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Ao custo de dezenas de bilhões de reais adicionais, o Auxílio Brasil de R$ 600 por mês deve ser mantido no próximo governo, a despeito da delicada situação fiscal do país. A avaliação é de cientistas políticos e economistas ouvidos pelo InfoMoney.
O benefício foi aumentado de R$ 400 para R$ 600 com a aprovação, em 13 de julho, da chamada PEC dos Auxílios, na Câmara. O texto estabelece que o valor maior será pago até dezembro deste ano.
Mas tanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quanto o atual presidente Jair Bolsonaro (PL), líderes das pesquisas de intenção de voto até então, já disseram publicamente que pretendem manter os R$ 600 em 2023.
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Para que isso aconteça, é preciso mudar a Constituição, com análise e aprovação do Congresso — votação em dois turnos no Senado e na Câmara dos Deputados. O texto será aprovado se obtiver três quintos dos votos dos deputados (308) e dos senadores (49).
“Dificilmente haveria, a meu ver, uma oposição para que esse valor [R$ 600 mensais] seja transformado em algo permanente”, diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas).
Isso porque uma negativa a essa proposta seria uma decisão impopular para os parlamentares, reduzindo a renda distribuída à população mais pobre em pleno início de uma nova gestão do país.
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“Haveria espaço fiscal para a manutenção do benefício social num contexto de planejamento, de redefinição de prioridades para o governo, por exemplo num contexto de uma reforma tributária que assinalasse quais seriam as fontes de financiamento desse programa, que deixariam de ser provisórias para serem permanentes”, completa Gonzalez.
Diferentemente da PEC dos Auxílios, que limita a duração do benefício maior e estabelece que ele seja pago via crédito extraordinário, que não precisa obedecer ao limite do teto de gastos, essa nova alteração na Constituição para tornar o valor perene muito provavelmente teria que obedecer à Lei de Responsabilidade Fiscal.
Assim, seria preciso encontrar alternativas para arcar com a conta social mais cara. “Nós sabemos que a inflação atual ajuda o governo, porque acaba aumentando a arrecadação nominal, e talvez ele possa trabalhar com isso”, avalia o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.
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A conta para manter o Auxílio Brasil permanente em R$ 600 por mês é cara: entre R$ 50 bilhões e R$ 60 bilhões ao ano, segundo o secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago. Para ele, eventual proposta nesse sentido seria um “desafio considerável” diante do aperto nas contas públicas do país.
O governo tem até o fim de agosto para apresentar o projeto de Orçamento de 2023. Colnago disse que a proposta deve ser elaborada sem a previsão do benefício de R$ 600, a despeito do que pretende o atual chefe do Executivo, o presidente Bolsonaro.
“O marco legal que temos hoje não nos apresenta os R$ 600 como obrigação para o próximo exercício, a obrigação que existe um marco legal é de R$ 400. Obviamente, vamos analisar se isso vier”, disse o secretário.
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Colnago citou a ampliação do bloqueio do Orçamento anunciado pelo governo para respeitar o teto de gastos, mas ponderou que não vê risco de “shutdown” da máquina pública — quando o corte de despesas chega a um nível que inviabiliza o funcionamento do Estado, de forma que ele não consegue mais desenvolver as atividades que deve oferecer à sociedade.
Enquanto isso, o governo central caminha para encerrar 2022 com um déficit primário próximo de zero ou um superávit, no que poderia ser o primeiro saldo positivo das contas federais após oito anos. Isso porque a arrecadação federal bateu recorde em sete dos últimos 12 meses.
Fim do teto
Mas os dias do teto de gastos podem estar contados. Principal âncora da política fiscal do país, o teto limita o crescimento das despesas do governo de um ano para o outro à inflação. Criado no governo de Michel Temer, foi visto como base para a retomada dos investimentos e da credibilidade das contas públicas. Mas só no atual governo, a regra já foi alterada cinco vezes.
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“Os mecanismos que existem para controle ou alternativas ao teto na verdade têm muito mais a ver com a criação de uma coalizão que inclua forças políticas favoráveis ou que possuam compromisso com a política fiscal mais austera. Os mecanismos que vão trazer uma política fiscal mais responsável não são os que estão escritos na Constituição”, diz Vitor Oliveira, cientista político e sócio-diretor da consultoria Pulso Público.
