PEC dos Auxílios pode ser votada hoje na Câmara; oposição tenta derrubar estado de emergência e tornar benefícios permanentes

Diante da dificuldade de se opor à matéria a menos de 3 meses das eleições, opositores focam em modificar o texto durante votação na Câmara

Marcos Mortari

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), faz pronunciamento durante sessão no plenário (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), faz pronunciamento durante sessão no plenário (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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O plenário da Câmara dos Deputados pode votar, nesta terça-feira (12), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Auxílios, que cria estado de emergência em razão da alta dos preços dos combustíveis para viabilizar a criação de programas sociais e a ampliação de benefícios já existentes.

A sessão está marcada para as 13h55 (horário de Brasília), mas pode haver alterações em razão da sessão do Congresso Nacional adiada para esta manhã.

A expectativa inicial do governo federal era que a proposta pudesse ser votada na semana passada, mas o quórum baixo levou o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), a deixar o processo para esta semana – a última antes do recesso parlamentar, que começa em 17 de julho – em meio à preocupação com o risco de surpresas, sobretudo durante a votação dos destaques das bancadas ao texto.

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A PEC dos Auxílios, apensada a outra proposta que trata de estímulos tributários aos biocombustíveis, cria programas sociais e amplia benefícios existentes, por meio da abertura de R$ 41,25 bilhões em créditos extraordinários, e institui estado de emergência até o fim do ano.

Apelidada de “PEC Kamikaze” pelo ministro Paulo Guedes (Economia) quando foi protocolada no Senado Federal, em fevereiro, pelo senador Carlos Fávaro (PSD-MT), em razão do impacto sobre as contas públicas, a proposta se tornou, quatro meses depois, a principal aposta do presidente Jair Bolsonaro (PL) para melhorar seus índices de aprovação e ganhar competitividade na disputa por mais um mandato à frente do Palácio do Planalto.

A menos de três meses do primeiro turno, o governo Bolsonaro corre contra o tempo para concluir a tramitação da matéria no Congresso Nacional antes do recesso parlamentar e operacionalizar os benefícios ainda em julho, na tentativa de fazer com que seus efeitos sejam percebidos pelos eleitores a tempo de influenciar no pleito.

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A PEC dos Auxílios, que costuma ser chamada por integrantes da oposição de “PEC do desespero” ou “PEC das eleições”, amplia de R$ 400,00 para R$ 600,00 o valor das parcelas mensais pagas pelo Auxílio Brasil e zera a fila de beneficiários do programa, hoje estimada pelo Ministério da Cidadania em 1,6 milhão de famílias.

Ela também aumenta o valor pago com o auxílio-gás, de modo a garantir a compra de um botijão a cada dois meses para um público de 5,86 milhões de famílias. E institui o “voucher caminhoneiro” para transportadores autônomos, no valor de R$ 1.000,00 mensais.

O texto prevê, ainda, o pagamento de um auxílio emergencial para taxistas devidamente registrados até 31 de maio, até o limite de R$ 2 bilhões, e traz dispositivo para assegurar suplementação orçamentária de R$ 500 milhões ao programa Alimenta Brasil. Todas as medidas valem apenas até o final de 2022.

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A proposta também estabelece, na Constituição Federal, o regime fiscal diferenciado para os biocombustíveis, com vantagens em relação aos combustíveis fósseis. A intenção é minimizar o impacto de medidas aprovadas recentemente, que reduziram impostos sobre a gasolina e o diesel, sobre a competitividade dos biocombustíveis, como o etanol.

Nesse sentido, cria-se um auxílio para os estados que outorgarem créditos tributários do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) para produtores e distribuidores de etanol hidratado.

O pagamento seria feito em parcelas mensais, proporcionais à participação de cada unidade da federação no consumo do biocombustível em 2021. Os valores deverão ser repartidos com municípios e entrarão no cálculo de receita para efeito de investimento mínimo em Educação.

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A PEC tem impacto fiscal estimado em R$ 41,25 bilhões, gastos através de crédito extraordinário, ou seja, fora do teto de gastos – regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas à evolução da inflação no ano anterior.

As despesas driblam a chamada regra de ouro das finanças públicas, que diz que o Tesouro Nacional não pode se endividar para financiar gastos correntes.

A proposta também escapa da Lei Eleitoral (Lei nº 9.504/1997), que veda concessão de benefícios não programados em ano eleitoral, salvo em situações de decretação de estado de calamidade ou emergência.

