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A equipe do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), decidiu adiar mais uma vez a apresentação do texto da Proposta de Emenda à Constituição batizada de PEC da Transição. A proposição é considerada fundamental para abrir espaço no Orçamento de 2023 para a manutenção do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) de R$ 600,00 e outras promessas feitas ao longo da campanha.
A decisão ocorre após um dia de fortes reações de atores da política, da economia e principalmente do mercado financeiro a sinalizações dadas por Lula a parlamentares. Ontem (10), o Ibovespa caiu 3,35%, destoando do desempenho favorável dos índices das principais bolsas internacionais. Já o dólar comercial subiu 4,14%, no pior pregão desde março de 2020.
Investidores manifestaram preocupação com questionamentos feitos por Lula a regras fiscais e a sinalização de mais gastos públicos para programas sociais. As declarações do presidente eleito despertaram uma maior percepção de risco fiscal aos agentes econômicos, o que na prática pressiona o dólar e pode prejudicar o combate à inflação. Como resultado, os juros futuros sobem, também com uma expectativa de maior necessidade austeridade monetária, e o mercado de ações é penalizado.
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A expectativa agora é que a apresentação da minuta da PEC da Transição fique para quarta-feira (16), um dia após o feriado da Proclamação da República e data em que o presidente eleito estará no Egito, onde participa da COP 27, Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
O novo cronograma foi acertado pelo senador eleito Wellington Dias (PT-PI), designado por Lula para liderar as negociações orçamentárias, e o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator-geral do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2023. A ideia é permitir uma nova rodada de conversas entre lideranças políticas para afinar o texto.
A menos de dois meses para encerrar o ano, o presidente eleito corre contra o tempo para destravar a proposta e abrir caminho para o cumprimento de algumas de suas promessas de campanha logo nos primeiros meses de gestão.
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Por se tratar do instrumento mais alto na hierarquia do processo legislativo, uma PEC tem tramitação complexa no parlamento.
Além de uma série de formalidades (como a passagem por comissões específicas nas duas casas legislativas), o texto dependeria do apoio de 3/5 em dois turnos de votação tanto na Câmara dos Deputados quanto no Senado Federal – o que significa apoio mínimo de 308 deputados e 49 senadores em cada deliberação no plenário.
Considerando o fato de que os 513 deputados e os 27 senadores eleitos em outubro de 2022 tomarão posse apenas em fevereiro do ano que vem, Lula precisará abrir negociação com as atuais composições das casas legislativas. Hoje, um contingente de 244 congressistas está no exercício de suas funções, mas não exercerá mandato na próxima legislatura – o que pode tornar negociações mais custosas.
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A ideia de Lula é, por meio da proposta, garantir espaço na Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2023 para pagar o Bolsa Família (nome que será retomado no lugar do Auxílio Brasil) em parcelas de R$ 600,00 e um adicional de R$ 150,00 por criança de zero a seis anos de famílias beneficiárias do programa.
O presidente eleito também quer assegurar recursos para um aumento real do salário mínimo logo em seu primeiro ano de governo. Este foi um dos eixos prioritários de sua campanha contra o presidente Jair Bolsonaro (PL), que tentava a reeleição.
Outro objetivo da nova gestão é garantir a recomposição orçamentária de programas como o Farmácia Popular (impacto avaliado em R$ 2 bilhões), reduzir as filas do Sistema Único de Saúde (SUS) e fazer campanha de vacinação (custo de pelo menos R$ 10 bilhões), ampliar ações de saúde indígena e merenda escolar.
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Durante a campanha, Lula também prometeu como suas primeiras ações a retomada do programa Minha Casa Minha Vida e a implementação de um amplo programa de infraestrutura país afora. As medidas, porém, esbarram em restrições orçamentárias.
Relembre as propostas de Lula para a economia no novo mandato
Economistas avaliam que a dinâmica das contas públicas e as diversas despesas já contratadas para 2023 tornam o cumprimento do teto de gastos (regra fiscal que limita o crescimento de despesas públicas em um exercício à evolução da inflação no ano anterior) inviável.
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As expectativas são de que o Orçamento do ano que vem reserve um montante de apenas R$ 117 bilhões para despesas discricionárias − aquelas em que o governo federal tem maior capacidade de remanejamento. Especialistas costumam apontar a marca de R$ 84 bilhões como o mínimo necessário entre tais despesas para garantir o funcionamento da máquina pública, o que indica que só a manutenção do Bolsa Família em R$ 600,00 já enfrentaria dificuldades para ser acomodada.
Nos últimos dias, ganhava força na equipe de Lula a ideia de incluir na PEC dispositivo para retirar permanentemente o Bolsa Família dos cálculos para o teto de gastos. Desta forma, seria possível garantir um espaço de R$ 105 bilhões para outras despesas no Orçamento de 2023. A medida, contudo, passou a sofrer forte resistência no mercado financeiro, enquanto parlamentares pedem mais tempo para avaliar.
Nos bastidores, há um entendimento de que o recuo momentâneo pode abrir espaço para a apresentação de um texto mais enxuto, garantindo apenas a recomposição dos programas vistos como essenciais pelo mundo político. O movimento reduz a margem de manobra para a aprovação da PEC no parlamento, mas não elimina o objetivo de garantir maior espaço orçamentário a Lula no momento da posse.