“Não existia alternativa de dizer não”, diz ex-assessor do TSE sobre ordens de Moraes

Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, foi o pivô do pedido de investigação aberto por Moraes acerca do vazamento de mensagens de auxiliares do ministro

Fábio Matos

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral), durante sessão no TSE (Foto: Antônio Augusto/TSE)
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal Superior Eleitoral), durante sessão no TSE (Foto: Antônio Augusto/TSE)

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As ordens do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito das investigações sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados, no chamado inquérito das “fake news”, deveriam ser rigorosamente cumpridas, sem espaço para qualquer outra alternativa.

É o que afirmou Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do TSE, em entrevista publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, no domingo (25).

Tagliaferro foi o pivô do pedido de investigação aberto por Moraes acerca do vazamento de mensagens de auxiliares do ministro. Reportagens publicadas pelo jornal Folha de S.Paulo revelaram que o ministro do Supremo teria usado métodos “informais” para obter provas que incriminassem Bolsonaro e pessoas ligadas ao ex-presidente.

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O jornal teve acesso a mais de 6 gigabytes de arquivos e diálogos por mensagens, trocadas de forma não oficial, que revelariam um fluxo fora do rito tradicional envolvendo o STF e o TSE, para abastecer o chamado inquérito das “fake news”.

“Posso afirmar que não tenho relação alguma com as informações retiradas de meu aparelho que ficou ilegalmente apreendido por seis dias. Caberá à investigação apurar e reconhecer a minha inocência. Espero que os responsáveis por mexer em meu celular sejam responsabilizados”, afirmou Tagliaferro.

Questionado sobre seu relacionamento profissional com Alexandre de Moraes, o ex-assessor do TSE disse que ambos estiveram juntos apenas “em situações institucionais”. “Ele é muito reservado e meu cargo não dava alçada para procurá-lo diretamente. Nossa comunicação era feita por meio de outras pessoas diretamente ligadas a ele e que me repassavam as demandas pessoais e institucionais do ministro”, relatou.

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“Chuva de demandas”

Tagliaferro foi indagado, ainda, se teria havido “pedidos indevidos” do gabinete do ministro no curso das investigações. “Não sou técnico para responder essa questão. Estava no TSE, as eleições foram um loucura. A carga de trabalho absurda e havia uma chuva de demandas vindas de muitas pessoas. Muitas vezes tinha a sensação de que alguns pedidos não eram ligados às eleições ou com questões do TSE, sim”, afirmou.

“Questionei meus superiores e me foi explicado que estava tudo certo, não havia problema nenhum e que era para seguir apenas fazendo o meu trabalho. Não questionei e busquei fazer o meu melhor, sem maiores ponderações”, prosseguiu Tagliaferro.

O ex-assessor do TSE disse que recebia “uma chuva de demandas” de Moraes. “Pessoas poderosas, midiáticas. Claro que isso me deixava apreensivo, mas dado que eram ordem do ministro e, como respeito muito ele, fazia o melhor para atender totalmente a demanda”, afirmou.

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“Cumprir as suas ordens com celeridade e conteúdo robusto. Não existia alternativa de dizer não ou deixar de fazer o que era mandado. Várias vezes trabalhávamos de fim de semana, precisávamos voltar em emergência para trabalho presencial em Brasília”, descreveu Tagliaferro.

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“A direita foi mais investigada”

Na entrevista ao Estadão, Eduardo Tagliaferro admite que políticos ligados à direita foram mais investigados pelo TSE do que os de esquerda.

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“Posso afirmar que a direita foi mais investigada, sim. Poucas e raras as pessoas de esquerda para quem recebi demandas de investigações. Isso é estatístico. Basta olhar meus relatórios e a quantidade de perfis e contas que bloqueamos no curso das eleições”, disse.

Medo de ser preso

Tagliaferro revelou, ainda, ter medo de que possa ser preso. “Tenho alguns receios, sim. Considerando a explicação do meu advogado, Dr. Eduardo Kuntz, esse inquérito nem deveria existir da forma como foi feito. Ele me explicou que o Regimento Interno do STF prevê que inquéritos devem ser iniciados apenas pelo ministro-presidente, que deveria ter passado pelo cartório distribuidor e ser sorteado”, afirmou.

“Na visão dele, ao ministro Alexandre fazer ele mesmo a abertura e me colocar em uma situação de desconfiança, pode ter como consequência até mesmo uma determinação de prisão. Seria muito constrangedor porque não fiz nada de errado. Espero sinceramente que isso não aconteça”, prossegue Tagliaferro.

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“Como falei, o Dr. Kuntz tem essa preocupação. Ele defende outras pessoas em casos conduzidos pelo ministro Alexandre e alguns de seus clientes já passaram um temporada presos, mesmo sem a concordância da Procuradoria-Geral da República. Caso isso aconteça, na visão dele, seria mais uma oportunidade em que, infelizmente, o ministro demonstraria que se afasta ao respeito das leis e da história de compromisso do Supremo com as garantias constitucionais”, observou.

“Compareci quando fui chamado, dei todos os esclarecimentos, tenho residência fixa, trabalho com perícias para diversos tribunais do país, não faz sentido algum atrapalhar as investigações. Tenho interesse que os responsáveis pelo vazamento do meu telefone e a sua consequente inutilização sejam identificados e responsabilizados. Mas, apesar disso tudo, tenho medo, sim.”

Fábio Matos

Jornalista formado pela Cásper Líbero, é pós-graduado em marketing político e propaganda eleitoral pela USP. Trabalhou no site da ESPN, pelo qual foi à China para cobrir a Olimpíada de Pequim, em 2008. Teve passagens por Metrópoles, O Antagonista, iG e Terra, cobrindo política e economia. Como assessor de imprensa, atuou na Câmara dos Deputados e no Ministério da Cultura. É autor dos livros “Dias: a Vida do Maior Jogador do São Paulo nos Anos 1960” e “20 Jogos Eternos do São Paulo”