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É utilizada, como justificativa para o reconhecimento de estado de emergência, a menos de 100 dias das eleições, “a elevação extraordinária e imprevisível dos preços dos combustíveis” e seus impactos sociais.

Por se tratar de PEC, o texto precisa do apoio de 3/5 dos parlamentares – ou seja, pelo menos 308 dos 513 integrantes da casa legislativa – em dois turnos de votação.

Caso sofra modificações de mérito durante a discussão pelos deputados, ele precisa retornar ao Senado Federal de forma integral ou fatiada. Pela regra, as duas casas precisam aprovar a mesma versão do texto para que ele seja promulgado e passe a valer.

A PEC vai de uma casa para a outra (o chamado pingue-pongue) até que seja votada sem diferenças de mérito. Uma vez superadas as diferenças, ela segue para promulgação pelo Congresso Nacional.

Oposição desenha estratégias

Há uma avaliação entre parlamentares críticos ao governo de que, embora a PEC dos Auxílios possa beneficiar a campanha à reeleição de Bolsonaro, não existe espaço para fazer a oposição à ampliação de programas sociais em ano eleitoral.

“Emparedada, a oposição não terá alternativa, a não ser votar favoravelmente à matéria, mesmo dizendo que a PEC é eleitoreira e oportunista”, observam os analistas da consultoria Arko Advice.

Foi o que aconteceu no Senado Federal – quando apenas o senador José Serra (PSDB-SP) votou contra as medidas – e durante a análise da matéria em comissão especial da Câmara dos Deputados.

“Assim, os próprios petistas ajudarão Bolsonaro a ter mais elementos para crescer na fatia do eleitorado, até então, fiel a Lula”, continuam os analistas da Arko Advice em relatório a clientes.

Em meio a tantas restrições, integrantes da oposição definiram estratégias para modificar o texto durante a votação na Câmara dos Deputados – o que na prática prejudicaria os planos do governo federal pelo potencial de atrasar a implementação das medidas antes de agosto.

Se forem bem-sucedidos na aprovação de mudanças no substitutivo, e dependendo do teor das alterações, a proposta precisará ser rediscutida no Senado Federal.

Como a PEC dos Auxílios teve tramitação à jato na Câmara dos Deputados, não houve tempo hábil para que parlamentares conseguissem o apoio mínimo necessário para protocolarem emendas ao texto.

Desta forma, deputados concentraram seus esforços nos chamados destaques, solicitando votação em separado de trechos do substitutivo. Neste caso, o ônus do apoio de ao menos 3/5 da casa legislativa recai sobre o governo, para garantir que o trecho em análise não seja suprimido da versão final da matéria.

Há 12 destaques já protocolados no sistema da Câmara dos Deputados, todos de grupos críticos à iniciativa do governo federal − o que explica o cuidado de Arthur Lira de adiar a votação na semana passada, em meio ao quórum mais baixo no plenário na quinta-feira (7).

O deputado Reginaldo Lopes (MG), líder do PT na casa legislativa, assina 5 deles. Logo atrás, com 3, vem o deputado Renildo Calheiros (PE), líder do PCdoB. Os deputados Sâmia Bomfim (SP), líder do PSOL, e Bira do Pindaré (MA), líder do PSB, protocolaram 1 destaque cada. Com isso, a oposição responde por mais de 80% das potenciais mudanças no texto.

Fora da oposição, o deputado Thiago Mitraud (MG), líder do Novo, protocolou outros dois destaques para votação em separado. A legenda tem sido uma das principais críticas à matéria, denunciando os riscos fiscais e o drible do governo à legislação eleitoral.

Ao todo, 5 destaques pedem votação em separado de trechos que se referem ao reconhecimento de estado de emergência e da liberação dos recursos à margem das regras fiscais vigentes. Há também 2 destaques que tentam retirar do texto a expressão “imprevisível” na justificativa para o dispositivo.

Na prática, esses movimentos reduzem a proteção planejada pelo governo em relação às restrições impostas pela legislação eleitoral ou mesmo pelas regras fiscais. O que pode abrir portas para questionamentos no Supremo Tribunal Eleitoral (STF) ou no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Outros 5 destaques pedem a votação em separado de trechos que restringem a concessão do Auxílio Brasil por cinco meses ou que limitam os repasses para o programa a R$ 26 bilhões.

