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SÃO PAULO – Protestos contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) reuniram milhares de manifestantes em diversas cidades do país no último sábado (29). Atos, convocados por lideranças sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda, foram observados nas capitais dos 26 Estados e em Brasília, com destaque para grandes concentrações em São Paulo (SP), no Rio de Janeiro (RJ) e em Belo Horizonte (MG).
Os atos defenderam, sobretudo, o impeachment de Bolsonaro, a aceleração da vacinação da população contra a Covid-19 e a concessão de um auxílio emergencial de R$ 600 à população mais vulnerável durante a pandemia, e foram vistos como demonstração de força de lideranças políticas de oposição ao atual governo.
Apesar de relativa adesão às recomendações de uso de máscaras por boa parte dos manifestantes, aglomerações suscitaram críticas pelo momento da pandemia do novo coronavírus – e foram utilizadas por aliados de Bolsonaro para contestações.
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No último domingo (30), o Brasil alcançou a marca de 462.092 mortes provocadas pela doença. Em diversas capitais, a taxa de ocupação de leitos de Unidades de Terapia Intensiva (UTI) supera 90%.
Para o deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara dos Deputados, após os atos do fim de semana, grupos de esquerda perderam as condições de criticar aglomerações promovidas por Bolsonaro em meio à crise sanitária.
“Foi muito útil que tenham feito isso. Criticam de forma tão convicta as mobilizações do presidente e de repente fazem a mesma coisa. Pelo menos este assunto fica superado”, disse em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo.
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O parlamentar também vê nos protestos uma antecipação das eleições de 2022, mas disse que não achou que foram “grande coisa”.
Uma narrativa frequentemente usada pelos manifestantes para rebater as críticas diz que, “se o povo vai às ruas contra um governo em plena pandemia, é porque o presidente é mais perigoso que o vírus”.
Organizadores disseram que houve atos em ao menos 213 cidades do Brasil e 14 do exterior, com cerca de 420 mil pessoas. Figuras cotadas para participar da corrida presidencial, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), optaram por manter certa distância dos atos – o que é visto como precaução diante das críticas esperadas.
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Analistas políticos acreditam que os atos têm significado importante, mas seus impactos sobre o governo Bolsonaro ainda podem ser limitados e dependem da conjunção com outras variáveis, como a própria dinâmica da pandemia no país e os índices de popularidade medidos pelas pesquisas de opinião. Um impeachment neste momento seria considerado pouco provável.
“Os atos materializam o descontentamento com o presidente e reforçam a oposição, mas desdobramentos políticos mais diretos ainda dependem de quedas maiores em níveis de popularidade, ainda não observadas”, observam os analistas da XP Política.
Um monitoramento das redes sociais feito pelos analistas da XP mostrou uma pluralidade do campo antibolsonarista em postagens sobre os atos, com engajamento para além de setores tradicionais de oposição ao atual governo e em volume expressivo: o triplo das manifestações sobre a CPI da Pandemia – que pode ganhar mais fôlego com as novas manifestações de insatisfação de grande parte da população com a condução do enfrentamento à crise sanitária por parte do Poder Executivo.
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“Apesar de os protestos terem sido relevantes, eles estão longe de reproduzir as megamanifestações que turbinaram o processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Mas sinalizam que a esquerda, incentivada pelo retorno de Lula ao jogo, também possui capacidade de mobilização para ir às ruas”, avaliam os especialistas da consultoria Arko Advice.
Estes foram os primeiros atos contra Bolsonaro em 2021 e os primeiros após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular condenações de Lula no âmbito da operação Lava Jato e do reconhecimento de suspeição do ex-juiz Sérgio Moro ao julgar o caso envolvendo o tríplex no Gurarujá (SP) – posições que devolveram ao petista seus direitos políticos.
“A reprodução das grandes mobilizações de 2015 e 2016 e a abertura de um processo de impeachment contra Bolsonaro são improváveis neste momento. Além de a opinião pública não partidária evitar aglomerações por conta do agravamento da pandemia, sobreviver à Covid-19 e à crise econômica são hoje as prioridades”, pontuam os analistas.
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“No entanto, a mobilização de sábado acrescenta mais um componente de dificuldades ao governo, em meio às crises sanitária, econômica e social e à CPI da Pandemia. Fora isso, há estados com risco de apagão devido à escassez de chuvas”, complementam.
Na avaliação do cientista político Rafael Cortez, sócio da Tendências Consultoria Integrada e professor do IDP, os efeitos dos atos se dão mais na ótica da governança do que da governabilidade. As relações entre o governo Bolsonaro e sua base de apoio no parlamento devem permanecer, mas regidas mais pelas vontades do “centrão” do que pelas virtudes do Palácio do Planalto.
