Os obstáculos à PEC dos Precatórios, plano de Bolsonaro para criar o Auxílio Brasil, na Câmara dos Deputados

Governo corre contra o relógio para abrir espaço para lançar programa de R$ 400,00 a 17 milhões de famílias, mas tropeça em resistências e quórum baixo

Marcos Mortari

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), faz pronunciamento durante sessão no plenário (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)
O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), faz pronunciamento durante sessão no plenário (Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados)

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SÃO PAULO – Diante da resistência da oposição e de parlamentares do “centro” e um quórum baixo, líderes partidários aliados ao governo federal e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiram adiar a votação da Proposta de Emenda à Constituição dos Precatórios (PEC 23/2021).

O deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na casa legislativa, informou, nesta quinta-feira (28), que a PEC será votada na próxima quarta-feira (4), logo após o feriado de Finados, de forma presencial no plenário.

“Mobilizamos os parlamentares para estar em Brasília. Esta é a solução. Prorrogação de auxílio emergencial ou decreto de calamidade são meras especulações. Temos votos e vamos aprovar”, afirmou em sua conta no Twitter.

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A ideia inicial de Arthur Lira era que o texto fosse votado na última terça-feira (26), mas só foi possível avançar com a derrubada de instrumentos do chamado “kit obstrução” lançado por deputados da oposição e encerrar o período de discussões sobre a matéria em plenário.

Nas palavras dele, o prazo para aprovação da PEC para viabilizar os pagamentos do benefício social está estourado. “O prazo máximo já foi, estamos já na reserva morta”, disse. O parlamentar ainda não decidiu se participa da COP26 em Glasgow, na Escócia, na próxima semana.

O texto é considerado fundamental para abrir espaço fiscal para a execução do Auxílio Brasil ‒ programa de transferência de renda que o governo quer criar para substituir o Bolsa Família ‒ mas colocou no campo contrário partidos de variados matizes ideológicos, do PSOL ao Novo.

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O parecer em discussão, de autoria do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), abre espaço fiscal superior a R$ 80 bilhões no Orçamento de 2022, a partir da limitação do pagamento de precatórios ‒ que são dívidas judiciais do poder público sem possibilidade de novos recursos ‒ e de uma mudança na metodologia do teto de gastos.

Para parlamentares fiscalistas, o desenho sugerido põe em xeque a credibilidade fiscal do país, por alterar a principal regra em vigor sem uma justificativa entendida como plausível pelos agentes econômicos, que veem uma motivação claramente eleitoreira na ação.

“Gostaria que fosse perguntado aos credores se concordam que seus pagamentos sejam feitos de forma ainda mais parcelada, com a Selic, que rende menos que a inflação. Também gostaria de perguntar aos brasileiros se vão gostar e querem pagar essa diferença que o Estado vai contrair de dívida. Estão colocando esse espaço com um aumento artificial do teto de gastos. É um malabarismo enorme para o governo gastar mais na conta do brasileiro”, afirmou o deputado Gilson Marques (SC), vice-líder do Novo.

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“Por que existe o teto de gastos e a regra de ouro? Para estabelecer um limite de gastos aos governantes, para que eles não sejam pródigos. Quanto mais recurso o governo e os políticos têm, menos recursos têm as pessoas. A partir do momento em que quebramos as duas regras, geramos desconfiança, o governo passa a ser não confiável. Não confiável, não tem investimento, não tem empresa, não tem emprego, baixa o salário, aumenta a inflação. Não tem como isso ser bom para a população brasileira”, complementou.

Já o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG) comparou o movimento do governo à política econômica do governo Dilma Rousseff (PT). “O que nós temos agora é um novo Arno Augustin [ex-secretário do Tesouro Nacional] no Ministério da Economia. Não é mais um Governo — já não é há muito tempo, nunca foi — que parece se preocupar com a responsabilidade fiscal”, criticou.

Para o deputado, a PEC dos Precatórios praticamente “acaba com o teto de gastos” e “joga fora” a responsabilidade fiscal do país. Ele também questiona para onde vão todos os recursos que a medida abre de espaço fiscal no ano que vem, já que menos da metade deverá ser de fato consumida pelo novo Auxílio Brasil.

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“Estamos jogando para a população brasileira pagar dívida de R$ 90 bilhões a R$ 95 bilhões. É três vezes mais do que o Bolsa Família o que a população mais pobre vai receber? Não. Vejam só: o Auxílio Brasil só custa a metade do que está sendo aberto aqui com esta PEC dos Precatórios, com a PEC fura-teto. Então, aonde vai o resto do dinheiro?”, questionou.

