dos Deputados, que se prepara para uma semana de esforço concentrado para aprovar as matérias em plenário antes do início do recesso parlamentar – a partir de 18 de julho, conforme prevê a Constituição Federal.

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O primeiro texto (PLP 68/2024) a tramitar na casa legislativa foca na construção dos 3 tributos que formarão o novo sistema − a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e o Imposto Seletivo (IS). Ele também aborda os regimes específicos de tributação, regras para alíquotas, normas de incidência e o sistema de créditos e devolução de tributos recolhidos. Além de setores favorecidos por alíquotas reduzidas, da criação da Cesta Básica Nacional, dos incentivos à Zona Franca de Manaus e Áreas de Livre Comércio e das regras de transição e constituição dos fundos de compensação.

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O projeto teve o relatório apresentado pelos parlamentares que integraram um dos grupos de trabalho na casa legislativa na semana passada, mas ainda não foi designado o relator responsável pela condução das últimas negociações e construção do texto final em plenário. A expectativa é que o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), indique um nome de sua confiança para assegurar o êxito da missão de concluir a tramitação da matéria.

Já o segundo texto (PLP 108/2024), que começou a tramitar mais tarde, aborda a questão federativa referente ao IBS. Nele, são disciplinados pontos como a instituição e estruturação do Comitê Gestor do novo imposto, o contencioso administrativo relacionado ao tributo e disposições relacionadas à transição a partir do sistema vigente. O projeto também avança sobre a regulamentação do ITCMD e introduz mudanças na legislação que trata do ITBI.

Uma reunião do grupo de trabalho responsável por essa discussão está marcada para as 18h desta segunda-feira (8), quando também será apresentado o relatório final deste projeto. Depois desta etapa, a tramitação será a mesma do outro texto, sendo remetida a plenário com a designação de um relator responsável pela construção de uma versão final a ser votada.

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A reforma tributária é tratada com prioridade pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que apresentou um pedido de urgência constitucional ao Congresso Nacional. O dispositivo dá prazo de até 45 dias para a matéria ser votada pelo Poder Legislativo, sob pena de trancar as pautas dos plenários.

Como a tramitação na Câmara dos Deputados está avançada, o movimento na prática funciona como pressão adicional para que o Senado Federal mantenha o ritmo das discussões quando receber os textos, mesmo com a proximidade do calendário das eleições municipais – que costumam mobilizar os parlamentares em campanhas de aliados que possam lhes garantir palanques estratégicos em pleitos futuros.

Para analistas políticos, o rito cumprido até o momento nos projetos de lei complementares − com muitas discussões a portas fechadas com setores afetados, no formato de grupos de trabalho (GTs) em vez das tradicionais comissões e a ausência da figura de um único relator – está refletido nos textos finais e deve movimentar as estratégias na etapa de debates públicos, que tende a explicitar os pontos de maior divergência no assunto.

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O nível de divergência poderá ser verificado nas emendas protocoladas pelos deputados federais e nas decisões de lideranças partidárias em apresentar destaques para votação em separado de pontos específicos em plenário. Nesta etapa, também poderá ser observada a capacidade de Arthur Lira, que também tem tratado a matéria como prioridade em seu mandato, evitar que temas polêmicos sejam levantados e afetem a espinha dorsal dos textos.

“A decisão [do rito dos projetos] foi pensada para alongar o tempo, a fim de que determinados setores pudessem medir suas forças, e para que a decisão de comportar interesses tenha maior reflexo no placar final. Nos bastidores, o presidente da Câmara, Arthur Lira, já calcula quantos votos cada partido deve dar, a depender de cada inclusão ou exclusão de setores no texto”, destacam os especialistas da consultoria Arko Advice.

“Apesar da grande pressão para se manter a alíquota geral em torno de 26%, medidas com potencial de aumento nesse percentual já estão precificadas e possíveis compensações já estão no cardápio de opções”, pontuam.

