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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou públicos nesta sexta-feira (15) os depoimentos de diversos investigados e testemunhas no inquérito da Polícia Federal (PF) que investiga se houve uma tentativa de golpe de Estado em 2022, após o então presidente Jair Bolsonaro (PL) perder a eleição para o atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Relator do inquérito no STF, Moraes disse ter tomado a decisão “diante de inúmeras publicações jornalísticas com informações incompletas sobre os depoimentos prestados à autoridade policial”.
O jornal Folha de S.Paulo, por exemplo, revelou que o general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, teria ameaçado prender Bolsonaro caso o chefe do Executivo tentasse perpetrar um golpe de Estado no Brasil. Quem fez a afirmação foi o tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Aeronáutica, em depoimento à PF.
Já a jornalista Miriam Leitão, da TV Globo, disse que Freire Gomes confirmou aos investigadores que o então presidente apresentou a ele e aos outros comandantes das Forças Armadas (da Marinha e da Aeronáutica) a “minuta do golpe”, um decreto para instaurar um estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), prender Moraes (que é o presidente do TSE) e “apurar a conformidade e legalidade do processo eleitoral” de 2022.
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Na decisão de hoje, Moraes tirou o sigilo dos depoimentos de Bolsonaro, Baptista Júnior e Freire Gomes, além do presidente do Partido Liberal (PL), Waldemar Costa Neto, e os ex-ministros Braga Netto (Casa Civil e Defesa), Augusto Heleno (GSI), Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira (Defesa) e Anderson Torres (Justiça), entre outros. Braga Netto também foi candidato a vice de Bolsonaro em 2022 e Paulo Sérgio Nogueira, ex-comandante do Exército.
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Veja abaixo a lista completa dos depoimentos tornados públicos:
- Jair Messias Bolsonaro, ex-presidente da República
Ex-ministros:
- General Walter Souza Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e ex-candidato a vice-presidente em 2022, na chapa de Bolsonaro
- General Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, ex-ministro da Defesa e ex-comandante do Exército brasileiro
- General Augusto Heleno Ribeiro Pereira, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI)
- Anderson Gustavo Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal
Ex-comandantes das Forças Armadas:
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- General Marco Antonio Freire Gomes, ex-comandante do Exército
- Tenente-brigadeiro do ar Carlos Almeida Baptista Júnior, ex-comandante da Força Aérea Brasileira (FAB)
- Almirante de esquadra Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha
Outros investigados (por ordem alfabética):
- Ailton Gonçalves Moraes Barros, advogado e ex-militar expulso do Exército
- Amauri Feres Saad, advogado apontado como mentor intelectual da “minuta do golpe”
- Angelo Martins Denicoli, major da reserva do Exército
- Bernardo Romão Corrêa Netto, coronel da cavalaria do Exército
- Tenente-coronel Cleverson Ney Magalhães, subcomandante do Centro de Instruções de Guerra na Selva (Cigs)
- Eder Lindsay Magalhães Balbino, dono da empresa Gaio Innotech, que ajudou o PL a questionar integridade das urnas eleitorais
- General Estevam Cals Theóphilo Gaspar de Oliveira, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres (Coter) do Exército
- Filipe Garcia Martins Pereira, ex-assessor especial da presidência da República para assuntos internacionais
- Tenente-coronel Guilherme Marques Almeida, ex-comandante do 1° Batalhão de Operações Psicológicas, que desmaiou ao ser alvo de operação da PF
- Tenente-coronel Hélio Ferreira Lima, ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus, do Comando Militar da Amazônia (CMA)
- José Eduardo de Oliveira e Silva, padre na paróquia São Domingos, em Osasco (SP)
- Coronel reformado Laércio Vergílio
- Coronel da reserva Marcelo Costa Câmara, ex-assessor especial da Presidência e responsável pelo “sistema paralelo de inteligência” de Bolsonaro
- General Mário Fernandes, ex-ministro-substituto da Secretaria-Geral da Presidência
- Tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira, integrante das Forças Especiais do Exército
- Tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior, integrante do Centro de Comunicações e Guerra Eletrônica do Exército (CComGEx)
- Tenente-coronel Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros, suspeito de integrar o núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral do governo Bolsonaro
- Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor da Presidência, conhecido como um dos pilares do “gabinete do ódio”
- Waldemar Costa Neto, presidente do Partido Liberal (PL)
Operação Tempus Veritatis
Os depoimentos foram marcados após as investigações avançarem e resultarem na operação Tempus Veritatis, em que a PF cumpriu 33 mandados de busca e apreensão, 4 de prisão preventiva e 48 medidas cautelares em 10 unidades da federação. Também contribuiu a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
Com o avanço das investigações, a PF aponta a existência de uma organização criminosa com 5 eixos de atuação:
