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Homem forte do início do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), há mais de 20 anos, o ex-deputado federal e ex-chefe da Casa Civil José Dirceu (PT-SP) avalia que o mercado financeiro resolveu comprar briga com a nova gestão do petista e tenta emplacar as pautas de seu interesse, em detrimento do programa que elegeu Lula pela terceira vez para o Palácio do Planalto.
Em entrevista ao jornal O Globo, publicada nesta quarta-feira (4), Dirceu defendeu o pacote fiscal anunciado na semana passada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e também a decisão de Lula de isentar do Imposto de Renda (IR) os contribuintes que recebem até R$ 5 mil mensais.
“Ele [Haddad] propôs aumento insignificante de Imposto de Renda para contrabalancear a isenção para quem recebe até R$ 5 mil. Não tem novos gastos e, ainda assim, pressionam o presidente da Câmara e o Senado para votar isso só no próximo ano. O mercado devia estar defendendo diminuição de despesas tributárias, teto dos servidores e a medida do Imposto de Renda. Porque isso estabiliza. Mas querem diminuir o crescimento do salário mínimo, Bolsa Família, Previdência e Benefício de Prestação Continuada”, afirmou Dirceu.
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Para o ex-deputado e ex-presidente nacional do PT, a proposta fiscal do governo “está certa nas circunstâncias atuais, na correlação de forças atual”. “Mas eles querem mais, querem sangue. O governo já fez a parte dele, agora a palavra está com o Congresso. Se tivéssemos maioria, faríamos reforma tributária na renda, riqueza e propriedade”, disse o ex-ministro da Casa Civil.
Questionado sobre a trajetória de alta do dólar desde o anúncio do pacote fiscal, ultrapassando a marca de R$ 6, Dirceu diz que se trata de “especulação, da qual o governo não é responsável e que o Banco Central deveria ter impedido, pois tem instrumentos para isso”. “Qual razão para dólar a R$ 6? Por que o ajuste não era o que a Faria Lima queria? Economia e emprego crescendo, não há crise política, o Brasil tem paz, superávit na balança comercial, tem balança de conta corrente equilibrada, porque temos investimento direto externo e reservas de quase US$ 360 bilhões”, afirma o petista.
“Quem duelou com o governo foi o mercado. Foi apresentada uma proposta dentro das possibilidades que o Executivo tem. Se faz a proposta do mercado, ele deixa de ser governo que foi eleito, ele praticamente trai seu programa. Estão pedindo que nós façamos haraquiri. É isso que eles estão pedindo”, criticou Dirceu.
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O termo “haraquiri”, de origem japonesa, significa a forma de suicídio ritual praticada no Japão, especialmente pelos guerreiros e pelos nobres, que consistia em rasgar o próprio ventre com uma faca ou um sabre.
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Ainda segundo o ex-deputado do PT, “o mercado está querendo antecipar 2026”. “O governo já tem base de centro-direita. Não adianta tapar o sol com a peneira. Tanto é que aprovou tudo o que era importante. É preciso dar uma parada agora, pensar nos próximos dois anos, que tem eleições em 2026. O governo está sofrendo com falta de recursos nos ministérios. E ainda querem mais cortes”, afirmou.
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“Tem que fazer aquilo que garanta o crescimento do país. Imagina se vem uma crise por causa do trumpismo, o país está em recessão. Nem interessa para nós. Nós temos que defender nossos pontos de vista, não podemos abrir mão daquilo que é a nossa natureza e nem o mercado. Quem dirime essa disputa é o Congresso”, completou Dirceu.
Lula, Bolsonaro, Tarcísio e 2026
Na entrevista, o ex-braço direito de Lula no governo traçou prognósticos sobre a sucessão presidencial de 2026 e praticamente cravou a candidatura de Lula à reeleição.
“Não vejo situação em que ele não seja. Haddad é um dos prováveis candidatos em 2030. Em 2026, Lula é candidato de maneira inexorável”, disse.
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Em relação ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que está inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e foi indiciado pela Polícia Federal (PF) por suposta tentativa de golpe de Estado, Dirceu afirma que “ele não tem sucessor”.