“A consequência de quem formulou essa política pública [do teto de gastos] é que ao colocar um tampão artificial e promover um aumento da disputa pelos recursos, que são escassos, explicitando os conflitos que estão postos no Orçamento, o Orçamento passou a ser mais facilmente capturado por quem tinha mais poder”, afirma Oliveira.
“E quem tinha mais poder era essa maioria que está circunstancialmente no Congresso, comandada neste momento pelo Lira [presidente da Câmara]. Em função dessa captura, aumentou a chance de se perpetuar, porque passou a utilizar frequentemente recursos que seriam carimbados para os ministérios de maneira alternativa”, completa.
Para o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Daniel Couri, a PEC dos Auxílios é mais um motivo para que o próximo presidente discuta a mudança no teto.
Ele destaca que a permanência do Auxílio Brasil em R$ 600 não cabe dentro do pouco espaço que existe hoje para as despesas que não são obrigatórias. Seria preciso cortar mais R$ 50 bilhões de gastos de outras áreas. “Na discussão da PEC, não vi ninguém questionado isso. O teto não foi um problema, o que mostra a sua fragilidade.”
Presidenciáveis
As campanhas dos candidatos à Presidência também já defendem mudanças no mecanismo — incluindo Lula e Bolsonaro. E o próprio Ministério da Economia já trabalha em projeções que consideram uma mudança no teto de gastos para permitir um crescimento real (acima da inflação) das despesas de 1,5%. O objetivo é abrir espaço fiscal a novos investimentos públicos.
Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Lula já avisou que vai revogar o teto de gastos. O economista Guilherme Mello, da Fundação Perseu Abramo e que colabora na elaboração do programa de governo do PT, diz que a discussão segue na linha de revogar o teto e construir um novo arcabouço fiscal para dar credibilidade e previsibilidade às contas públicas.
A proposta, segundo ele, é selecionar melhor os gastos, privilegiando os “de boa qualidade”. “Tudo isso segue vivo. A aprovação da PEC [dos Auxílios] demonstra a completa perda de credibilidade do arcabouço atual, e como ele deixou de cumprir as funções”, afirma Mello. “É uma regra (do teto) que não é respeitada.” Apesar das discussões, o PT ainda não divulgou os detalhes do seu plano para as contas públicas.
Das campanhas já na rua, a do ex-governador Ciro Gomes (PDT) é a que mais detalhou até agora os planos para mudar o teto de gastos. O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que trabalha no programa econômico de Ciro, afirma que a proposta é ter um teto para as despesas correntes do governo. Os gastos com investimento ficariam de fora.
Esse teto seria corrigido pela inflação mais metade do crescimento do PIB. “Se o PIB cresceu 2%, é inflação mais um 1%”, explica Benevides. Pela proposta, a evolução dos investimentos estaria vinculada às receitas. “É assim no mundo”, afirma o deputado, que já foi secretário de Fazenda do Ceará e implementou no Estado o teto para as despesas correntes. “O investimento não pode estar dentro do teto de gasto”, acrescenta.
Responsável pelo programa econômico de Simone Tebet, a economista Elena Landau defende a manutenção do teto de gastos caso a senadora do MDB vença as eleições. “O teto ainda existe, apesar de estar todo esburacado pelo próprio governo”, afirma.
“O teto nasceu para estancar a sangria do governo Dilma, e nisso ele funcionou. Ele é importante para que a sociedade entenda que é preciso fazer escolhas. Só que o governo e o Congresso vêm se recusando a fazer essas escolhas, dando um ‘jeitinho’ com a PEC dos Precatórios, a PEC Eleitoral [dos Auxílios] e o orçamento secreto”, diz.
Ela não descarta, no entanto, a possibilidade de antecipar a revisão do teto, prevista para 2026. “A depender do que o [o atual] governo deixar de herança para 2023, a gente pode ter de antecipar essa discussão. A ideia é manter o teto, e fazer com que ele seja respeitado novamente. Agora, se não for o teto, que seja alguma âncora de despesas públicas”, afirma a economista.
Landau também defende a recriação do Ministério de Planejamento e Orçamento. “Você só consegue ter o Orçamento sequestrado da maneira que foi porque o governo não tem planejamento, e aí vai criando puxadinhos.”
(Com Estadão Conteúdo e Reuters)