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Em seu retorno à tribuna da Organização das Nações Unidas (ONU) na abertura da 78ª Assembleia Geral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) defendeu, nesta terça-feira (19), o combate às desigualdades e à crise climática, exaltou a democracia e disse que o Brasil “está de volta” para contribuir com o sistema internacional no enfrentamento aos seus principais desafios.
“Se hoje eu retorno na honrosa condição de presidente do Brasil, é graças à vitória da democracia em meu país. A democracia garantiu que superássemos o ódio, a desinformação e a opressão. A esperança, mais uma vez, venceu o medo. Nossa missão é unir o Brasil e reconstruir um país soberano, justo, sustentável, solidário, generoso e alegre”, disse.
“O Brasil está se reencontrando consigo mesmo, com nossa região, com o mundo e com o multilateralismo. Como não me canso de repetir, o Brasil está de volta. Nosso país está de volta para dar sua devida contribuição ao enfrentamento dos principais desafios globais”, pontuou.
A fala foi aplaudida pelo público formado por delegações de outros Estados presentes e pelos presidentes da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que acompanharam o discurso da plenária.
“Resgatamos o universalismo da nossa política externa, marcada por diálogo respeitoso com todos. A comunidade internacional está mergulhada em um turbilhão de crises múltiplas e simultâneas: a pandemia da Covid-19; a crise climática; e a insegurança alimentar e energética ampliadas por crescentes tensões geopolíticas. O racismo, a intolerância e a xenofobia se alastraram, incentivadas por novas tecnologias criadas supostamente para nos aproximar. Se tivéssemos que resumir em uma única palavra esses desafios, ela seria desigualdade. A desigualdade está na raiz desses fenômenos ou atua para agravá-los”, declarou o presidente brasileiro.
Tradicionalmente, cabe ao Brasil o primeiro discurso na etapa de debates entre chefes de Estado na Assembleia Geral. Esta foi a terceira vez que Lula subiu à tribuna ‒ a primeira delas ocorreu em setembro de 2003. Antes dele falaram o secretário-geral da ONU, António Guterres, e o presidente da Assembleia Geral, o diplomata Dennis Francis, de Trinidad e Tobago.
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“Há 20 anos, ocupei esta tribuna pela primeira vez. Volto hoje para dizer que mantenho minha inabalável confiança na humanidade, reafirmando o que disse em 2003. Naquela época, o mundo ainda não havia se dado conta da gravidade da crise climática. Hoje, ela bate às nossas portas, destrói nossas casas, nossas cidades, nossos países, mata e impõe perdas e sofrimentos a nossos irmãos, sobretudo os mais pobres”, declarou Lula.
O discurso do mandatário uniu acenos ao público brasileiro, como falas que remetem ao seu antecessor e hoje principal adversário político, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), e sinalizações em busca de um novo posicionamento do Brasil em um sistema internacional sob importantes transformações, explorando os temas das mudanças climáticas e das desigualdades.
Lula abriu sua fala se solidarizando às vítimas do terremoto em Marrocos, das tempestades na Líbia e das fortes chuvas sofridas pelo Rio Grande do Sul nas últimas semanas ‒ este último tem sido um dos principais focos de críticas ao presidente por parcela da população, que esperava uma postura mais próxima em meio à tragédia, que coincidiu com sua viagem à Índia para participar de encontro do G20.
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“Essas tragédias ceifam vidas e causam perdas irreparáveis. Nossos pensamentos e orações estão com todas as vítimas e seus familiares”, disse.
Em sua fala, Lula também alertou que a “Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável” da ONU, agenda que classificou como mais ampla e mais ambiciosa ação coletiva da instituição internacional, pode se transformar em seu “maior fracasso”.
“Estamos na metade do período de implementação e ainda distantes das metas definidas. A maior parte dos objetivos de desenvolvimento sustentável caminha em ritmo lento. O imperativo moral e político de erradicar a pobreza e acabar com a fome parece estar anestesiado. Nesses sete anos que nos restam, a redução das desigualdades dentro dos países e entre eles deveria se tornar o objetivo-síntese da ‘Agenda 2030′”, disse o presidente brasileiro, que também voltou a cobrar uma contribuição mais efetiva dos países desenvolvidos na reparação de danos ao meio ambiente.
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“Agir contra a mudança do clima implica pensar no amanhã e enfrentar desigualdades históricas. Os países ricos cresceram baseados em um modelo com altas taxas de emissões de gases danosos ao clima. A emergência climática torna urgente uma correção de rumos e a implementação do que já foi acordado”, declarou.
