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O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira (14) para que a Corte destrave o andamento da ação penal sobre a morte do ex-deputado federal Rubens Paiva, que desapareceu em janeiro de 1971 após ter sido capturado por agentes da ditadura militar no Brasil.
Moraes, relator do caso de Rubens Paiva, afirmou haver “efetivamente” dúvidas a respeito do alcance da Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) no caso de crimes continuados, isto é, aqueles que seguem em andamento. Esse seria o caso da ocultação de cadáver no caso Paiva, cujo corpo nunca foi encontrado.
Ainda que tenha favorecido centenas de perseguidos políticos, a Lei da Anistia levou à “impunidade para agentes públicos que praticaram atos de extrema gravidade contra a vida e a liberdade”, afirmou o ministro.
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Para justificar a necessidade de se rediscutir o alcance da anistia brasileira, Moraes defendeu a “atualidade” do tema e citou o exemplo de países vizinhos que passaram por regimes ditatoriais similares, como a Argentina e o Chile, e que já promoveram o debate sobre a legitimidade de anistias que protegem criminosos comuns ou violam direitos humanos.
“Em outros países, também se verificou o debate sobre a legitimidade de norma que concedeu anistia, de modo a beneficiar não apenas os punidos pela ordem ditatorial, mas também os agentes públicos que cometeram crimes comuns, a pretexto de combater os dissidentes”, escreveu.
Até o momento, o relator foi seguido pelo ministro Luiz Fux. Os demais ministros têm até a próxima sexta, 21 de fevereiro, para votar no plenário virtual.
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Repercussão geral
No momento, o Supremo analisa apenas se o processo criminal sobre a morte de Paiva deve prosseguir, após a ação ter sido trancada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e se o caso deve receber o caráter de repercussão geral. Ou seja, se o eventual desfecho da ação penal, relativo à aplicação ou não da Lei da Anistia, deve ser aplicado a qualquer caso similar.
Em outro caso, ligado à Guerrilha do Araguaia, maior grupo rural de enfrentamento armado ao regime militar, o Supremo já alcançou maioria para aplicar a repercussão geral, abrindo caminho para a rediscussão sobre o alcance da Lei da Anistia.
O processo de Paiva, em específico, é julgado junto com os de outros dois desaparecidos: o militante partidário Mário Alves de Souza Vieira, um dos líderes do PCB e fundador do PCBR [Partido Comunista Brasileiro Revolucionário]; e de Helber José Gomes Goulart, militante da Aliança Libertadora Nacional (ALN), grupo engajado na luta armada contra o regime ditatorial.
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Nos três processos, o Ministério Público Federal (MPF) busca reverter acórdãos (decisões colegiadas) do STJ e dos Tribunais Regionais Federais da 2ª e 3ª regiões (TRF2 e TRF3), que trancaram as ações penais, aplicando a Lei da Anistia.
No fim de janeiro, a Procuradoria-Geral da República (PGR) voltou a sustentar o argumento de que a anistia não pode se aplicar aos casos, por se tratarem do crime de ocultação de cadáver, de caráter permanente, ou seja, que seguem em execução enquanto os acusados não revelarem o paradeiro dos corpos.
A defesa dos acusados pela morte e a ocultação dos desaparecidos políticos alega que seus clientes, alguns já falecidos, gozam da proteção da Lei da Anistia, por terem agido em nome do Estado, quando ocupavam cargos públicos e cumpriam ordens.
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Cinco militares reformados foram acusados pelo MPF de estarem envolvidos com o desaparecimento de Rubens Paiva. São eles: José Antônio Nogueira Belham, Rubens Paim Sampaio, Raymundo Ronaldo Campos, Jurandyr Ochsendorf e Jacy Ochsendorf.
Repercussão internacional
O caso de Paiva voltou a ser analisado pelo Supremo após a repercussão do filme “Ainda Estou Aqui”, que conta a história da advogada Eunice Paiva, viúva do ex-deputado, com quem teve cinco filhos. Após o sumiço do marido, ela se formou em Direito e passou a lutar em prol das famílias dos desaparecidos na ditadura.
O longa teve grande alcance nacional e internacional, conquistando prêmios como o de melhor roteiro do Festival de Veneza e o Goya de melhor filme íbero-americano. A atriz Fernanda Torres, que interpreta Eunice, venceu o Globo de Ouro de melhor atriz de drama e concorre ao Oscar de melhor atriz.
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O longa dirigido por Walter Salles também concorre na categoria principal, de melhor filme do ano, primeiro filme falado em português a conseguir o feito. Em geral, a premiação estadunidense indica filmes que não são falados em inglês à categoria de melhor filme estrangeiro.