Mudança na LRF pode gerar economia de R$ 20 bi com gastos obrigatórios na Saúde

Medida ainda é discutida pela equipe econômica do governo, mas especialistas alertam para os impactos sobre limite de dívida e despesas com pessoal nos estados e municípios − que podem ampliar riscos e resistências

Marcos Mortari

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: REUTERS/Susana Vera)
Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (Foto: REUTERS/Susana Vera)

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A possível mudança na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em discussão no Ministério da Fazenda dentro da agenda de revisão de despesas para o equilíbrio fiscal, poderia gerar uma economia de pelo menos R$ 20 bilhões para o governo no cumprimento do piso constitucional da Saúde.

O número é resultado de estimativas feitas por economistas a pedido desta reportagem, após o InfoMoney antecipar, na sexta-feira (28), que a equipe econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), estuda alterar o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL) para reduzir a base de cálculo sobre a qual é calculado o mínimo de 15% de despesas na área da Saúde, através de projeto de lei complementar (PLP).

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Atualmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei nº 101/2000) define a receita corrente líquida como “somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes”, com deduções de 3 grupos:

  1. No caso da União, os valores transferidos aos Estados e Municípios por determinação constitucional ou legal, as receitas das contribuições sociais pagas pelos empregados e empregadores e ainda as receitas destinadas ao PIS/PASEP;
  2. No caso dos Estados, as parcelas entregues aos Municípios por determinação constitucional, como a conta parte do ICMS e do IPVA; e
  3. Na União, nos Estados e nos Municípios, a contribuição dos servidores para o custeio do seu sistema de previdência e assistência social e as receitas provenientes da compensação financeira entre os regimes de previdência.

A ideia em discussão no Ministério da Fazenda, conforme reportaram ao InfoMoney fontes com conhecimento no assunto, sob a condição de anonimato, seria também retirar do conceito de RCL receitas não recorrentes, como royalties de petróleo e dividendos de empresas estatais, como a Petrobras (PETR3;PETR4). Até o momento, a pasta não se manifestou publicamente sobre o tema.

Segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, uma mudança no conceito da receita corrente líquida para algo similar à receita líquida ajustada (conceito introduzido pelo novo arcabouço fiscal), haveria uma queda de R$ 131,2 bilhões nas despesas. Aplicando a alíquota de 15% sobre esse montante (piso da saúde), chegar-se-ia a uma economia na casa de R$ 19,7 bilhões.

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O especialista aponta, ainda, que, caso se opte por retirar outras atipicidades da regra, como receitas de “offshores” ou fundos fechados, a base diminuiria em outros R$ 19 bilhões − trazendo R$ 2,9 bilhões a mais de economia.

Tiago Sbardelotto, economista da XP Investimentos, tem uma conta parecida. Segundo ele, as mudanças poderiam reduzir em R$ 150 bilhões a base de cálculo do piso constitucional, em uma economia anual de cerca de R$ 22,5 bilhões.

A discussão ainda é incipiente e no momento não conta com consenso nem mesmo entre integrantes de outras pastas da área econômica. Uma fonte consultada pela reportagem manifestou preocupação com possíveis sinalizações de que o governo estaria mudando as “regras do jogo” e com as consequências deste movimento. “A RCL já é um conceito empregado, com impactos sobre estados, despesas com pessoal. Há coisas em que é preciso avaliar todos os níveis de impacto”, alertou.

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Problemas à vista

Especialistas em contas públicas alegam que uma mudança na RCL automaticamente diminuiria o limite de dívida e de despesas com pessoal nos estados e municípios − o que desenquadraria diversos entes subnacionais da regra e implicaria em novas negociações pela elevação dos percentuais mínimos. O debate, no limite, também poderia contaminar as próprias tratativas sobre as dívidas dos Estados.

A matéria, caso avance dentro do governo, também pode enfrentar dificuldades entre integrantes da base aliada no Congresso Nacional. Duas semanas atrás, o Partido dos Trabalhadores (PT) divulgou um comunicado marcando posição contrária a mudanças nas regras que definem os mínimos constitucionais para Saúde e Educação, além de medidas como a desvinculação de benefícios previdenciários do salário mínimo.

O movimento ocorreu logo após a agenda de revisão de despesas entrar com maior ênfase nos discursos da área econômica do governo, em meio à percepção de limitações para o avanço de novas medidas do lado das receitas − depois que o Congresso Nacional devolveu parcialmente a medida provisória (MPV 1227/2024) que tratava de compensações para as desonerações a 17 setores e milhares de municípios.

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Na equipe econômica, há uma clara avaliação de que o debate sobre a revisão de despesas é inevitável para a sustentação do arcabouço fiscal e a garantia da sustentabilidade da trajetória da dívida pública. A dúvida ainda é quais opções do cardápio serão aceitas por Lula, que tem dado sinais trocados sobre cortes de gastos.

Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.