“Apenas metade vai para o Auxílio Brasil, porque R$ 16 bilhões vão para as emendas do relator, o que sabemos que é compra de voto feita pelo governo. R$ 3 bilhões vão para o Fundão Eleitoral, que sabemos de que forma é gasto. Também vai haver, obviamente, um subsidiozinho para os caminhoneiros”, completou.

Já a oposição argumenta que o pagamento de precatórios não poderia ser parcelado, já que se trata de direito adquirido dos credores ‒ sendo boa parte deles servidores públicos. O substitutivo abre a possibilidade de os detentores de dívidas não contemplados em determinado exercício receberem os valores integrais, mas desde que aceitem renunciar 40% dos valores.

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“A primeira coisa a se esclarecer é quem são esses credores. São grandes empresas? São milionários? São grandes credores? Não. Às vezes, parece que há aqui uma briga do tostão contra o milhão ou uma briga de Davi contra Golias. Estamos jogando as pessoas que não têm recurso contra aqueles que também não têm. Nós estamos falando de aposentados, pensionistas, trabalhadores da educação que estão na periferia deste País, que estão nos municípios do Norte e do Nordeste”, disse a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ).

“Além disso, para se cobrir o chamado Auxílio Brasil, como já disseram aqui, são R$ 30 bilhões. O resto vai para onde? Ninguém explicou”, continuou a parlamentar, que também acredita que a medida geraria um “confronto entre os Poderes”, já que relativizaria o pagamento de dívidas determinadas pelo próprio Judiciário.

“Dá-se um calote violento, que vai transformar tudo isso numa bola de neve. O que estão fazendo? Estão criando um teto para o pagamento dos precatórios no próximo ano, um teto que vai dar uma sobra, vai dar um espaço fiscal. Eles vão deixar de pagar R$ 50 bilhões. Esses R$ 50 bilhões não serão pagos no ano que vem; ficarão, portanto, para o próximo ano, 2023. Vamos imaginar que os valores sejam os mesmos: você vai somar R$ 50 bilhões a R$ 50 bilhões que deixarão de ser pagos em 2023. Aí, você já tem R$ 100 bilhões de reais e, assim, vai criando uma bola de neve e não consegue pagar nunca mais aquilo que deve à população brasileira”, criticou o deputado Bira do Pindaré (PSB-MA).

A PEC também é alvo de forte mobilização das bancadas ligadas a professores, que alertam para os impactos sobre recursos de precatórios do antigo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que deu origem ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), principal veículo de financiamento da educação básica no país. Caso a proposta seja aprovada nos atuais termos, professores alegam que não receberão em 2022 cerca de 60% do valor devido pela União e reconhecido pela Justiça.

“As ações de precatórios do Fundef decorrem do não pagamento de aproximadamente R$ 100 bilhões que a União deixou de repassar a vários Estados e Municípios entre 1997 e 2006. Entre 2022 e 2023, a Educação possui, através de diferentes entes federativos, mais de R$ 30 bilhões de precatórios. Só para as redes estaduais estão empenhados R$ 26 bilhões, só para as redes estaduais, com destaque para a Bahia, com R$ 8,8 milhões. Então, a PEC dos Precatórios vai tirar dinheiro da Educação, sim”, argumentou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).

“Nós não vamos perdoar nunca quem votar a favor dessa PEC. Nós professores e os sindicatos inteiros do Brasil, especialmente do Norte e Nordeste, a partir de agora, vamos denunciar um por um os deputados que votarem contra a educação. Vão retirar, sim, dinheiro da educação. E vão retirar no momento mais difícil, que é o momento de recuperação da aprendizagem na pandemia. Os sindicatos vão denunciar nominalmente um por um”, disse o deputado Idilvan Alencar (PDT-CE).

Outra trincheira dos opositores à PEC reside nos valores que governadores e prefeitos detentores de dívidas judiciais do governo federal podem deixar de receber com a mudança da regra, em 2022.

Estados e municípios são os principais credores dos chamados “superprecatórios” ‒ aqueles com valor acima de R$ 66 milhões. Segundo dados da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), os entes subnacionais detêm quase 60% deste tipo de dívida, somando R$ 17,8 bilhões em um total de 49 precatórios com valor acumulado de R$ 29,9 bilhões.

