Moraes na mira: entenda o processo contra o ministro nos EUA

Magistrado é alvo de ação movida por empresa de Trump e plataforma de vídeos Rumble

Marina Verenicz Agências de notícias

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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), tornou-se alvo de um processo na Justiça dos Estados Unidos por suposta violação da soberania americana. A ação foi movida pela Trump Media & Technology Group, empresa ligada ao ex-presidente Donald Trump, e pela plataforma de vídeos Rumble, que alega ter sido afetada por decisões judiciais brasileiras.

Entenda o caso

A Rumble, plataforma semelhante ao YouTube, abriga produtores de conteúdo que foram restritos em outras redes sociais, incluindo nomes ligados ao bolsonarismo, como Paulo Figueiredo, Rodrigo Constantino e Bruno Aiub (Monark).

A rede social foi citada em decisões do STF que determinaram a remoção de perfis por disseminação de desinformação, mas não cumpriu as ordens por não ter representação no Brasil.

A empresa argumenta que Moraes violou leis americanas ao ordenar a suspensão da conta do blogueiro Allan dos Santos, investigado no Brasil por propagar fake news e atacar ministros do STF. Contra ele há um mandado de prisão preventiva, mas o bolsonarista segue foragido nos EUA.

Chris Pavlovski, CEO da Rumble, acusou Moraes de agir ilegalmente: “Moraes está tentando contornar completamente o sistema legal americano, utilizando ordens sigilosas de censura para pressionar redes sociais americanas a banirem um dissidente político em nível global.”

A Trump Media, responsável pela rede social Truth Social, de Donald Trump, se aliou à Rumble no processo, alegando que as restrições impostas à plataforma no Brasil também afetam seus negócios.

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Acusação de abuso de “decretos extraterritoriais”

A ação sustenta que Moraes teria abusado de “decretos extraterritoriais” ao ordenar bloqueios a empresas americanas, violando a soberania dos EUA. No entanto, especialistas apontam que essa alegação não se sustenta juridicamente, pois as decisões do STF visam o Brasil, onde a Corte tem jurisdição e onde as empresas que atuam devem seguir as leis nacionais.

“A decisão pode estar certa ou errada, mas é uma decisão do Supremo. Neste caso, a ação no tribunal americano não poderia ir à frente, porque você estaria acionando o Brasil, que é, como qualquer outro país soberano, imune à jurisdição de tribunais americanos”, afirmou Salem Hikmat Nasser, doutor em Direito Internacional pela USP e professor da FGV, ao Estadão.

Mestre em Direito Internacional pela Universidade de Brasília (UnB), o advogado Pablo Sukiennik explica que, no território brasileiro, as decisões de Moraes representam o STF enquanto instituição, mas esse entendimento não é obrigatório ao juiz americano. “As regras do direito não são universais. Cada país define se é possível ou não. No Brasil, iria contra a União”, disse Sukiennik. “Mas a forma como funciona no Brasil não significa que seja assim em qualquer outro lugar do mundo.”

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Embora a ação tenha ganhado repercussão, especialistas avaliam que o processo tem caráter mais simbólico do que prático. Isso porque, ainda que condenado nos EUA, Moraes atua como ministro do STF e suas decisões representam a Justiça brasileira, não podendo ser julgadas como atos individuais.

Além disso, como o Brasil é um Estado soberano, não pode ser submetido à jurisdição de tribunais americanos. A tendência é que, caso citado, o governo brasileiro responda que Moraes estava agindo dentro de suas funções institucionais.

O magistrado também não deve responder diretamente à Justiça americana, cabendo ao STF eventual posicionamento oficial.

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“Provavelmente, o Brasil responderá, quando citado, que (Moraes) é ministro do Supremo Tribunal, que está agindo enquanto ministro e que a decisão não é dele”, disse Nasser. “Moraes não irá se dispor a responder ao juiz americano. Ele vai ignorar e o máximo que haverá é uma resposta do STF.”

Sukiennik define como “menor do que zero” as chances de uma condenação americana vir a ser cumprida no território brasileiro. “Tem uma série de requisitos para uma decisão judicial estrangeira valer no Brasil. Neste caso, a chance de a Justiça brasileira vir a determinar a execução de decisão dos Estados Unidos contra o Alexandre de Moraes é menor do que zero”.

Embora improvável, caso o processo avance, as penalidades contra Moraes poderiam incluir restrições de entrada nos EUA ou impedimento de compra de bens no país. Sanções semelhantes foram aplicadas por Trump contra membros do Tribunal Penal Internacional (TPI) em 2020.

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Caso medidas desse tipo sejam impostas, podem gerar um atrito diplomático entre Brasil e EUA.

Repercussão política no Brasil

O processo nos EUA ocorre em meio à denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Jair Bolsonaro (PL) e aliados por tentativa de golpe de Estado. Moraes, que conduz as investigações sobre a trama golpista e as chamadas “milícias digitais”, é alvo frequente de ataques bolsonaristas.

Parlamentares ligados a Bolsonaro já falam em usar a ação como argumento para um novo pedido de impeachment contra o ministro. Atualmente, há mais de 50 solicitações de impeachment de ministros do STF protocoladas no Senado, incluindo seis contra Moraes.

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Para que uma dessas petições avance, o presidente do Senado precisaria aceitá-la – o que, até o momento, não aconteceu.