Reforma eleitoral: da volta das coligações ao incentivo a mulheres e negros, entenda o que foi aprovado na Câmara

Texto ainda precisa ser aprovado em segundo turno para seguir para o Senado Federal

Marcos Mortari

O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)
O plenário da Câmara dos Deputados (Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – O plenário da Câmara dos Deputados concluiu, nesta quinta-feira (12), a votação em primeiro turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que trata da reforma eleitoral.  Para que as novas regras possam valer já no pleito de 2022, o texto precisa ser promulgado pelo Congresso Nacional até outubro deste ano.

A PEC, sob a relatoria da deputada Renata Abreu (Podemos-SP), foi aprovada na noite de ontem por 339 votos a 123 e os destaques tiveram análise concluída nesta manhã. A votação em segundo turno deverá ocorrer na próxima semana.

Um dos principais pontos da proposta é o retorno das coligações em eleições proporcionais – ou seja, disputas para vereador, deputado estadual e deputado federal. Este item específico recebeu 333 votos favoráveis (25 a mais do que o mínimo exigido para PECs) e 149 contrários.

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A reintrodução do dispositivo permite que partidos se juntem em alianças para disputar inclusive cargos legislativos, e somar os tempos de rádio e televisão. As alianças também seriam consideradas nos cálculos de votos e na distribuição de cadeiras após a votação.

Críticos apontam que a regra favorece a fragmentação partidária, já que auxilia partidos nanicos (muitos deles pouco programáticos) na conquista de espaços e na manutenção de sua sobrevivência política. Na prática, isso pode dificultar a governabilidade e tornar negociações e acordos mais complexos.

Outro efeito colateral apontado é a mercantilização de tempo de televisão – um dos mais cobiçados ativos em campanhas eleitorais – e dos próprios partidos políticos, com o incentivo às chamadas “legendas de aluguel”.

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Por fim, a medida pode gerar confusão, já que possibilitaria que, ao votar em um candidato de uma sigla, o eleitor possa, involuntariamente, ajudar a eleger candidatos de outros partidos (algumas vezes, inclusive, com visões de mundo e pautas muito distintas).

Para ser promulgada, a PEC ainda precisa passar por votação em segundo turno no plenário da Câmara dos Deputados, onde também é necessário apoio mínimo de 3/5 (ou seja, 308 votos).

Depois disso, o texto segue para o Senado Federal, onde também precisará passar por dois turnos de votação com exigência do mesmo quórum (equivalente a 49 senadores).

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Pela regra, as duas casas legislativas precisam aprovar o mesmo texto. A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças. As mudanças só poderão valer para as próximas eleições se aprovadas até um ano antes do primeiro turno.

Cláusula de desempenho

Em relação à cláusula de barreira, que cria condições para o acesso dos partidos aos recursos do fundo partidário e à propaganda gratuita no rádio e na televisão, o substitutivo passou a incluir senadores no cálculo.

Desta forma, na legislatura seguinte às eleições de 2022, os partidos precisam:

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1) Obter, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, 2% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das Unidades da Federação, com um mínimo de 1% dos votos válidos em cada uma delas; ou

2) Eleger pelo menos 11 deputados federais, distribuídos em pelo menos 1/3 das Unidades da Federação, ou cinco senadores, somando-se a estes os que estiverem em exercício na primeira metade do mandato no dia da eleição;

A mesma possibilidade foi incluída para a legislatura seguinte ao pleito de 2026, quando o sarrafo para os deputados deve subir para no mínimo 2,5% dos votos válidos, distribuídos em pelo menos um terço das Unidades da Federação, com um mínimo de 1,5% dos votos válidos em cada ou a eleição de pelo menos 13 deputados federais distribuídos em ao menos 1/3 das UFs.

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Um dos mais claros potenciais beneficiários das mudanças é o Podemos, partido presidido pela própria relatora da proposta, Renata Abreu (SP). A sigla conta hoje com 10 deputados federais (1,95% dos assentos na casa), sendo apenas a 15ª bancada na Câmara dos Deputados. Já no Senado Federal, são 9 assentos (11,11% de representação) − terceira maior bancada.

O texto também endurece as regras para migração partidária, que, nos casos de deputados federais, estaduais, distritais e vereadores, seria permitida apenas em casos de anuência do partido ou de outras hipóteses de justa causa estabelecidas em lei.

O substitutivo veda que a migração partidária seja computada para fins de distribuição de recursos do Fundo Partidário ou de outros fundos públicos e do acesso gratuito ao rádio e à televisão.

Incentivo a mulheres e negros

Foi incluído ao texto dispositivo que estabelece que votos dados a candidatas mulheres ou candidatos negros à Câmara dos Deputados nas eleições realizadas de 2022 a 2030 serão contados em dobro para a distribuição de recursos do Fundo Partidário e do Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (Fundo Eleitoral) entre as siglas.

A medida busca estimular a diversidade entre candidaturas e auxiliar o acesso de tais grupos, hoje minoritários na política, a posições de poder. O texto, contudo, não aderiu outros instrumentos de incentivo, como a reserva de assentos no parlamento por meio de cotas.