“Não é por outra razão que falamos em responsabilidades comuns, mas diferenciadas. São as populações vulneráveis do Sul Global as mais afetadas pelas perdas e danos causados pela mudança do clima. Os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por quase a metade de todo o carbono lançado na atmosfera. Nós, países em desenvolvimento, não queremos repetir esse modelo”, argumentou.
Segundo Lula, sem a mobilização de recursos financeiros e tecnológicos, não há como implementar os compromissos assumidos no Acordo de Paris e no Marco Global da Biodiversidade. “A promessa de destinar US$ 100 bilhões – anualmente – para os países em desenvolvimento permanece apenas isso, uma longa promessa. Hoje esse valor seria insuficiente para uma demanda que já chega à casa dos trilhões de dólares”, criticou.
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Durante sua fala, Lula também lançou luz sobre o problema da fome e de um determinismo gerado pela falta de oportunidades às parcelas mais pobres da população mundo afora, que muitas vezes impedem a ascensão social ou mesmo a construção de uma vida digna.
“A fome atinge hoje 735 milhões de seres humanos, que vão dormir esta noite sem saber se terão o que comer amanhã. O mundo está cada vez mais desigual. Os dez maiores bilionários possuem mais riqueza que os 40% mais pobres da humanidade”, disse.
“O destino de cada criança que nasce nesse planeta parece traçado ainda no ventre de sua mãe. A parte do mundo em que vivem seus pais e a classe social à qual pertence sua família irão determinar se essa criança terá ou não oportunidades ao longo da vida, se irá fazer todas as refeições ou se terá negado o direito de tomar café da manhã, almoçar e jantar diariamente. Se terá acesso à saúde ou se irá sucumbir a doenças que já podiam ter sido erradicadas. Se completará os estudos e conseguirá um emprego de qualidade ou se fará parte da legião de desempregados, subempregados ou desalentados que não para de crescer. É preciso, antes de tudo, vencer a resignação que nos faz aceitar tamanha injustiça como fenômeno natural. Para vencer a desigualdade, falta vontade política daqueles que governam o mundo”, sustentou.
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Ao falar sobre o Brasil, Lula destacou o plano Brasil sem Fome, que reunirá iniciativas para reduzir a pobreza e a insegurança alimentar, incluindo o programa Bolsa Família. O mandatário também chamou atenção para a sanção da lei que obrigatória a igualdade salarial entre mulheres e homens no exercício da mesma função, prometeu um combate efetivo ao feminicídio e todas as formas de violência de gênero e uma postura rigorosa em defesa dos direitos de grupos LGBTQI+ e de pessoas com deficiência.
“No Brasil, estamos comprometidos a implementar todos os 17 objetivos de desenvolvimento sustentável, de maneira integrada e indivisível. Queremos alcançar a igualdade racial na sociedade brasileira por meio de um décimo oitavo objetivo que adotaremos voluntariamente”, prometeu sob aplausos dos presentes.
Prestes a assumir a presidência do G20 ‒ grupo formado por representantes das 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia ‒, Lula disse que não medirá esforços para colocar no centro da agenda internacional o combate às desigualdades em todas as suas dimensões. “Sob o lema ‘Construindo um Mundo Justo e um Planeta Sustentável’, a presidência brasileira vai articular inclusão social e combate à fome; desenvolvimento sustentável e reforma das instituições de governança global”, disse.
Durante seu discurso, Lula também chamou atenção para o papel que o Brasil pode ter na transição energética do planeta, exaltando a geração de energia solar, eólica, biomassa, etanol e biodiesel, além do potencial de produção do hidrogênio verde.
“No Brasil, já provamos uma vez e vamos provar de novo que um modelo socialmente justo e ambientalmente sustentável é possível. Estamos na vanguarda da transição energética, e nossa matriz já é uma das mais limpas do mundo. 87% da nossa energia elétrica provem de fontes limpas e renováveis”, afirmou o presidente.
Vender ao mundo uma agenda verde, liderada pelo lançamento do Plano de Transformação Ecológica, é uma das prioridades da missão brasileira em Nova York. O tema foi abordado em artigo publicado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), no jornal britânico Financial Times e tem sido tratado em agendas de representantes do governo brasileiro durante a viagem oficial.
Ainda na pauta ambiental, Lula falou sobre a intensificação de ações de fiscalização e combate a crimes ambientais na Amazônia e disse que o desmatamento na região foi reduzido em 48%. “O mundo inteiro sempre falou da Amazônia. Agora, a Amazônia está falando por si”, disse.
Ele também destacou a Cúpula de Belém, que não conseguiu alcançar os avanços desejados em sua declaração final, exaltou a agenda de colaboração entre os países que fazem parte do bioma amazônico e os esforços para a construção de uma posição comum com outros países detentores de florestas tropicais da África e da Ásia.