Pacheco propõe renegociação da dívida de Estados com venda de ativos e investimentos

Texto abre caminhos para novo acordo entre entres e União e possibilita redução do indexador, atualmente fixado em IPCA +4%

Marcos Mortari

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)
Rodrigo Pacheco, presidente do Senado (Foto: Lula Marques/Agência Brasil)

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O presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), protocolou, nesta terça-feira (9), projeto de lei complementar sobre a renegociação da dívida dos Estados e do Distrito Federal com a União. O texto vem após uma série de conversas com governadores e integrantes da equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e incorpora alguns elementos do modelo original do Poder Executivo.

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Pelo projeto, fica instituído o Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag), com o objetivo de “apoiar a recuperação fiscal” dos entes subnacionais e ” criar condições estruturais de incremento de produtividade, enfrentamento das mudanças climáticas, melhoria da infraestrutura, segurança pública e educação”.

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Atualmente, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás lideram a lista dos maiores devedores da União. Somada, a dívida de todos os entes é estimada em R$ 764,9 bilhões, o que tem reduzido sua capacidade de investimento.

O texto defendido pelo senador prevê que os Estados que possuírem dívidas com a União poderão aderir ao programa até 31 de dezembro de 2024, com algumas etapas previstas. O projeto reúne dois eixos principais: a possibilidade de os estados usarem seus ativos para o abatimento da dívida e a mudança do indexador que corrige essa dívida. Segundo Pacheco, o senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), que atualmente preside a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da casa legislativa, será convidado para relatar a matéria, que deve ser votada em plenário antes do recesso parlamentar.

“O projeto é um ponto inicial, não tem a audácia de ser um texto definitivo. Naturalmente [o Ministério da] Fazenda e o governo federal farão suas ponderações, porque nem tudo que sugeriram está inserido [no projeto]. Governadores também vão debater. É um texto com o mínimo de consenso, preservando os interesses dos endividados, da Fazenda Pública, exigindo contrapartidas e garantindo que o proveito do pagamento da dívida se dê em todos os estados”, disse Pacheco em entrevista coletiva.

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Pelo projeto apresentado, no período entre a data base e o prazo limite para a entrada, o ente poderá efetuar o pagamento da dívida (considerando acréscimos legais relativos a multas de ofício, juros moratórios e compensatórios e demais encargos) por meio de 6 instrumentos distintos. São eles:

1) Transferência em moeda corrente à Conta Única do Tesouro Nacional, a título de amortização extraordinária do saldo devedor;

2) Transferência de participações societárias em empresas de propriedade do Estado para a União (desde que a operação seja autorizada mediante lei específica das partes);

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3) Transferência de bens móveis ou imóveis do Estado para a União (desde que haja manifestação de aceite por ambas as partes e a operação seja autorizada mediante lei específica do ente subnacional);

4) Cessão de créditos líquidos e certos do Estado para com o setor privado (desde que previamente aceitos pela União);

5) Transferência de créditos do Estado junto à União (desde que reconhecidos por ambas as partes);

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6) Cessão de créditos inscritos na Dívida Ativa da Fazenda Estadual para a União (neste caso, o valor considerado para amortização da dívida será o valor atualizado dos créditos com ou sem deságio, negociado entre as partes, e o montante líquido de deságio não poderá superar o limite de 10% do apurado na dívida total do ente); e

7) Cessão de outros ativos que, em comum acordo entre as partes (e a valor justo, levando em conta a conveniência e oportunidade da operação para as partes), possam ser utilizados para pagamento das dívidas.

Para os casos de transferências de ativos, o ente precisa comunicar a União sobre a intenção e propor condições. A partir desta data, as partes têm até 120 dias para negociar os termos e divulgar acordo de transferência, fixando condições de transferência e valor do ativo. O texto também autoriza que, havendo acordo mas ainda pendente de aprovação de leis autorizativas, as partes assinem, até 31 de dezembro de 2024, aditivo contratual com a redução da dívida consolidada, sob condição resolutiva.

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O texto determina que os valores da dívida serão refinanciados em até 360 meses, com a primeira parcela vencendo no quinto dia útil do mês subsequente à assinatura do aditivo contratual. As parcelas serão calculadas com base na tabela price, de forma a garantir a quitação da dívida e o aditivo terá duração inferior ao previsto caso o valor calculado seja inferior ao mínimo de R$ 10 milhões.