Muitos dos destaques apresentados tratam dos mesmos aspectos formais do texto, mas de formas diferentes. Isso tem por objetivo tornar mais difícil o trabalho do governo de conseguir garantir 308 votos durante a deliberação de cada um dos dispositivos, sobretudo considerando o apelo popular de algumas das medidas em discussão.

Veja o que pede cada destaque:

Destaque 1
Reginaldo Lopes (PT-MG): Requer destaque, com vistas à rejeição, de artigo que reconhece estado de emergência em 2022, “decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”, e abre créditos extraordinários para custear as novas despesas, sem considerar a meta de resultado primário, o limite estabelecido para as despesas primárias e sem necessidade de limitações legais, “inclusive quanto à necessidade de compensação”.

Destaque 2
Sâmia Bomfim (PSOL-SP): Requer destaque para votação em separado da expressão “no período de 1º de agosto a 31 de dezembro de 2022” de trecho que trata do acréscimo mensal extraordinário de R$ 200,00 nas parcelas do Auxílio Brasil às famílias elegíveis.

Destaque 3
Bira do Pindaré (PSB-MA): Requer destaque para votação em separado da expressão “durante 5 (cinco) meses” de trecho que trata do acréscimo mensal extraordinário de R$ 200,00 nas parcelas do Auxílio Brasil às famílias elegíveis.

Destaque 4*
Reginaldo Lopes (PT-MG): Requer destaque, com vistas à rejeição, da expressão “estado de emergência”.

Destaque 5*
Reginaldo Lopes (PT-MG): Requer destaque, com vistas à rejeição, da expressão “imprevisível”, contida em trecho que trata do reconhecimento de estado de emergência, para se referir à elevação dos preços do petróleo no mercado internacional.

Destaque 6*
Reginaldo Lopes (PT-MG): Requer destaque, com vistas à rejeição, da expressão “estado de emergência”.

Destaque 7*
Reginaldo Lopes (PT-MG): Requer destaque, com vistas à rejeição, da expressão “imprevisível”, contida em trecho que trata do reconhecimento de estado de emergência, para se referir à elevação dos preços do petróleo no mercado internacional.

Destaque 8
Renildo Calheiros (PCdoB-PE): Requer destaque para votação em separado da expressão “durante 5 meses”, e por decorrência a expressão “no período de 1º de agosto a 31 de dezembro de 2022, até o limite de R$ 26 bilhões, incluídos os valores essencialmente necessários para a implementação do benefício, vedado o uso para qualquer tipo de publicidade institucional”, em trecho que trata do acréscimo mensal extraordinário de R$ 200,00 nas parcelas do Auxílio Brasil às famílias elegíveis.

Destaque 9*
Tiago Mitraud (Novo-MG): Requer destaque votação em separado de artigo que reconhece estado de emergência em 2022, “decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”, e abre créditos extraordinários para custear as novas despesas, sem considerar a meta de resultado primário, o limite estabelecido para as despesas primárias e sem necessidade de limitações legais, “inclusive quanto à necessidade de compensação”.

Destaque 10*
Tiago Mitraud (Novo-MG): Requer destaque votação em separado de artigo que reconhece estado de emergência em 2022, “decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais deles decorrentes”, e abre créditos extraordinários para custear as novas despesas, sem considerar a meta de resultado primário, o limite estabelecido para as despesas primárias e sem necessidade de limitações legais, “inclusive quanto à necessidade de compensação”.

Destaque 11*
Renildo Calheiros (PCdoB-PE): Requer destaque para votação em separado da expressão “até o limite de R$ 26 bilhões, incluídos os valores essencialmente necessários para a implementação do benefício, vedado o uso para qualquer tipo de publicidade institucional”, em trecho que trata do acréscimo mensal extraordinário de R$ 200,00 nas parcelas do Auxílio Brasil às famílias elegíveis.

Destaque 12*
Renildo Calheiros (PCdoB-PE): Requer destaque para votação em separado da expressão “até o limite de R$ 26 bilhões, incluídos os valores essencialmente necessários para a implementação do benefício”, em trecho que trata do acréscimo mensal extraordinário de R$ 200,00 nas parcelas do Auxílio Brasil às famílias elegíveis.

* Muitos dos destaques que tratam da mesma questão estão construídos em bases distintas. Na prática, os autores buscam forçar o governo a buscar mais de uma vez maioria de 308 votos para manter dispositivos similares no substitutivo.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.