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A primeira audiência pública sobre reforma tributária das oito previstas no plano de trabalho do relator da matéria no Senado Federal, Eduardo Braga (MDB-AM), tratou de temas como os regimes diferenciados e a necessidade de adequação de um novo sistema à realidade brasileira.
Foram convidados o secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy; o presidente da Instituição Fiscal Independente (IFI), Marcus Pestana; e o secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento e Orçamento, Sérgio Pinheiro Firpo.
Também participaram o professor de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) Heleno Torres; a professora de Direito Tributário na Universidade de Leeds (Reino Unido); e especialista em Imposto sobre Valor Agregado (IVA), Rita de La Feria; e o ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel.
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O encontro iniciou durante a tarde, e teve aproximadamente cinco horas de duração, e os participantes lembraram que há atualmente 27 regimes de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) vigentes, o que representa um custo elevado ao poder público e também ao setor privado, que se se organiza de maneira pouco eficiente, sob o ponto de vista produtivo.
Sérgio Firpo abriu a sessão apresentando um estudo sobre os custos associados a exceções relacionadas à desoneração dos produtos da cesta básica. Segundo ele, enquanto os 20% mais ricos gastam 10% da renda com alimentos, os 20% mais pobres gastam 25%.
“A reforma traz ganhos mais claros sobre eficiência econômica do que ganhos redistributivos. Lembrando que temos uma estrutura tributária que onera sobremaneira o consumo. Os mais pobres são mais onerados”, argumentou.
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Firpo demonstrou que, de acordo com simulações usando modelos matemáticos, reonerar e reduzir a alíquota de PIS/Cofins significaria em um aumento de preços em 10% sem impactos negativos sobre atividade econômica. Dessa forma, para não afetar o bem-estar dos mais pobres, seria necessário compensação direta de renda, que poderia ocorrer pelo mecanismo de ‘cashback‘.
Atualmente, produtos da cesta básica são isentos de tributos federais e obedecem a diferentes regimes em cada estado. Ainda assim, a versão do texto da reforma tributária aprovada pelos deputados em julho, e que se encontra no Senado, cria uma “Cesta Básica Nacional de Alimentos”, com objetivo de assegurar o direito à alimentação.
“Se você quer baixar o preço dos alimentos para os mais pobres, você não precisa baixar o preço dos alimentos para todos, inclusive para os mais ricos”, afirmou.
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“Existem mecanismos como devolução de impostos, que possibilitam que haja um ressarcimento para os mais pobres, com maior focalização”, explicou.
A professora Rita de La Feria, especialista em direito fiscal, defendeu que o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) seja debatido a partir das circunstâncias socioeconômicas do país. Ela considera que as exceções dentro de um regime fiscal são um erro porque não obedecem critérios técnicos, e citou um relatório em que o governo holandês conclui que a adoção de alíquotas reduzidas no passado não atingiu o objetivo de beneficiar a parcela mais pobre da população.
“Não há hoje nenhuma razão técnica para alíquotas reduzidas. Na Europa, isso acontece por razões políticas. A melhor prática para encorajar o consumo é por meio de despesas e não por meio de gastos tributários. Se menos pagam, os que pagam tem que pagar mais”, pontuou.
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Segundo La Feria, independentemente da condição econômica do país, a lista de produtos beneficiados por alíquotas menores tende a aumentar, já que, ao longo do tempo, é natural que outros setores, ao enxergar uma vantagem competitiva, se organizem para pressionar o governo.
Antes da fala da participante estrangeira, o professor Direito Financeiro da Universidade de São Paulo (USP) Heleno Torres Heleno Torres, da USP, chamou atenção para os aspectos particulares da legislação brasileira, e defendeu que o texto constitucional não tem espaço para inclusão de alíquotas. Torres chamou atenção para o fato de que caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) a resolução de conflitos envolvendo eventuais diferenças de interpretação, e por isso a concretização do tributo dever ocorrer com o trabalho de coordenação de leis complementares.
“É preciso deixar claro que o Brasil tem um modelo constitucional, um modelo de sistema tributário que não conta com paralelo em qualquer outro país. Não há outro país que traga o sistema tributário inteiro na constituição”, frisou.
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“O tema central, que é a alíquota, é impossível de ser atendido por alguns motivos fundamentais. Só lei posterior vai poder indicar alíquota zero ou alíquota padrão. O imposto seletivo só será estabelecido em 2024 ou 2025. Ele é redutor do IVA. A concepção era cigarro e bebida, mas o Parlamento é que vai decidir, há uma porta aberta”, enumerou o presidente da Instituição Fiscal Independente (IFI), Marcus Pestana, que também participou da audiência.
Licença para tributar?
O ex-secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, afirmou que a reforma não garante por si só uma melhora no sistema tributário. Segundo ele, a falta de uma lei para estabelecer condições para concessão e revogação de benefícios criou o ambiente de guerra fiscal entre os estados, que tem se expandido desde os anos 90. No início de sua fala ele disse quer faria um contraponto aos outros participantes.
Segundo Maciel, considerados altamente burocráticos tendem a confundir o entendimento sobre o sistema tributário atual, e colaboram para que a opinião pública considere a realidade tributária do país como algo pior do que ele de fato é. Ele também criticou a possível criação de um imposto seletivo, que segundo ele seria uma “licença para tributar”, porque “dá uma abertura completa e imprevisível”.
“O nosso processo tributário favorece o litígio. São 40 dispositivos a serem regulamentados. O capítulo tributação da constituição de 1988 tem duas vezes o número de palavras que a constituição de 967. E agora, chegaria a três vezes mais”, questionou.
O argumento foi rebatido pelo secretário extraordinário da Fazenda, Bernard Appy, que também participou da audiência. Segundo ele, a indústria é o setor mais prejudicado pelo sistema atual, e uma mudança poderá beneficiar inclusive empresas prestadoras de serviço. Atualmente, empresas no meio da cadeia não transferem crédito para o tomador de serviços. Uma mudança nesse critério significaria em uma redução para quem toma o serviço.
“Complexidade gera litígio. Definição do que dá e do que não dá crédito no âmbito do ICMS e do PIS/Cofins gera litígio, que tem custo para as empresas e para o governo, gerando insegurança jurídica que afeta o crescimento”, afirmou.
“Há tributos pagos ao longo da cadeia que não são recuperados. Isso faz o país tributar investimento e exportações, produção nacional mais do que importado acaba tendo efeito muito negativo sobre o crescimento”, destacou.
O secretário extraordinário reiterou que o aporte que chegará ao montante de R$ 40 bilhões anuais pela União para o Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR) na reforma tributária será suficiente. Ele defendeu que o novo modelo terá efeito positivo para os Estados menos desenvolvidos.
“(Os R$ 40 bilhões) serão suficientes. Acho que esse novo modelo terá efeito muito positivo para estados menos desenvolvidos. Todos os Estados dão benefícios fiscais, dos mais pobres aos mais ricos. Com o Fundo, os Estados terão recursos orçamentários para investir no que gera mais emprego e renda”, disse Appy.
Dando seguimento às audiências, na quarta-feira (23), participam de uma outra audiência representantes do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Confederação Nacional de Bens, Serviços e Turismo. Entre os pontos que devem ser abordados está o tratamento diferenciado proposto a serviços de hotelaria, parques de diversões e aviação regional, incluído no texto que passou pela Câmara.
(Com Agência Estado)