Os três principais beneficiados com o reconhecimento dos precatórios do Fundef são os estados da Bahia, de Pernambuco e do Ceará, com respectivos valores a receber de R$ 8,8 bilhões, R$ 3,9 bilhões e R$ 2,7 bilhões. Aos três governos não interessa o avanço da PEC e a pressão sobre os parlamentares pode crescer caso o texto avance para o Senado Federal.

“Como se não bastasse o calote, vem a chantagem! Agora, o nosso Estado da Bahia não pode perder 10 bilhões de reais porque o Governo Bolsonaro quer fazer seu esqueminha para se eleger na base dos Estados. Está errado!”, criticou o deputado Zé Neto (PT-BA).

“A Bahia tem o maior número de pobres deste país e não pode perder esses recursos. Quem votar contra e for da Bahia, pode escrever que não vai ficar de graça. Isso está errado”, disse.

O relator Hugo Motta tenta desfazer a narrativa de perda de recursos para a Educação e os entes nacionais como forma de evitar a construção de resistência sólida a inviabilizar a aprovação da PEC na Câmara dos Deputados. O governo corre contra o relógio para aprovar a matéria e liberar o novo programa ainda neste ano, já que a lei eleitoral impede a criação do benefício em 2022.

“Vejo com muita dificuldade os partidos de oposição, que têm uma defesa histórica desses programas sociais, estarem votando contra a distribuição de um auxílio no valor de R$ 400,00 para 17 milhões de famílias. Narrativas falaciosas estão sendo criadas, no âmbito da discussão do plenário. Eu respeito essas narrativas, mas vejo que eles terão muita dificuldade de ficar contra essas pessoas que estão precisando tanto dessa votação no Congresso Nacional”, disse em entrevista à CNN Brasil.

Fora da guerra de narrativas, o Palácio do Planalto enfrenta dificuldades para reunir sua base aliada. A sessão de ontem (27) marcou a volta aos trabalhos presenciais na Câmara dos Deputados, o que deve criar problemas adicionais para atingir bons níveis de quórum para votação. Vale lembrar que, por se tratar de PEC, é necessário apoio de pelo menos 3/5 dos deputados (ou seja, 308 dos 513) em dois turnos de votação.

Nas votações de requerimentos de retirada de pauta e quebra de interstício para acelerar a tramitação da matéria, o governo não conseguiu passar dos 256 votos em um quórum que mal chegou a 450 parlamentares ‒ governistas estimam margem de segurança com 490 votantes no plenário. Conseguir mobilizar parlamentares na semana de feriado será um desafio maior para os articuladores políticos do Poder Executivo.

Embora as duas votações não tenham tratado do mérito da proposta, elas podem funcionar como um termômetro do plenário e indicar os principais focos de resistência na casa legislativa. Um dos claros sinais de dificuldades para o governo foi dado pelo MDB, que entregou apenas 8 votos contra a retirada de pauta e 3 pela quebra de interstício. A bancada tem 34 representantes. O PTB, de Roberto Jefferson, entregou apenas 4 e 2 votos, respectivamente, de 10 possíveis.

Das siglas do chamado “centrão”, mais alinhadas com o governo, PL (43 deputados) e DEM (27 deputados) chamaram atenção pelas mais elevadas taxas de abstenção nas votações, na casa de 30% a 40%. Dada a exigência de quórum de PEC, a manutenção da postura tem alto potencial de comprometer os resultados desejados pelo governo.

Por outro lado, a oposição, apesar de ter fechado questão contra o texto, teve 10 representantes de PSB e PDT acompanhando a orientação do governo federal.

Arthur Lira diz que, para quebrar resistências ao texto, buscará manter diálogo com os partidos de oposição. “Sempre pode haver ajuste (no substitutivo da PEC)“, disse após uma série de reuniões com ministros do governo e lideranças da Câmara dos Deputados.

Um dos obstáculos para ajustes no texto, contudo, consiste no fato de nenhuma das emendas propostas por deputados federais ao texto ter alcançado o mínimo de 171 assinaturas necessárias para serem protocoladas.

Isso reduz o espaço de manobra sobre o relatório após a aprovação em comissão especial, o que lança dúvidas sobre a possibilidade de qualquer tentativa de concessão no caso do Fundef.

O que está em jogo?

O texto, aprovado em comissão especial na semana passada, abre espaço superior a R$ 80 bilhões para o governo federal no Orçamento de 2022. O movimento é tratado como fundamental para viabilizar o novo programa Auxílio Brasil.

