Presidente do STJ admite “constrangimento” com escândalo de venda de sentenças

Questionado se haveria indícios de que a suposta venda de sentenças envolveria servidores dos gabinetes, o presidente do STJ afirmou que isso está sendo investigado “internamente”

Fábio Matos

Ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Herman Benjamin, admitiu que os integrantes da corte estão constrangidos diante do escândalo investigado pela Polícia Federal (PF) sobre uma suposta venda de sentenças.

O esquema veio à tona no início de setembro deste ano, quando Benjamin havia acabado de assumir o comando do tribunal. As investigações levaram ao afastamento de desembargadores, que se tornaram réus, e se concentram em estados como São Paulo, Tocantins, Bahia e Maranhão.

“De 16 de outubro de 2023 até 15 de outubro de 2024, entraram no STJ 518 mil processos. Isso significa dizer que cada ministro recebeu 17 mil processos. Isso significa dizer que, contando os dias úteis, os ministros teriam que decidir sobre 197 processos. Dividindo esses dias úteis por oito horas, são aproximadamente um processo a cada cinco minutos por ministro. Eu pergunto: isso é viável? Como é que se pode imaginar que um ministro vai ter controle total do seu gabinete quando, a cada cinco minutos, será elaborada uma decisão?”, questiona Benjamin, em entrevista ao jornal O Globo.

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“Nós dependemos dos servidores. São mais de três mil servidores que estão profundamente amargurados com esta nuvem que paira sobre o trabalho deles. Nós, os ministros, e os próprios servidores, estamos muito vulneráveis ao mau uso por uma minoria da minoria deste poder que cada um tem de trabalhar uma decisão judicial que depois será assinada por um juiz. Não há instituição no mundo, nem nos países escandinavos, que esteja absolutamente imunizada contra casos de corrupção”, afirma o presidente do STJ.

Questionado se haveria indícios de que a suposta venda de sentenças envolveria servidores dos gabinetes, o presidente do STJ afirmou que isso está sendo investigado “internamente”.

“Foram identificados indícios críveis em relação a um servidor. Esse servidor teve o PAD [Processo Administrativo Disciplinar] instaurado e já está afastado. E a investigação continua em relação aos outros. Espero que em breve nós tenhamos isso definido. Já na parte da Polícia Federal, as investigações estão ocorrendo, e eu não tenho controle do que está se passando”, diz Benjamin. “E nem quero. O que eu posso fazer, e tenho feito, é colaborar. Inclusive a apreensão de computadores já foi feita. Nós os enviamos para a Polícia Federal.”

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“O que posso dizer é que os ministros do STJ, sem exceção, são os maiores interessados em apuração rápida, completa e exemplar de eventuais desvios isolados de conduta na tramitação de processos. Temos centenas de primorosos servidores concursados, com reconhecida qualificação técnica e, por vocação pessoal, dedicados ao exercício republicano da função pública. Estamos permanentemente de olhos e ouvidos bem abertos”, assegurou o ministro.

“O constrangimento é coletivo, de todas as ministras e ministros, por ver o nome do Superior Tribunal de Justiça envolvido em uma onda de notícias vagas. Há uma profunda amargura. O nosso sentimento é de profunda tristeza, mas ao mesmo tempo de certeza que este tema será investigado em profundidade. Para quem eventualmente descumpriu a lei, que as sanções e outras providências venham.”

Pauta anti-STF no Congresso

Na entrevista ao Globo, Herman Benjamin também foi questionado sobre projetos recentemente aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados que limitam os poderes do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta instância do Judiciário brasileiro.

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A CCJ aprovou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que permite ao Legislativo barrar decisões tomadas pelo Supremo. O projeto foi aprovado com 38 votos favoráveis e 12 contrários. O texto ainda precisa ser analisado por uma comissão especial da Câmara e, na sequência, pelo plenário.

Antes disso, a comissão já havia aprovado uma outra PEC, que limita as decisões monocráticas (individuais) de ministros da Suprema Corte. Nesse caso, foram 39 votos favoráveis e 18 contrários.

“Eu não comento fatos das outras Casas. Mas nós podemos olhar para o mundo. O que assistimos no Brasil não é exceção. O que estamos assistindo hoje são investidas, e a expressão é esta, em resposta ou mesmo em vingança à atuação constitucional e legal dos juízes e dos tribunais. Hoje, pode ser em uma Corte. Amanhã é nas outras Cortes. E, depois de amanhã, em todos os juízes”, alertou Benjamin.

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“E nós não podemos ter um Estado de Direito com juízes amedrontados. E em muitos países é assim: o juiz tem medo. No momento que o juiz tem medo, ele não é mais juiz. Todas as instituições estão submetidas a controle, seja do voto popular, seja de mecanismos outros que têm na origem na elaboração constitucional ou legislativa o voto popular. O que não se pode ter é vingança.”

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”