Quebra da “coisa julgada”: STF volta a discutir tema polêmico de bilhões; entenda

Supremo analisa embargos de declaração no julgamento que considerou que uma decisão definitiva sobre tributos recolhidos de forma continuada perde efeitos, caso a Corte se pronuncie em sentido contrário

Marcos Mortari

Prédio do STF, em Brasília
Prédio do STF, em Brasília

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O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retoma, nesta quarta-feira (3), um julgamento com potencial impacto bilionário para empresas ou os cofres públicos. Está na pauta da Corte a análise de recurso contra a decisão que autorizou a quebra da “coisa julgada” em temas tributários. A sessão está marcada para 14h.

O entendimento do tribunal sobre o assunto foi firmado no início do ano passado (no julgamento de dois Recursos Extraordinários: RE 955227 e RE 949297), e desde então tem sido foco de polêmica, dividindo opiniões entre advogados em meio a avaliações de que ela traz risco de insegurança jurídica no país.

Em fevereiro de 2023, o Supremo entendeu que contribuintes que conseguiram decisões favoráveis na Justiça (ainda que transitadas em julgado, ou seja, sem possibilidade de novos recursos) para deixar de recolher determinados impostos devem voltar a pagar imediatamente se a Corte passar a adotar posição divergente.

A decisão estipulou a perda de efeitos de uma sentença definitiva, caso o Supremo tome uma decisão contrária, foi unânime e vale apenas para tributos recolhidos de forma continuada, ou seja, aqueles cuja cobrança se renova periodicamente, como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Nos casos dos tributos cobrados uma vez só, como, por exemplo, o ITBI, que incide sobre a venda de um determinado imóvel, se houver uma decisão transitada em julgado, como a relação é única, esse direito permanece, mesmo após decisão contrária do STF sobre o tema.

Na tese vencedora, o STF entendeu que, no caso das relações tributárias continuadas, uma decisão anterior que considere determinado tributo inconstitucional perde eficácia após decisão do Supremo reconhecendo sua validade. Agora, o tribunal julga recursos de contribuintes que querem limitar a retroatividade da cobrança que poderá ser efetuada pela Receita Federa, com incidência de juros e multa.

Os embargos de declaração que estão sobre a mesa questionam elementos da tese firmada por unanimidade pelos integrantes da Corte. No caso analisado, que teve repercussão geral aprovada, foi fixada a tese de que “as decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo”.

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Os magistrados à época também entenderam que “as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.

A Têxtil Bezerra de Menezes (TBM), uma das partes embargantes no processo, reforça que, até o julgamento de mérito pelo STF do presente recurso extraordinário, “havia uma fixação de tese (…) no sentido da manutenção dos efeitos de suas decisões judiciais transitadas em julgado, ainda que em controle concentrado outra fosse a diretriz”.

A parte também diz que, “ao decidir o caso concreto estabelecendo que a cobrança da CSLL, mesmo para aqueles que detenham decisão transitada em julgado, deve ocorrer desde a publicação da ata de julgamento da ADI 15-2 (14/06/2007), ainda que obedecida a anterioridade nonagesimal, a Corte Suprema acabou por imprimir ao próprio julgado eficácia retroativa” − o que teria produzido efeitos contraditórios.

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Com isso, ela pede a modulação dos efeitos do acórdão, para que se estabeleça como marco inicial para a cobrança do tributo declarado constitucional pelo STF a publicação da ata do julgamento em questão na Corte.

A posição é similar à apresentada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB), que fala em omissão sobre o momento em que houve a cessação dos efeitos da coisa julgada em relações tributárias, e, consequentemente, produção dos efeitos do novo entendimento na prática.

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que também apresentou embargos, alega que “as teses firmadas foram mais abrangentes do que os temas extraídos a partir das discussões dos casos concretos” e fala na necessidade de súmula vinculante para conferir à repercussão geral efeitos similares aos das ações diretas julgadas pelo Supremo.

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A instituição defende, ainda, que “assim como a lei não pode retroagir para prejudicar a coisa julgada, a decisão dos Temas 881 e 885 não pode produzir efeito semelhante em relação aos tributos considerados constitucionais e controle concentrado ou repercussão geral anteriormente a 08/02/2023 (data do julgamento que produziu o novo entendimento do STF)“. E diz que “faltou especificar a data a partir da qual será contada a anterioridade” para a cobrança do tributo.

A União, por sua vez, refuta todas as alegações e defende que, pela leitura dos termos do acórdão embargado, é possível verificar não haver qualquer omissão, obscuridade, contradição ou erro material. Afirma que os embargos de declaração impugnados “têm o nítido propósito de reabrir a discussão sobre a modulação de efeitos” e requer sua rejeição, mantendo a íntegra do acórdão publicado.

A discussão dos recursos à decisão tomada pelo tribunal pode ter impactos sobre os cofres públicos e por isso deverá ser acompanhada de perto pela equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

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O julgamento dos recursos começou em novembro e já há maioria de 7 a 2 para manter a cobrança retroativa dos valores. Mas a discussão foi suspensa por pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Também falta votar o ministro Nunes Marques. Negaram o provimento aos embargos de declaração o presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso (relator de um dos casos), e os ministros Rosa Weber, Cristiano Zanin, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. O ministro André Mendonça, por outro lado, excepcionou o pagamento de multas em seu voto. Já os ministros Luiz Fux e Edson Fachin se posicionaram favoravelmente aos pedidos.

(com agências)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.