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A despeito do primeiro relatório já apresentado pelo GT, há uma série de polêmicas que serão revisitadas durante as discussões em plenário. O texto entregue a Arthur Lira prevê, por exemplo, que o Imposto Seletivo (tributo que ficou conhecido popularmente como “imposto do pecado”, por incidir sobre produtos que causem externalidades negativas ao meio ambiente e à saúde) incidirá sobre veículos (inclusive elétricos), embarcações e aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, bens minerais, e concursos de prognósticos e fantasy games (incluindo jogos de azar). Foi mantida a definição de alíquotas em lei ordinária por critérios de sustentabilidade, mas as inclusões de armas e munições e de alimentos ultraprocessados não prosperaram – embora ainda possam ocorrer em plenário.

O texto também manteve a Cesta Básica Nacional (que garante isenção de IBS e CBS) com os 15 produtos sugeridos pelo Poder Executivo. Desta forma, as carnes seguiram fora da lista, a despeito da pressão da bancada ruralista, mas mantiveram desconto de 60% nos impostos. Um dos caminhos em discussão, ventilado pelo próprio presidente Lula, seria a inclusão do frango e alguns cortes de carnes mais populares na lista. Integrantes da equipe econômica, no entanto, alertam para o fato de o movimento implicar em aumento na alíquota padrão do novo IVA.

Por outro lado, uma das principais mudanças do texto envolve a criação de uma categoria de nanoempreendedores (pequenos empreendedores independentes sem a necessidade de um estabelecimento comercial fixo). Pelo texto, os cidadãos que recebam menos do que a metade do limite do Microempreendedor Individual (MEI) – ou seja, até R$ 40,5 mil por ano – não serão contribuintes da CBS e do IBS, a não ser que façam essa opção.

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O relatório do GT da reforma tributária também atendeu a alguns dos pleitos do setor da construção civil, que foi incluído no regime especial do setor imobiliário, com previsão de alíquotas mais vantajosas. Neste caso, o desconto nos novos tributos passou de 20% para 40% na compra e venda, administração e intermediação. Já operações de locação, cessão onerosa e arrendamento de bens imóveis terão redução de 60%.

Potenciais mudanças

Na avaliação do analista político Ricardo Ribeiro, da MCM Consultores, a principal questão pendente nas discussões em plenário deverá ser a lista de produtos que estarão na Cesta Básica Nacional (isentos de tributação), daqueles que terão desconto de 60% no IVA dual e dos outros que entrarão no grupo sujeito ao Imposto Seletivo. “Lobbies de diversos setores irão redobrar os esforços nesses dias na Câmara”, diz.

Leitura similar tem o cientista político Leonardo Barreto, CEO da consultoria I3P Risco Político. “Pressões para o ingresso em alíquotas especiais, para sair do imposto seletivo e para a criação de regras de transição continuam ocorrendo fortemente e não devem dar espaço para outros debates entre deputados”, aposta.

Os especialistas da Arko Advice destacam que a isenção sobre carnes era pauta amplamente apoiada entre os parlamentares e encontrava adesão entre os próprios integrantes do GT da reforma tributária. Para eles, a decisão de manter o produto fora da Cesta Básica Nacional em um primeiro momento tem contornos muito mais políticos, dada a força da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA) na Câmara dos Deputados.

Os analistas acreditam que os cálculos sobre o impacto do movimento (que geraria uma alta de 0,57 ponto percentual na alíquota-padrão dos novos tributos) teria assustado os parlamentares, que podem ter deixado para os grupos interessados o ônus de pedir o benefício publicamente. Uma das opções em avaliação seria utilizar o instrumento do cashback, mas o desenho não agrada a bancada ruralista e o setor de supermercados – incomodado desde que as bebidas açucaradas entraram no Imposto Seletivo pelo texto do governo.

Outros pontos sensíveis que devem gerar novos debates, na avaliação da Arko Advice, são a ausência de armas e munições no Imposto Seletivo, a previsão mais ampla que incluiu todos os veículos no rol tributável pelo “imposto do pecado” e a pressão do setor de mineração contra a cobrança adicional sobre a produção.

Um dos grandes desafios políticos envolvendo o debate acerca da reforma tributária será também blindar os projetos de outras disputas que contaminam o xadrez de Brasília, como os embates envolvendo a sucessão de Arthur Lira, na Câmara dos Deputados, e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), no Senado Federal, ou mesmo a força do Palácio do Planalto no parlamento.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.