Posição do STF sobre “quebra” de decisão tributária gera impacto bilionário para empresas e traz insegurança jurídica, dizem especialistas

Advogados dizem que não é possível estimar impacto da decisão, já que empresas com decisões definitivas a favor não costumam fazer provisão para perdas

Marcos Mortari

Fachada do STF, em Brasília
Fachada do STF, em Brasília

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir a “quebra” de decisões definitivas  por eventual mudança de entendimento da corte em questões tributárias, sem “modulação de efeitos”, deve provocar mais insegurança jurídica ao sistema tributário brasileiro e tem forte impacto sobre o caixa das empresas em um momento delicado da economia. A avaliação é de especialistas em Direito Tributário ouvidos pelo InfoMoney.

Pela decisão da Suprema Corte, se um contribuinte foi autorizado pela Justiça a deixar de pagar um imposto, mas futuramente o tribunal entender que a cobrança é devida, ele não terá mais o direito concedido e precisará efetuar fazer o devido recolhimento do imposto.

A medida incide até mesmo sobre decisões transitadas em julgado – ou seja, aquelas em que não caberia mais recurso na Justiça. Nestes casos, se houver entendimento favorável do STF, os tributos também poderão ser cobrados. A decisão dos magistrados foi unânime e tem repercussão geral.

O STF também decidiu, por seis votos a cinco, pela não modulação de efeitos nessas situações. Na prática, isso significa que a Receita Federal pode cobrar o tributo, a partir da publicação da ata do julgamento, e empresas que estavam isentas não só voltarão a recolher o imposto como poderão ser cobradas retroativamente (inclusive com juros e multa).

Por entendimento da corte, as cobranças devem respeitar os princípios da anualidade, que estabelece que aumentos de determinados tributos só podem ser aplicados no exercício financeiro seguinte ao da aprovação, e da noventena, que impõe prazo de 90 dias para a aplicação de novos tributos ou aumento de alíquotas.

A discussão concreta envolvia o interesse da União de voltar a recolher a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) de empresas que, em 1992, obtiveram decisão transitada em julgado em Tribunal Regional Federal (TRF), que lhes concedeu o direito de não pagar o tributo. Quinze anos mais tarde, o STF validou a cobrança do tributo.

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Foram contrários à modulação os ministros Luís Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Rosa Weber. Já os ministros Edson Fachin, Kássio Nunes Marques, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli votaram a favor.

Em seu voto, o relator de um dos processos em análise, ministro Luís Roberto Barroso, ressaltou que a Constituição Federal não pode permitir tratamento desigual entre contribuintes em situação equivalente, sob risco de interferência sobre a livre concorrência.

O magistrado argumentou que, com a decisão favorável à cobrança da CSLL em 2007, poderia haver “injustiça tributária” se houvesse modulação favorável àqueles que, mesmo sabendo da posição do Supremo, continuassem sem recolher a contribuição.

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Os efeitos da decisão proferida pelo pleno do Supremo Tribunal Federal ontem, porém, não se restringem à CSLL e podem ser aplicadas a outros tributos em que tenha havido mudança de entendimento por parte do Poder Judiciário.

“Caso um contribuinte tenha a seu favor uma decisão com trânsito em julgado que reconheceu seu direito de não pagar determinado tributo e, em um momento futuro, o STF entenda que a cobrança é constitucional, a decisão favorável da empresa perde seus efeitos. Assim, o contribuinte terá que retomar o pagamento de referidos valores, respeitados os princípios da noventena e da anterioridade anual”, explica a advogada Juliana Camargo Amaro, especialista da área tributária e sócia do escritório Finocchio & Ustra Advogados.

“Por outro lado, as empresas que tenham decisão judicial transida em julgado reconhecendo a constitucionalidade de determinado tributo que, posteriormente, também foi reconhecido como inconstitucional pelo STF, poderão reanalisar a possibilidade de recuperar os valores após a decisão em repercussão geral”, prossegue.

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“Esse entendimento altera a forma de se analisar não apenas os efeitos do trânsito em julgado, mas a própria sistemática de precedentes existente do Direito Processual em vigor”, diz.

Para a advogada Izabela Fernandes, especialista em Direito Tributário da Lira Advogados, a decisão divide opiniões ao buscar prestigiar a livre concorrência e a uniformidade das decisões, mas impactar sensivelmente o planejamento tributário de contribuintes com direito consolidado.

“Ao mesmo tempo que prestigia a livre concorrência e a uniformidade das decisões quando pensamos em situações tributárias futuras (de trato continuado), [a decisão] faz com que justamente os Contribuintes que se encontravam respaldados por decisões judiciais voltem a recolher determinado tributo, tendo que refazer todo o seu planejamento tributário”, diz.

