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SÃO PAULO – Uma das questões mais discutidas na campanha presidencial deste ano está relacionada a qual deve ser o patamar dos juros para a economia brasileira. Não há como negar que os juros básicos no Brasil estão entre os mais altos do mundo, não só em termos absolutos, mas também em termos reais, isto é, depois de descontada a inflação.
Todos os candidatos parecem unânimes em afirmar que pretendem adotar uma política monetária mais branda, que permitiria uma redução dos juros. Para o eleitor resta entender do porque os juros são tão altos no Brasil se o fato de permanecerem elevados prejudica o crescimento da economia, e conseqüentemente o nível de emprego e o próprio poder aquisitivo da população.
Somente através do entendimento e resolução dos problemas crônicos, que forçam os juros a permanecer em patamares excessivamente elevados, é que se pode adotar uma política de juros mais branda. Este artigo busca ajudar o leitor a entender melhor a dinâmica da formação dos juros e o porque são elevados.
Entendendo os juros básicos da economia
Quando falamos de juros, a maioria das pessoas entende os juros cobrados nos financiamentos aos consumidores. Mas, na verdade, quando os políticos e economistas falam que os juros estão altos, eles têm outros juros em mente: a taxa de juro básica da economia, ou a Selic.
De forma simplificada, a Selic é a taxa de juro referencial para todas as operações financeiras do mercado brasileiro, ou seja, quando um banco define o custo de financiamento, ou a taxa pela qual a sua conta de depósito vai ser remunerada, a taxa Selic é utilizada para definir o que chamamos de spread, isto é, a remuneração do banco na operação em questão.
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Exatamente por isto, a taxa de juro básica é um importante instrumento de política monetária para o Banco Central, pois em geral o aumento dos juros tende a inibir o consumo, pois torna mais caro o preço do dinheiro para os bancos e, conseqüentemente, para os próprios consumidores.
Risco Brasil e inflação
No Brasil, os juros básicos da economia têm sido historicamente altos, devido ao fato da inflação e do risco país continuarem relativamente elevados. Isto porque os juros básicos também servem como referência para determinar os juros que são pagos aos investidores que compram títulos públicos.
De maneira mais simplificada, os títulos públicos podem ser vistos como uma forma de financiamento, assim como os empréstimos pessoais para indivíduos ou as notas descontadas para empresas.
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Desta forma, assim como acontece nos empréstimos pessoais, a taxa paga aos investidores que “emprestam dinheiro” ao Governo vai depender do perfil de risco do Governo, isto é o risco do Brasil não pagar sua dívida, de ficar inadimplente. Quanto maior este risco, mais os investidores devem cobrar para emprestar dinheiro, e, portanto, mais alta tende a ser a taxa básica!
Ainda assumindo que os juros básicos determinam o quanto o Governo pagará para emprestar dinheiro, é fácil entender que o retorno mínimo que os investidores cobrarão para emprestar dinheiro deve ser equivalente a variação da inflação, pois caso contrário os investidores sairiam perdendo.
Porque o risco país é elevado
Atualmente a dívida interna do Brasil equivale a cerca de 56% do PIB (Produto Interno Bruto), e isto significa que seria preciso somar toda a produção do país em sete meses do ano para que o Governo conseguisse pagar sua dívida.
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Frente a esta situação de desequilíbrio financeiro, o Governo pode ser comparado com uma pessoa endividada, que encontra dificuldades para obter novos empréstimos. O mercado até empresta, mas cada vez que a dívida aumenta, o risco dela não ser paga cresce, e com isto o chamado risco país também sobe.
Desta forma, para conseguir continuar atraindo pessoas interessadas em emprestar dinheiro, é preciso pagar mais, pois caso contrário, eles acabariam optando por emprestar seu dinheiro para outros países, onde o risco de não ver seu dinheiro de volta fosse menor.
Simultaneamente, os juros elevados conferem boa rentabilidade aos títulos públicos, para onde as instituições financeiras passam a migrar parte dos recursos anteriormente destinados para crédito ao consumidor. Finalmente, as perspectivas de crescimento para economia tornam-se mais pessimistas, aumentando a desconfiança dos investidores e fechando um perigoso círculo vicioso.
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Corte nos juros deve ser feito com cautela
O atual Governo vinha adotando uma política de redução gradual dos juros, que caíram de 47% ao mês em janeiro de 1995 para 15,25% em dezembro de 2000.
Contudo, desde então uma combinação de fatores desfavoráveis, como crise energética e crise na Argentina acabaram levando os juros a subir para 19% ao ano em julho de 2001.
Desde então o Governo reduziu os juros apenas duas outras vezes, de forma que a taxa básica se encontra atualmente em 18,5% ao ano, muito acima do que estava no início de 2001. O excesso de conservadorismo por parte do Governo, que priorizou o combate à inflação aos cortes nos juros, fatores externos como a deterioração da crise na Argentina, fraudes contábeis nos EUA, juntamente com o aumento da instabilidade política interna, desde que o PFL abandonou o governo, estão entre as razões porque os juros não foram reduzidos de forma mais acentuada em 2002.
Que os juros devem cair ninguém disputa, a grande questão é como garantir um corte dos juros sem dificultar a capacidade do Governo de se financiar, ou deixar a inflação sair de controle? A resposta é bastante simples, mas extremamente difícil de ser alcançada. Através de uma reforma fiscal ampla, juntamente com uma reforma tributária, que permita uma redução significativa das despesas do Governo, e uma melhoria das receitas, de forma a atingir o tão necessário controle orçamentário.
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Propostas de corte dos juros sem uma reforma profunda da dívida pública simplesmente não são factíveis, e certamente terão como efeito colateral um aumento da inflação e crescimento da inadimplência, isto sem falar na perda de poder aquisitivo por parte do trabalhador, uma vez que o aumento dos salários dificilmente acompanharia a alta da inflação.