A ideia do governo é aplicar um reajuste de 20% sobre todas as faixas de famílias beneficiárias do Bolsa Família, que passarão de 14,7 milhões para cerca de 17 milhões até o fim do ano, e garantir que nenhuma delas receba menos de R$ 400,00 mensais até dezembro de 2022. Para isso, o programa será somado a uma espécie de “benefício transitório”.

O substitutivo em análise pelos deputados, de um lado, estabelece uma trava para o pagamento de dívidas judiciais sem possibilidade de recurso, baseada na própria regra do teto de gastos, que limita o crescimento das despesas públicas à inflação do ano anterior. Apenas esta mudança garantiria espaço estimado em R$ 50 bilhões para o Orçamento de 2022.

Do outro lado, o texto revoga dispositivo do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal e antecipa a revisão da metodologia do teto de gastos ‒ inicialmente prevista apenas para 2026, quando a regra fiscal completaria dez anos de vigência.

Hoje, o teto permite a atualização dos gastos públicos pela inflação, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), acumulada em 12 meses até junho do ano anterior.

Ou seja, se a regra fosse mantida, a correção de 2022 levaria em conta a variação dos preços entre julho de 2020 e junho de 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o indicador acumulou alta de 8,35% no período. O que faria com que o limite para as despesas fosse para R$ 1,609 trilhão no ano que vem.

O novo texto em discussão muda o período de aferição da inflação que ajusta a regra fiscal. Pela versão aprovada em comissão especial, a janela observada passaria a ser de 12 meses encerrados em dezembro do ano anterior ao exercício. E ainda: os novos valores seriam determinados por ajuste retroativo de toda a regra desde sua criação, em 2016.

Na prática, isso faria com que o teto de gastos saltasse de R$ 1,609 trilhão para cerca de R$ 1,644 trilhão (diferença de R$ 35 bilhões) em 2022, considerando as projeções mais recentes da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Economia para a inflação.

Conforme divulgado no Boletim Macrofiscal de setembro, a pasta estima que o IPCA encerre o ano com alta acumulada de 7,90%. O número, porém, é muito abaixo do que estimam casas de análise do mercado financeiro ‒ o que pode tornar a folga no Orçamento ainda maior.

Considerando as projeções que constam no último Relatório Focus divulgado pelo Banco Central, que indicaram IPCA a 8,96% ao final de 2021, o governo poderia ter um “fôlego” de R$ 50,946 bilhões no teto de gastos.

O novo “teto light” e as limitações para o pagamento de precatórios podem abrir um espaço fiscal de até R$ 100 bilhões para o governo federal em 2022. O que pode garantir recursos não apenas para o Auxílio Brasil, mas para outras despesas solicitadas pelos parlamentares em ano eleitoral.

As mudanças na âncora fiscal frustraram agentes econômicos e provocaram um sell-off no mercado na semana passada. O movimento patrocinado pelo governo foi visto por investidores como saída conveniente, injustificável – e até eleitoreira – para uma limitação sobre as despesas públicas. O que já gerou impacto nas projeções para inflação e juros nos próximos anos.

Do lado dos precatórios, o substitutivo em discussão limita os pagamentos de determinado exercício a uma correção anual pela inflação do valor pago em 2016. Na prática, é a mesma lógica do teto de gastos, desta vez usada para restringir o pagamento de dívidas que a própria Justiça determina que o poder público deve pagar.

O limite para a expedição de precatórios corresponderá, em cada exercício, ao limite estabelecido pela atualização da regra fiscal, reduzido da despesa com o pagamento de requisições de pequeno valor, que terão prioridade no pagamento.

O novo texto determina que precatórios que não forem expedidos, em razão da restrição de despesas aplicada, tenham prioridade nos exercícios seguintes. O cálculo do limite não considera um possível “encontro de contas” entre os entes e atualização monetária.

Pelo substitutivo, os credores não contemplados poderiam optar pelo recebimento dos recursos em parcela única, até o final do exercício seguinte, mediante acordos diretos perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Pagamento de Condenações Judiciais contra a Fazenda Pública Federal, desde que com renúncia de 40% dos valores. A norma seria regulamentada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Outra inovação introduzida é a possibilidade de o ente devedor utilizar empréstimos como instrumento específico de liquidação de precatórios, mediante acordo direto com os credores.