A taxa de juros de partida adotada no aditivo será equivalente à variação mensal do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), acrescido de 4% ao ano − a mesma hoje praticada, mas que poderá cair. O Estado que realizar redução em no mínimo 10% da dívida apurada terá um desconto na taxa, que passará a ser de IPCA +3%. Já aquele que diminuir a dívida em 20%, será cobrado com uma taxa de IPCA +2%.

Os valores equivalentes a 1 ponto percentual da parte que exceder o IPCA nos juros das parcelas dos aditivos será destinada a um Fundo de Equalização Federativa, em favor dos Estados, com o objetivo de criar condições estruturais de incremento de produtividade, enfrentamento das mudanças climáticas, melhoria da infraestrutura, segurança pública e educação.

O instrumento terá natureza privada e patrimônio próprio separado do patrimônio dos cotistas e da instituição administradora e será sujeito a direitos e obrigações próprios. E os recursos deverão ser distribuídos anualmente entre os Estados, de acordo com critérios definidos em regulamento, respeitada a diferença máxima de 3 vezes entre os menores e maiores valores distribuídos para cada ente, e utilizados para o incremento de investimentos em áreas sensíveis, como educação, segurança pública e infraestrutura. Será vedado o uso do fundo para pagamento de despesas com pessoal ativo ou inativo.

Pelos cálculos apontados por Pacheco, o fundo seria criado com aproximadamente R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões, considerando 1% do montante atual da dívida — avaliada entre R$ 700 bilhões e R$ 800 bilhões.

Descontos por investimentos focalizados

Pelo texto, após o direcionamento dos recursos para o fundo, a parte dos juros que exceder o IPCA nas parcelas dos aditivos poderá ser revertida integralmente para o investimento no próprio Estado em educação profissional técnica de nível médio, investimentos em infraestrutura para universalização do ensino infantil e educação em tempo integral, e em ações de infraestrutura de saneamento, habitação, adaptação às mudanças climáticas, transportes ou segurança pública. O que na prática resultará na diminuição dos valores pagos a título de juros para a União.

Para isso, é necessário seguir critérios. O regulamento fixará metas anuais de desempenho da educação profissional técnica de nível médio para os Estados optantes pelo Propag, que não poderão ser superiores àquelas do Plano Nacional de Educação. Pelo texto, enquanto os objetivos não forem alcançados, pelo menos 60% dos recursos serão obrigatoriamente aplicados na educação profissional técnica de ensino médio. Uma vez atingido, os recursos terão aplicação livre nas modalidades indicadas.

Os investimentos referidos poderão contemplar obras e aquisição de equipamentos e material permanente, incluídos sistemas de informação, sendo vedada a utilização dos recursos para pagamentos de despesas correntes ou de pessoal de qualquer natureza.

“Então, o que o projeto diz? Que dos 4% de juros, além do IPCA de correção monetária, 1% pode ser perdoado se o estado entregar como pagamento e amortização os seus ativos num montante de 10% a 20% do valor da dívida, e aí teria um abatimento de 1% sobre o juro do estoque [da dívida]. E se entregar 20% a mais de ativos para o pagamento da dívida, teria um abatimento de 2% desses juros de 4%, ou seja, um abatimento e um perdão mesmo de 50% do valor do juros, que cairia de 4% para 2%. E desses 2% remanescentes, 1% poderia ser revertido em investimentos no próprio estado, especialmente em educação e ensino profissionalizante, mas também em infraestrutura e segurança pública, em investimento — e não em custeio. E 1% desses 4% dos juros seriam revertidos para um fundo de equalização, também concebido no projeto, em atendimento a todos os estados da federação, não só esses endividados, mas todas as unidades da federação, inclusive o Distrito Federal”, explicou Pacheco.

Segundo o senador, um dos pontos de discordância com o Ministério da Fazenda foi a destinação dos investimentos. Segundo ele, a “União tem de compreender que ela deve dar as diretrizes e que o maior efeito do não cumprimento pelo estado será a exclusão do programa, o que geraria muitos malefícios” ao estado.

“O governo federal tinha uma pretensão de ser mais severo na aplicação desses investimentos no próprio estado, exigindo um percentual maior para o ensino profissionalizante, por exemplo. Mas há estados que eventualmente podem demonstrar o cumprimento da meta de ensino profissionalizante e podem querer migrar esse recurso para investimentos em infraestrutura ou para investimentos em segurança pública, investimentos em saúde. Então essa maleabilidade para poder investir é importante. Obviamente, investimento mesmo, que não seja custeio de pessoal ou aumento de folha”, disse.

(com Agência Senado)

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.