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A decisão representa uma vitória para o governo – a primeira de relevo, com impactos fiscais relevantes, para o do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Poder Judiciário desde que retornou ao Palácio do Planalto para um terceiro mandato.

Com ela, a Receita Federal poderá reaver bilhões de reais a partir das cobranças, reforçando o caixa da União em um momento de pressão por equilíbrio nas contas públicas.

Do lado das empresas, no entanto, a decisão gera preocupação, sobretudo pela possibilidade de cobrança retroativa de tributos – o que deve pressionar o caixa de diversas companhias.

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“A decisão do STF de que a coisa julgada pode ser superada por conta de uma decisão posterior em sentido contrário em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade ou Recurso Extraordinário com repercussão geral é uma decisão inédita, e, portanto, deveria ser modulada para produzir efeitos a partir do momento em que foi proferido este entendimento”, avalia o advogado Eduardo Maneira, professor associado de Direito Tributário da UFRJ e diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro.

“A retroatividade desta decisão, no caso da CSLL, a 2007 é preocupante, fere a segurança jurídica e macula o instituto da coisa julgada”, critica o especialista.

Advogados dizem que não é possível estimar o impacto da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, já que as empresas que tinham decisões tributárias definitivas a favor não costumam fazer provisão para eventuais perdas, dada o respaldo dado pelo trânsito em julgado.

“A quebra das decisões judiciais definitivas [em matéria tributária] é também uma quebra de paradigma muito grande no nosso sistema”, observa o advogado Guilherme Manier, sócio da área tributária de Viseu Advogados.

Para ele, a declaração de inconstitucionalidade da CSLL era uma tese considerada “esdrúxula” por boa parte da comunidade jurídica, mas o Supremo deveria ter se concentrado exclusivamente nessa questão, e não ampliado escopo para outros tributos.

O advogado avalia que, o STF, com a posição assumida ontem, “equipara suas decisões a uma lei”, mas sem o trâmite convencional de uma proposição no Poder Legislativo e com apenas 11 julgadores. “Estamos dando para essa decisão o tratamento de uma nova lei, que altera a redação da legislação anterior. O que é muito preocupante. Isso caberia ao Congresso”, diz.

Além da própria CSLL, ele entende que os tributos que poderão gerar mais revés aos contribuintes após a decisão de ontem são PIS e Cofins, pelo volume de teses em repercussão geral reconhecidas no STF e pela quantidade de discussões pendentes. Ele cita como exemplo a cobrança de PIS/Cofins sobre receitas financeiras, na locação de bens móveis, exclusão de ISS da base dos tributos.

E diz, ainda, que a decisão do Supremo terá como consequência a necessidade de muitas empresas, independentemente do porte, contratarem serviços de “tax update”, para monitorar jurisprudência e revisão sobre possíveis pendências tributárias que poderão ser cobradas pela Receita Federal em breve.

“A decisão do STF tem repercussão para diversos contribuintes e não apenas as grandes empresas, além de deixar ainda mais complexo o nosso sistema tributário”, afirma Francisco Nogueira de Lima Neto, sócio fundador do escritório Gasparini, Nogueira de Lima e Barbosa Advogados.

“Além da necessidade de acompanhamento de toda a legislação tributária, os contribuintes deverão ficar atentos às discussões administrativas e judiciais em matéria tributária de forma a não serem surpreendidos por uma alteração de entendimento do STF”, complementa.

Para Gustavo Taparelli, sócio da Abe Advogados e especialista nas áreas contenciosa e consultiva, a demora do Supremo em julgar o assunto tornou a situação ainda mais delicada. “Várias empresas tiveram decisões favoráveis em seus processos há décadas e agora terão que lidar com dívidas que não estão provisionadas”, afirma.

“Vale registrar os casos da Paranapanema e da Braskem, que conseguiram há muito tempo decisões favoráveis transitadas em julgado para não recolher CSLL. Mais adiante, a Corte julgou o tributo constitucional. Também é possível imaginar os impactos às empresas importadoras que conseguiram decisões definitivas próprias para não pagar IPI na revenda dos produtos importados. Por fim, vale lembrar que muitas empresas venceram a discussão para não incidir contribuição previdenciária sobre o terço de férias e, mais adiante, o STF alterou o posicionamento jurisprudencial para se posicionar pela constitucionalidade da cobrança”, lembra.

“O que se esperava, ao menos, era a modulação dos efeitos da decisão do STF no julgamento de ontem para proteger as empresas que agiam de boa-fé e aproveitavam as suas decisões favoráveis definitivas. Sem modular os efeitos da sua decisão, o STF provocou insegurança jurídica. Agora, devemos aguardar eventual movimento do governo federal sobre a criação de algum programa de parcelamento especial, conferindo benefícios para possibilitar o pagamento das dívidas tributárias”, conclui.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.