1. Ataques virtuais a opositores;
2. Ataques às instituições (STF e TSE), ao sistema eletrônico de votação e ao processo eleitoral;
3. Tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
4. Ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia; e
5. Uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens.
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O terceiro ponto (tentativa de golpe) foi o foco da Tempus Veritatis. Os investigadores acreditam em uma ação coordenada por núcleos para: desacreditar o sistema eleitoral brasileiro; subverter o resultado das eleições de 2022, com a execução de um golpe de Estado para evitar a posse de Lula; e mobilizar a opinião pública e convencer militares a embarcar no projeto para subverter a democracia.
Entre as evidências citadas pelo investigadores estão: uma transmissão ao vivo de Bolsonaro, ainda em 2021, para demonstrar supostos indícios de ocorrência de fraudes e manipulação de votos em eleições brasileiras; reunião da cúpula do seu governo, em que foram apresentadas alegações quanto à suposta ocorrência de fraude e manipulação nas eleições brasileiras; orientações para que essa narrativa fosse replicada pelos participantes da reunião; e esforços para gerar instabilidade social e ações para legitimar uma intervenção das Forças Armadas, seguindo os procedimentos do chamado “gabinete do ódio”.
Também é citado o uso de especialistas de tecnologia para obter dados para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro, que foram difundidos por influenciadores e pela mídia tradicional, inclusive no exterior, além de uma operação de manipulação para a divulgação do relatório elaborado pelo Ministério da Defesa sobre a segurança do sistema eletrônico de votação.
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Na decisão que autorizou a operação, Moraes cita também a representação do PL ao TSE alegando uma suposta falha no sistema eletrônico de votação. O movimento, segundo os investigadores, “configuraria o ato último do grupo para insurgir-se formalmente contra o resultado das eleições presidenciais, na busca por antecipar fundamento à execução de um golpe de Estado, inclusive sob a alegação de esgotamento dos meios legais de contestação do resultado – tudo a fim de reforçar o discurso de atuação ilícita do Poder Judiciário para impedir a reeleição do então presidente Jair Messias Bolsonaro”.
Em outro flanco, os investigadores identificaram uma arregimentação de militares com formação em forças especiais (os chamados “kids pretos”, grupo especial do Exército) para atuarem nas manifestações golpistas, organizadas em pontos estratégicos, como as proximidades das sedes dos Três Poderes e instalações das Forças Armadas. Também foram coordenados ataques pessoais contra militares indecisos sobre a adesão ao plano golpista.
A investigação aponta, ainda, a elaboração da “minuta do golpe”, um documento com medidas de exceção e detalhes de uma suposta interferência do Poder Judiciário no Executivo, de modo a justificar a decretação de prisão do presidente do Senado Federal (e do Congresso Nacional), Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além dos ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Edson Fachin, do STF. Bolsonaro revisou e pediu alterações na minuta, mantendo apenas a ordem de prisão contra Moraes — que era monitorado por um “núcleo de inteligência”.
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“Nesse contexto, está comprovada a materialidade dos tipos penais de tentativa de abolição violenta do estado democrático de direito (art. 359-1 do código penal) e de tentativa de golpe de Estado (art. 359-M do Código Penal), ambos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 anos”, escreveu Moraes ao autorizar a operação.