Integrante do grupo de transição que prepara propostas para as áreas de planejamento, orçamento e gestão, o economista Antônio Corrêa de Lacerda diz que a política econômica do Lula 3 não será do “ministro da Fazenda, mas do governo”, atuando de forma integrada com os três ministérios recriados: Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio Exterior.
Presidente do Conselho Federal de Economia, Lacerda é um dos economistas que participaram da longa reunião de Lula para discutir o cenário atual, nesta semana. Ele diz que o mercado fica ansioso pelo anúncio do ministro da Fazenda porque ainda está usando o “software” antigo do governo Bolsonaro, que tem um “posto de combustível” como ministro da Economia. Uma referência a Paulo Guedes, que recebeu de Bolsonaro o apelido de “Posto Ipiranga”. “Apesar da expectativa por um Posto Ipiranga, não haverá Posto Ipiranga”, diz.
Lula vai dividir o atual superministério de Guedes e recriar as três pastas. O Ministério da Indústria e Comércio deve mudar de nome para o de Produção. “Nosso processo é invertido. Quem vai executar a política econômica não é um superministro. Haverá três ministérios da área econômica, e eles terão de interagir”, disse.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual a diferença do ministério de Lula em relação ao atual governo Bolsonaro?
A diferença fundamental é que será uma nova visão. O mercado está ansioso pelo anúncio do ministro da Fazenda porque ainda está com o software, digamos assim, do governo atual. Não tinha programa de governo e nomeou o que ele chamou de posto de combustível, que faz a política econômica. Nosso processo é invertido. A política econômica é do governo. Quem vai executar a política econômica não é um superministro. Haverá três ministérios da área econômica, Fazenda, Planejamento, Indústria e Comércio, não necessariamente com esses nomes, e eles terão de interagir.
Como será essa interação?
Hoje, por exemplo, o tema política industrial está fora da agenda. Vai entrar. A nova estrutura precisa estabelecer e recriar as instituições que vão responder a esse desafio. No Planejamento, será a visão do que se quer não só no curto prazo, mas também no médio e no longo prazos. Ele não será contraponto à Fazenda nem à Indústria e Comércio, mas vai girar de forma integrada.
Qual a importância do Ministério do Planejamento?
Nosso foco tem sido na reorganização do Ministério do Planejamento. A visão do grupo é a de que todas essas funções agrupadas no Ministério da Economia não respondem aos desafios colocados. O governo que vai assumir tem uma visão muito clara do papel do Estado, do Planejamento. Ao contrário do governo atual, que prega o Estado mínimo, entendemos que o Estado tem um papel fundamental como orientador e coordenador do processo. Precisamos restabelecer as funcionalidades do Ministério do Planejamento, adequando-o à nova realidade.
De que forma?
Precisa de um ministério que responda ao programa de governo, que tem como objetivo primeiro diminuir ou eliminar a fome, gerar emprego e renda. O setor privado é importante, mas o Estado tem de exercer a sua função de articulação das políticas econômicas. A visão predominante hoje é ultra de mercado, de que resolve tudo. E não tem funcionado a “fé” de que o resgate da confiança traz o crescimento naturalmente. É preciso estabelecer um novo marco de política econômica, abarcando Fazenda, Planejamento e Indústria e Comércio. Mas também agregando os ministérios de Meio Ambiente e Ciência e Tecnologia.
Uma política econômica mais integrada?
Não é uma política econômica do ministro da Fazenda. É do governo. Apesar da expectativa por um Posto Ipiranga, não haverá Posto Ipiranga.
O ex-ministro Fernando Haddad poderia ser um bom ministro da Fazenda?
Pode, sim. Ele pode não ser um técnico, mas pode criar uma equipe de técnicos para fortalecer a base dele.
E as restrições fiscais?
Vai ser preciso discutir um novo arcabouço fiscal. O teto de gastos ruiu. E não ruiu agora na transição. Ruiu há quatro anos, pelo menos. Faz quatro anos que o governo Bolsonaro rompeu o teto de gastos. Precisaremos no ano que vem, e não será mais a transição, mas o governo, discutir no âmbito do Executivo e Legislativo um novo arcabouço fiscal que dê conta da sustentabilidade da relação entre dívida e PIB. Se possível com queda. É algo que terá de ser debatido com o Congresso e, principalmente, não cair na armadilha de criar uma nova amarra. A saída vai ser criar um sistema que permita ao Estado fazer política econômica.