O novo substitutivo também torna possível a utilização dos precatórios para:

I) Quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente;

II) Compra de imóveis públicos de propriedade do mesmo ente;

III) Pagamento de outorga de delegações de serviços públicos e demais espécies de concessão negocial promovidas pelo mesmo ente;

IV) Aquisição, inclusive minoritária, de participação societária do respectivo ente federado;

V) Compra de direitos do respectivo ente federado, inclusive, no caso da União, da antecipação de valores a serem recebidos a título do excedente em óleo em contratos de partilha de petróleo.

A versão original encaminhada pela equipe econômica do governo federal apenas previa as situações de compra de imóveis públicos ou aquisição de participação societária.

O relator Hugo Motta manteve no texto a possibilidade do chamado “encontro de contas” entre a União e os entes federativos, inclusive com a possibilidade de dedução dos valores eventualmente devidos por estados de recursos estipulados para repasse pelos fundos de participação, tal qual previa a proposta original.

Também estão previstas novas rodadas de refinanciamento de dívidas previdenciárias dos municípios, com prazo máximo de 240 meses, mediante autorização em lei municipal específica, e desde que comprovem ter alterado a legislação do regime próprio de previdência social para atendimento de determinadas condições. A formalização dos parcelamentos será até 30 de junho de 2022 e fica condicionada à autorização de vinculação do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) para fins de adimplemento das prestações.

Entre as contrapartidas exigidas, o texto lista medidas de ajuste fiscal, como a adoção de regras de elegibilidade, cálculo e reajustamento dos benefícios que contemplem regras assemelhadas às aplicáveis aos servidores públicos do RPPS da União, a adequação da alíquota de contribuição devida pelos servidores e a instituição do regime de previdência complementar.

Novos riscos fiscais

A PEC afasta o teto de gastos do caminho do mundo político em 2022, mas há dúvidas entre analistas se os valores liberados serão vistos como suficientes para acomodar todas as demandas. Dentro do governo, há quem defenda a ampliação do repasse do Auxílio Brasil para R$ 500,00 ou até R$ 600,00.

Há também discussões para a inclusão de 15 milhões de “invisíveis”, que hoje recebem auxílio emergencial, mas não fazem parte das 17 milhões de famílias contempladas pelo novo programa social. Caso seja aprovado um pagamento de R$ 200,00 mensais para o grupo, a conta poderia aumentar em mais de R$ 30 bilhões.

Nas contas feitas por congressistas, o governo precisará de R$ 49 bilhões para pagar os R$ 400,00 aos beneficiários do Auxílio Brasil. Outros R$ 3,6 bilhões serão necessários para bancar o “auxílio diesel”, sinalizado por Bolsonaro aos caminhoneiros. Vale ressaltar, ainda, que a inflação mais alta do que o esperado também deve aumentar despesas obrigatórias, como salários e previdência.

Os parlamentares também tentam aproveitar o espaço fiscal aberto com a PEC dos Precatórios para aumentar o fundo eleitoral de R$ 2,1 bilhões para R$ 5 bilhões e incluir R$ 16 bilhões para obras de indicação dos parlamentares, a partir das chamadas “emendas de relator” (RP9).

Deputados de oposição também se movimentam para barrar o limite para o pagamento de precatórios. Eles entendem que a medida fere direitos adquiridos e pode provocar um efeito “bola de neve” para os futuros governos, caso essas despesas mantenham crescimento superior às restrições impostas pelo teto de gastos.

Plano B

Caso haja uma percepção de ambiente negativo para o avanço da PEC dos Precatórios, o governo pode lançar mão de um “plano B”. Reportagem divulgada pela emissora CNN Brasil mostra que integrantes do Poder Executivo já admitem a possibilidade de prorrogar o auxílio emergencial, cuja última parcela foi paga em outubro.

Segundo a emissora, a ideia de ministros seria lançar mão de um novo decreto de Estado de Calamidade Pública em razão da pandemia da Covid-19 ‒ o que na prática abriria espaço para o governo gastar além do teto em ano eleitoral.

O jornal Valor Econômico também informou que o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, disse a líderes partidários que o governo federal pode estender o auxílio emergencial caso a PEC dos Precatórios não seja aprovada rapidamente pelo Congresso Nacional.

Discurso similar foi adotado pelo lídder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). “Se não tiver Auxílio Brasil, haverá auxílio emergencial. O governo não deixará de pagar o auxílio aos mais pobres”, disse o parlamentar.

“Se não for os R$ 30 bilhões [recursos para pagar R$ 400 aos atuais beneficiários do Bolsa Família em 2022], serão R$ 80 bilhões do auxílio emergencial fora do teto”, complementou.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.