Queda de braço entre big techs e setor de telecom esquenta — e a Anatel está de olho

No centro da disputa está o “fair share”, tese defendida pelas gigantes de telecomunicações, que argumentam que as big techs deveriam contribuir para o desenvolvimento da infraestrutura de rede

Iuri Santos

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A queda de braço entre as big techs e as empresas de telecomunicações sobre a divisão de investimentos em infraestrutura de conectividade continua. Enquanto aguardam um posicionamento da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), representantes de ambos os lados pressionam por seus interesses em relação à proposta.

No centro da disputa estão as discussões sobre o “fair share” (parcela justa), uma tese defendida pelas gigantes brasileiras de telecomunicações, que argumentam que as big techs — como são conhecidas as grandes multinacionais de tecnologia — deveriam contribuir para o desenvolvimento da infraestrutura de rede.

Um dos principais argumentos das empresas de telecomunicações é que as grandes provedoras de conteúdo são as principais responsáveis pelo tráfego na rede atualmente, mas não contribuem para sua manutenção e expansão. A sustentabilidade desse modelo é questionada, dada a crescente demanda.

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As empresas de telecomunicações tem maior necessidade de investimento em capital, enquanto enfrentam o menor retorno sobre o investimento (ROI) na comparação com as big techs.

Do outro lado, as big techs justificam que a relação pode ser lida de outra forma: por serem as principais responsáveis por atrair usuários para as redes, aumentam a demanda dos operadores. Além disso, afirmam que já estão investindo no desenvolvimento da infraestrutura de conectividade por meio de data centers, cabos submarinos e CDNs (redes de entrega de conteúdo).

“Ideia ruim”

Nesta quinta-feira (10), durante a Futurecom, um evento do setor de telecomunicações, tecnologia e internet realizado em São Paulo, representantes dos dois setores deram uma amostra do debate que vem sendo travado.

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Alessandro Molon, diretor-executivo da Aliança pela Internet Aberta (AIA), classificou a proposta do “fair share” como “uma ideia ruim” em uma palestra na plenária do evento. A AIA reúne empresas como Meta (M1TA34), Amazon (AMZO34), Mercado Livre (MELI34), Netflix (NFLX34) e Google (GOGL34).

“Não queremos dizer que não se pode discutir como melhorar a infraestrutura da internet brasileira ou que não atendemos a nenhum pleito do setor de telecomunicações”, afirmou o ex-deputado federal, escolhido para representar a organização.

Durante o debate na Futurecom, Molon alegou que o projeto seria de principal interesse das grandes empresas de telecomunicações, representadas pela Conexis Brasil, associação que inclui companhias como Vivo (VIVT3), Tim (TIMS3), Claro, Algar e Oi (OIBR3). Segundo ele, essas empresas estariam tentando transferir quedas em seus faturamentos para outro setor.

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“O problema que se quer resolver é aumentar o faturamento das big telcos [grandes empresas de telecomunicações], que diminuiu devido à competição e ao acerto da Anatel de reduzir as exigências regulatórias para pequenos provedores”, disse Molon.

No mesmo evento, o presidente da Associação NEO, Rodrigo Shuch, afirmou que ainda não tomou uma posição sobre a questão do fair share. A associação representa mais de 200 pequenos provedores espalhados pelo país.

“Falhas de mercado”

Para a Conexis, há “indícios de uma falha de mercado” na relação entre as big techs e as empresas de telecomunicações, além de uma “relação simbiótica” entre os dois setores.

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A questão das falhas de mercado é um dos pontos centrais que a Anatel deve avaliar para tomar qualquer decisão, segundo a entidade.

Para o presidente-executivo da Conexis Brasil, Marcos Ferrari, essas falhas são evidentes e precisam ser discutidas. Ele cita como exemplo o documento publicado na última quarta-feira (9) pela Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda, que deve servir como base para aprimorar o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC).

“Há uma relação simbiótica entre as duas partes do mesmo problema: as plataformas dependem das operadoras e as operadoras dependem do consumo que as plataformas geram na rede”, afirmou. “Estamos no mesmo barco. O que buscamos é remar para o mesmo lado, para que o barco não afunde.”

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Por enquanto, as operadoras não sugeriram um modelo ideal de fair share, que poderia ser estabelecido por meio de investimentos, parcerias ou modelos de negócios conjuntos.

Anatel ainda não decidiu

O que a Anatel precisa decidir agora é se realmente existe uma falha de mercado na relação entre as grandes empresas de tecnologia e as companhias de telecomunicações. Essa é a avaliação de Artur Coimbra, conselheiro da agência.

“A Anatel precisa entender se, na conversa entre big techs e [empresas de] telecomunicações sobre remuneração pelo tráfego, a big tech tem poder. A Anatel deve responder se nessa negociação existe um clássico exercício de poder de barganha — algo normal em qualquer mercado, que não requer maior intervenção — ou se seria um exercício de poder de mercado com pressão de margem”, afirmou Coimbra, durante o painel.

Nos últimos 20 anos, o custo de armazenamento de informações caiu cerca de 99%, disse o conselheiro. Isso significa que, de R$ 100 pagos em armazenamento há 20 anos, hoje se paga apenas R$ 1, um cenário que possibilitou uma nova estrutura, com milhões de pequenos data centers distribuídos por todas as cidades. “Com isso, usa-se menos recurso da rede e tem-se acesso mais rápido.”

No último ano, a agência realizou duas consultas públicas para entender o cenário e os problemas levantados pelos respondentes.

Iuri Santos

Repórter de inovação e negócios no IM Business, do InfoMoney. Graduado em Jornalismo pela Unesp, já passou também pelo E-Investidor, do Estadão.