Outras mudanças aprovadas

Os deputados também aprovaram, por 365 votos a 3, que a posse do presidente e dos governadores eleitos em 2026 passará do dia 1º para os dias 5 e 6 de janeiro, respectivamente. No caso dos prefeitos, a mudança da data de posse valerá a partir do pleito de 2024.

O substitutivo aprovado fixa, ainda, em 100 mil, o número mínimo de assinaturas (que poderão ser eletrônicas) para a apresentação de projetos de lei de origem popular e determina que tais proposições tramitem em regime de prioridade, com rito de tramitação a ser definido nos respectivos regimentos das casas legislativas do Congresso Nacional.

Outro instrumento de participação popular aprovado foi a realização, concomitantemente às eleições municipais, consultas populares sobre questões locais aprovadas pelas Câmaras Municipais e encaminhadas à Justiça Eleitoral até 90 dias antes da data do pleito.

O texto também limita a atuação do Poder Judiciário, colocando na Constituição Federal a determinação que decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que alterem regras eleitorais só podem valer se tomadas um ano antes da disputa.

“Distritão” derrubado

Os deputados firmaram um acordo para retirar do texto a migração do sistema eleitoral do atual modelo proporcional (entenda como ele funciona ao final do texto) para o chamado “distritão”, no qual são eleitos os mais votados em cada estado.

O modelo, usado em poucos países no mundo, é criticado por especialistas. Para muitos, ele promoveria a “fulanização” da política e privilegiaria “celebridades” – sejam elas da política ou mesmo fora dela, como atores e atrizes, jogadores e futebol etc.

Outro efeito colateral apontado seria o favorecimento a políticos conhecidos, candidatos com mais recursos financeiros para bancar suas campanhas. De igual modo, minorias poderiam ter ainda mais dificuldade de representação.

Por fim, o excesso de protagonismo assumido por cada candidato poderia enfraquecer os partidos políticos. E o modelo também provocaria maior “desperdício de votos”, já que os votos recebidos por candidatos derrotados teriam pouca serventia.

Segundo turno mantido

O substitutivo analisado pelos parlamentares também previa o fim do segundo turno em eleições presidenciais, mas foi rejeitado em votação de destaque por 388 votos a 36. No lugar, era criado um sistema de preferências, na qual o eleitor poderia votar até cinco vezes, em ordem decrescente de preferência.

Caso nenhum dos candidatos atingisse a maioria absoluta dos votos válidos diretamente na votação regular, eliminava-se o menos votado e seus votos seriam distribuídos entre os demais, de acordo com a preferência apresentada por cada eleitor. O procedimento poderia ser repetido até que algum candidato superasse os 50% dos votos válidos.

Apoiadores do instrumento argumentam que ele poderia funcionar como uma espécie de “antídoto” contra radicalismos nas eleições.

Como funcionam eleições proporcionais?

Pelo sistema proporcional, é o partido que antes recebe as vagas em disputa. A transformação dos votos recebidos pelos partidos e seus candidatos em assentos efetivos nas casas legislativas ocorre em etapas.

Na primeira delas, calcula-se o quociente eleitoral ‒ a divisão entre a quantidade de votos válidos registrados e o número de cadeiras em disputa, desprezando-se a fração, se igual ou inferior a 0,5, ou arredondando-se para 1, se superior.

Na sequência, calcula-se o quociente partidário ‒ resultado da divisão entre o número de votos válidos e o quociente eleitoral. Este número, desprezando qualquer fração no cálculo, definirá a quantidade de assentos que um partido terá direito na casa legislativa.

Isso explica o fato de, às vezes, um candidato receber um volume expressivo de votos, mas não ser eleito, porque seu partido não conseguiu atingir o número mínimo de votos definido pelo quociente eleitoral.

Por outro lado, é possível que um candidato de um partido que tenha recebido menos votos seja eleito, caso sua sigla tenha obtido votos suficientes para superar o quociente eleitoral e ele tenha se destacado entre os mais votados naquela legenda.

A quantidade de vagas obtidas por cada partido varia conforme o número de vezes que ultrapassa o quociente eleitoral.

Dentro da sigla, as vagas são preenchidas pelos candidatos em ordem decrescente de votos conquistados. Além de bem posicionados na lista do partido, para serem eleitos, os candidatos precisam obter, no mínimo, 10% do quociente eleitoral.

As vagas não preenchidas com a aplicação do quociente partidário e a exigência de votação nominal mínima serão distribuídas entre todos os partidos que participam do pleito, independentemente de terem ou não atingido o quociente eleitoral, mediante observância do cálculo de médias.

A média de cada legenda é determinada pela quantidade de votos válidos a ela atribuída dividida pelo respectivo quociente partidário acrescido de 1. À agremiação que apresentar a maior média cabe uma das vagas a preencher, desde que tenha candidato que atenda à exigência de votação nominal mínima.

Por fim, depois de repetida a operação, quando não houver mais partidos com candidatos que atendam à exigência de votação nominal mínima, as cadeiras deverão ser distribuídas às legendas que apresentem as maiores médias.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.