Para a PF, mensagens indicam que Bolsonaro sabia da venda de joias de R$ 6,8 milhões

As informações constam do relatório da corporação que serviu de base para o indiciamento, pela PF, de Bolsonaro e de outras 11 pessoas no caso. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, retirou sigilo do documento

Fábio Matos

O ex-presidente Jair Bolsonaro em 04/10/2022
(Foto: Adriano Machado/Reuters)
O ex-presidente Jair Bolsonaro em 04/10/2022 (Foto: Adriano Machado/Reuters)

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De acordo com o relatório da Polícia Federal (PF) que trata da investigação da suposta venda de joias presenteadas pela Arábia Saudita e recebidas pelo governo brasileiro durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), o ex-presidente da República tinha conhecimento da tentativa de leiloar as peças fora do país.

A apuração da PF investiga o suposto desvio ou a tentativa de desvio de bens recebidos pelo governo do Brasil, com valor de mercado de cerca de R$ 6,8 milhões.

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As informações constam do relatório da corporação que serviu de base para o indiciamento, pela PF, de Bolsonaro e de outras 11 pessoas no caso. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu retirar o sigilo do documento, na segunda-feira (8).

Segundo a PF, o principal indício de que Bolsonaro sabia da operação é uma troca de mensagens entre o então presidente e o tenente-coronel Mauro Cid, que era seu ajudante de ordens e também foi indiciado.

Na mensagem em questão, Cid encaminha um link com informações a respeito de um leilão, e Bolsonaro responde: “Selva”. De acordo com os policiais, o termo é uma saudação tradicional no Exército e significa concordância ou anuência – algo como um “ok” ou um “tudo certo”.

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Ainda segundo a investigação da PF, foram encontrados, no celular de Bolsonaro, históricos de navegação na página da empresa Fortuna Auction, responsável pelo leilão, o que corrobora a tese de que o ex-presidente sabia da tentativa de venda das joias.

“Esta sequência apresentada: primeiro, o envio de link do leilão por Mauro Cid; segundo, o registro de acesso à página por meio de histórico e cookies por Jair Bolsonaro, em seu aparelho telefônico; e terceiro, a utilização da expressão ‘Selva’, reforçam a utilização deste jargão para confirmar a ciência, do ex-presidente, de que o kit ouro rosé fora exposto a leilão”, diz o relatório da PF.

De acordo com os policiais, o “kit ouro rosé” seria composto por um conjunto de itens da marca Chopard, que inclui caneta, anel, um par de abotoaduras, um rosário árabe e um relógio. Os itens teriam sido recebidos pelo então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, após uma viagem à Arábia Saudita, em 2021.

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Ainda segundo a PF, o kit de joias teria sido levado do Brasil aos Estados Unidos, no fim de dezembro de 2022 – nos últimos dias do mandato de Bolsonaro na Presidência da República –, transportado pelo avião oficial do governo brasileiro. Os itens teriam sido submetidos à venda em um leilão nos EUA.

No relatório, os policiais afirmam que o kit não foi arrematado no leilão. Mauro Cid, então, teria encaminhado mensagens para a empresa responsável pelo certame perguntando se as joias poderiam fazer parte da próxima rodada de vendas.

No dia 13 de fevereiro de 2024, de acordo com a PF, Cid enviou um e-mail à empresa informando que o proprietário das joias havia mudado de ideia e gostaria que os itens fossem devolvidos.

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Os policiais alegam que, àquela altura, o grupo estaria tentando fazer com que as joias retornassem ao Brasil e fossem encaminhadas ao endereço no qual Bolsonaro e ex-assessores estavam hospedados em Orlando, na Flórida – o que, de fato, ocorreu.

A investigação realizada pela PF menciona, ainda, um depoimento de Mauro Lourena Cid, pai de Mauro Cid, no qual ele diz ter entregado US$ 68 mil a Bolsonaro, de forma fracionada, pela venda de relógios recebidos pelo ex-presidente durante o mandato.

“O declarante disse que Mauro Cid relatou posteriormente que se tratava da venda de relógios de propriedade do então presidente Jair Bolsonaro. Ao ser questionado como se deu os repasses dos valores, Lourena Cid afirmou que os valores foram repassados de forma fracionada conforme a disponibilidade de encontros com o ex-presidente”, afirma a PF.

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“Associação criminosa”

Segundo o relatório, ficou configurada “uma associação criminosa voltada para a prática de desvio de presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República Jair Bolsonaro e/ou por comitivas do governo brasileiro, que estavam atuando em seu nome, em viagens internacionais”.

Para os policiais, os valores correspondentes às vendas dos itens teriam sido convertidos em dinheiro em espécie e transferidos para o patrimônio pessoal de Bolsonaro, sem que fosse utilizado o sistema bancário formal, “com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”.

A PF aponta indícios de que “os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro” retornaram para o patrimônio de Bolsonaro por meio de lavagem de dinheiro, enquanto ele estava hospedado nos EUA.

“A utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”, conclui a PF.

Bolsonaro é suspeito de ter praticado os crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato/apropriação de bem público. As penas variam de 1 a 12 anos de reclusão.

O relatório da PF foi encaminhado, pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, à Procuradoria-Geral da República (PGR), que decidirá se Bolsonaro e os 11 indiciados serão alvos de denúncia. Caso isso ocorra, caberá ao STF decidir se o ex-presidente se tornará réu.

O que diz Bolsonaro

Na segunda-feira (8), Jair Bolsonaro se manifestou sobre o caso e ironizou o erro inicial da PF a respeito dos valores do suposto desvio do dinheiro das joias. Originalmente, o relatório falava em R$ 25 milhões, mas o valor foi corrigido para R$ 6,8 milhões.

Os advogados de Bolsonaro, por sua vez, informaram que o ex-presidente não tinha “qualquer ingerência” sobre os presentes recebidos pelo governo brasileiro durante as viagens oficiais.

“Todos os ex-presidentes da República tiveram seus presentes analisados, catalogados e com sua destinação definida pelo GADH, que, é bem de se ver, sempre se valeu dos mesmos critérios empregados em relação aos bens objeto deste insólito inquérito, que, estranhamente, volta-se só e somente ao governo Bolsonaro, ignorando situações idênticas havidas em governos anteriores” diz a defesa do ex-presidente.

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Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”