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Apesar de a situação envolvendo a desoneração da folha de pagamentos para 17 setores econômicos ainda estar distante de um entendimento entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Congresso Nacional, as movimentações do mundo político sobre o assunto nos últimos dias indicam um caminho possível de negociações − ainda que estreito, por divergências quanto à forma e ao conteúdo.
O retorno do ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), de suas férias e as conversas iniciais com o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) − que viajou a Brasília para dialogar sobre o tema − apontam para uma boa vontade ao diálogo, a despeito de ruídos ainda observados e do desconforto de parlamentares com o Palácio do Planalto.
Na última semana, Pacheco disse que um acordo havia sido celebrado entre Legislativo e Executivo para que a prorrogação da desoneração da folha fosse mantida e a medida provisória editada por Lula (MPV 1202/2023), reeditada. Informação não confirmada por Haddad, que afirmou, ainda, que o governo mantinha defesa pela retomada gradual da tributação aos setores que mais empregam. Sinal de arestas a serem aparadas.
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Atualmente, o benefício da desoneração da folha de pagamento, prorrogado até 2027 pelo Congresso Nacional, consiste na substituição da contribuição paga pelas empresas destinada à Seguridade Social, de 20% sobre o total de remunerações pagas, por uma contribuição sobre a receita bruta das companhias, com alíquotas que variam de 1% a 4,5%. O modelo também eleva em 1 ponto percentual a alíquota da Cofins na hipótese de importação de determinados bens.
A medida provisória do governo, por sua vez, revoga a lei, altera o desenho para um desconto na alíquota sobre a cota patronal à Previdência Social e aplica um “desmame” gradual do benefício tributário. O texto divide os setores contemplados em dois grupos, criados com base na atividade principal de cada companhia, com alíquotas de partida diferentes, mas uma reoneração crescente ao longo do tempo.
Além da desoneração da folha de pagamentos, a medida provisória revoga o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) e limita o aproveitamento anual de créditos tributário por empresas. O dispositivo elimina, ainda, o desconto na contribuição previdenciária de municípios com até 142 mil habitantes − previsto também no projeto de lei aprovado pelos congressistas.
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Cenários possíveis
Os dois textos apontam para um impasse entre os Poderes. De um lado, o governo federal alega que a lei aprovada pelo Congresso Nacional é inconstitucional, já que não indica fontes de receita para compensar o impacto da prorrogação da desoneração sobre as contas públicas. De outro, congressistas interpretaram a MPV como uma afronta ao Poder Legislativo, que já havia deliberado duas vezes sobre o assunto (inclusive derrubando veto do governo). A oposição e representantes dos setores envolvidos alegam que o movimento do governo fere o equilíbrio e a independência dos Poderes.
Há três possíveis desfechos para o impasse:
- Devolução sumária. Pressionado por parlamentares e empresários, Rodrigo Pacheco pode optar pela devolução da MPV ao Poder Executivo sem que a matéria sequer seja apreciada pelo Legislativo. Esta hipótese perdeu força nas últimas semanas, mas, caso ocorra, pode motivar um contra-ataque do governo, com a judicialização do caso (e um esperado tensionamento das relações com o parlamento).
- Tramitação regular da MPV. Acordo para que a MPV tramite em seu formato original. Neste caso, ela pode ser aprovada integralmente, aprovada com modificações ou rejeitada pelo parlamento. Essa hipótese também abriria a possibilidade de o governo enviar paralelamente um projeto de lei tratando especificamente da questão da reoneração, que poderia ser votada durante a vigência da medida provisória. Tal caminho, contudo, exigiria habilidade dos articuladores políticos do governo, de modo a evitar uma demonstração de fragilidade do Legislativo.
- Retirada da reoneração. Acordo para que o governo retire a discussão da reoneração do texto da MPV e envie um projeto de lei em urgência com este ponto. Para isso, seria necessário o encaminhamento de outra medida provisória revogando os pontos relacionados ao benefício. Este caminho poderia facilitar a aprovação da revogação do Perse e da limitação do uso de créditos tributários decorrentes de decisões judiciais pelas empresas, além da revogação de benefício a municípios.
No Congresso Nacional, é baixa a disposição em aceitar modificações na desoneração da folha de pagamentos, independentemente da forma como o assunto for tratado. Caso haja espaço para negociações, especialistas veem mais chances de avanço em questões como o prazo para um “desmame” dos benefícios para empresas do que na alteração do desenho em vigor. Mas se a proposta do governo não for aceita, a tendência é que o Ministério da Fazenda cobre do parlamento fontes alternativas de receitas − sob o risco de levar a questão ao Supremo Tribunal Federal (STF).
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Resultados esperados
O analista político Thomas Traumann chama atenção para um modo “particular” e “agressivo” de Haddad negociar com o Congresso Nacional. “A primeira proposta sempre é dura, vem acompanhada de declarações intransigentes e de uma certa superioridade moral da proposta do governo. O susto força a abertura de uma negociação no qual cada concessão da Fazenda é cercada de comemorações”, diz.
A tática, que no ano passado foi usada para a aprovação de matérias como a mudança nas regras de tributação sobre aplicações financeiras mantidas no exterior e dos fundos fechados e na MPV das subvenções, se repete na medida provisória da reoneração da folha de pagamentos.
“Das quatro ações da MPV 1202/2023, o Congresso está empenhado apenas em salvar a situação da desoneração dos 17 grupos empresariais. Haddad já ganhou de saída nas outras três frentes”, aponta Traumann. “O saldo possível é que Haddad pode sair com R$ 30 bilhões a menos de gastos e um horizonte de redução imediato da desoneração da folha das empresas. Não é um jeito simpático de negociar, mas parece eficiente”.
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No mercado, o impacto fiscal da renúncia de receitas com a desoneração da folha já estava na conta de boa parte dos economistas. Por isso, a avaliação é que, se Haddad conseguir restringir o tamanho do benefício ou aprovar os outros pontos da MPV, o saldo será positivo. “Na ponta do lápis, a chance é estar igual ou melhor. Se Haddad perder tudo que tentou na MPV 1202, o mercado fica onde estava em dezembro [de 2023]“, avalia o economista Victor Scalet, da XP Investimentos.
Para ele, um risco seria o processo provocar tensionamento nas relações entre governo e Congresso Nacional e prejudicar o andamento de pautas de interesse da equipe econômica para o ano. Neste caso, a meta do equilíbrio fiscal poderia ficar mais distante.
“O resultado não deve ser tão ruim para o governo. No final, acredito que ele consegue neutralizar boa parte do impacto que teria com a desoneração como foi aprovada pelo Congresso no ano passado”, aposta Júnia Gama, analista política da XP.