“O efeito, sob a ótica da governabilidade, parece bastante diminuto. Isso porque já vimos em um processo em que o governo já perdeu boa parte do poder de agenda, que depende majoritariamente de variáveis intrínsecas ao comportamento das figuras do centro”, afirma.
Para ele, é possível que as contrapartidas cobradas por atores do “centrão” pelo apoio ao governo aumentem, mas a tendência principal é de perda de capacidade do governo de avançar com reformas estruturantes. Se, por um lado, as relações entre Executivo e Legislativo passam ao largo de um ambiente de instabilidade política, por outro observa-se impacto sobre a qualidade das propostas discutidas.
Um dos resultados é observado nos próprios textos das proposições analisadas, como se observou na Medida Provisória que abre caminho para a privatização da Eletrobras e no debate sobre o fatiamento da reforma tributária.
O especialista acredita que a percepção de risco sobre o mandato de Bolsonaro continua existindo e dificilmente será excluída – por outro lado, deve seguir baixa, sobretudo com o avançar do calendário. O contexto da pandemia também deve frear uma eventual escalada de protestos e uma consequente maior pressão sobre a classe política.
“Há argumento muito forte para limitar impacto das manifestações, que tem a ver com a questão do isolamento social. Não por acaso que Lula adotou postura bem discreta em relação às manifestações. Há limite para legitimar as manifestações além do público que está se mobilizando”, afirmou.
“Não devemos ter tendência de escalada, pelo menos enquanto a vacinação não atingir patamares mais elevados”, complementa.
Ricardo Ribeiro, analista político da MCM Consultores, concorda que os efeitos sobre a governabilidade são pequenos, mas vê a possibilidade de um pequeno ganho de capital político por parte do “centrão”, sobretudo na figura do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
“Não vejo nenhum efeito relevante sobre governabilidade. Aumenta o cacife do centrão, e mais especificamente de Arthur Lira. Mas também em termos relativos, porque, apesar de as manifestações terem sido mais expressivas do que se esperava, não vejo que ela tenha mudado o cenário em termos de impeachment”, afirma.
Uma série de fatores joga contra o risco de queda do presidente Jair Bolsonaro. Normalmente, processos de impeachment são acompanhados de um desgaste na relação entre Executivo e Legislativo, baixos níveis de aprovação ao governo, crise econômica e escândalo de corrupção.
Pesquisas de opinião têm indicado nível ótimo/bom do governo superior a 25% – patamar considerado elevado por atores políticos para o êxito de um processo de impeachment. Além disso, a pandemia tende a ser fator limitador para a realização de uma sequência de manifestações populares volumosas contra o presidente.
Setores da própria oposição têm manifestado menos interesse no tema, por vislumbrarem melhores condições de competitividade contra um presidente enfraquecido. Por fim, quanto mais próximo do fim do mandato, menores são os incentivos do mundo político a articular um movimento nesse sentido – sobretudo considerando a desconfiança em torno do nome do vice Hamilton Mourão (PRTB).
“A pandemia continua sendo um obstáculo [para protestos de rua]. Agora, para o segundo semestre o ano que vem, é provável que esse tipo de manifestação cresça em volume”, observa Ribeiro. Para ele, os atos deste fim de semana mostraram a força do sentimento antibolsonarista em parte da sociedade.
O fato de bolsonaristas terem direcionado ataques à esquerda em resposta aos protestos, diz o analista, deve reforçar a polarização com Lula como ensaio para as próximas eleições – o que reduz ainda mais o espaço para uma candidatura de terceira via.
“Essa vai ser a discussão em 2022: a rejeição à esquerda ou a rejeição a Bolsonaro, qual vai prevalecer eleitoralmente”, diz.
Outro ponto que chamou atenção dos observadores da política nacional foi o silêncio do ex-presidente Lula sobre os atos – o que foi interpretado como fruto de uma estratégia para evitar possível desgaste e perda de discurso.
“Lula não participou para não perder legitimidade de criticar aglomerações causadas por Bolsonaro (apesar de no sábado todo mundo estar de máscara) e por não precisar dar aval a movimentos mais à esquerda”, diz Ribeiro.
“A tendência é Lula não usar politicamente a manifestação, é se manter distante. Ele precisa conversar com outro eleitorado”, avalia Cortez.
“Lula vai ter o desafio de se equilibrar em meio à tendência de sua base natural passar por processo de radicalização. Mas há incentivos eleitorais para romper com essa dinâmica e caminhar para o centro”, complementa.