“Ele está e ficará inelegível porque há base para que seja condenado e há outros processos. Mas ele já dá sinais de que será candidato até a impugnação pelo TSE. Ele não tem sucessor e há outros candidatos, como Pablo Marçal, Ronaldo Caiado e os governadores do Paraná [Ratinho Júnior] e de Minas Gerais [Romeu Zema]. Portanto, Bolsonaro já está em campanha. Mas precisa ver se tem força”, aponta. “Parte do PL não o quer. E acredito que a elite agrária e financeira do país vai impor a Tarcísio de Freitas que seja candidato.”
Na avaliação de José Dirceu, Tarcísio seria, em tese, um adversário mais difícil para Lula em 2026 do que o próprio Bolsonaro.
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“Sim, mas aí também há sucessão de São Paulo com possibilidade maior de disputarmos para ganhar. Vejo o jogo aberto para 2026. Ainda é cedo para dizer o que acontecerá porque existe um fator: as medidas que Donald Trump tomará quando assumir os Estados Unidos. Dependendo da intensidade, toda a conjuntura política mundial e brasileira mudará”, avalia.
“É quase jardim de infância o que estamos assistindo agora pelo ajuste fiscal. Fico estarrecido que a elite brasileira não se dê conta da gravidade do que acontecerá no mundo. Outros países já estão tomando medidas. O Brasil devia estar se preparando. É evidente que a crise na bolsa é um chuvisco perto da tempestade que vai ter no mundo. Se ele fizer o que ele está declarando, vai ser uma hecatombe mundial.”
Lava Jato e mensalão
Dirceu também comentou seu histórico de condenações e prisões em processos relativos aos escândalos do mensalão, ainda durante o primeiro mandato de Lula, e do petrolão, que veio à tona a partir da Operação Lava Jato, em 2014.
“O problema é que eles viraram instrumento político para mudar a realidade institucional do país. Os procuradores e o [Sergio] Moro pretendiam o poder. A lei foi sendo corrompida e as delações viraram uma farsa”, criticou Dirceu.
“O mensalão não se ateve a investigar empréstimos tomados por empresas do Marcos Valério e repassados ao PT, se transformou na maior corrupção do século, no ataque à república e à democracia. E a história da Visanet, em que está tudo provado que não existiu. [Houve] Pressão da opinião pública e julgamento ao vivo. Virou julgamento político”, prosseguiu.
Dirceu afirmou ainda que não errou “em lugar nenhum” e em “nenhum dos dois casos”. “Eu não tinha nenhuma relação com essa história dos dois empréstimos, do caixa dois. Roberto Jefferson foi cassado porque não provou que existia mensalão. Eu fui cassado porque era o chefe do mensalão. O Supremo me absolveu de formação de quadrilha. Eu fui condenado por corrupção, mas não tem prova nenhuma. Agora, veja quem é o Roberto Jefferson hoje e quem sou eu hoje”, disse.
“No caso da Lava Jato, o tempo nos deu razão. No caso do mensalão, não está ainda encerrado. Fui condenado com base na teoria do domínio do fato. E o criador dessa tese disse que não tinha pé nem cabeça para aplicar no meu caso. Mas não vejo o STF não seguindo o devido processo legal. As fotos e os filmes são provas. Como discutir anistiar cidadãos que foram instigados a destruir os poderes? É uma aberração”, completou.
Candidatura em 2026
Praticamente sem pendências na Justiça, Dirceu admite que pode se candidatar a algum cargo nas eleições de 2026, mas prefere tomar essa decisão mais adiante.
Em maio, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) extinguiu uma de suas condenações por corrupção no âmbito da Lava Jato. Dirceu ainda precisa se livrar de uma última condenação pendente, esta no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Caso isso ocorra, o ex-chefe da Casa Civil se tornaria “ficha limpa” e poderia concorrer nas eleições de 2026.
Em outubro, o ministro Gilmar Mendes, do STF, anulou todos os atos processuais do ex-juiz Sergio Moro contra o ex-deputado.
A medida de Gilmar Mendes, na prática, anula também todas as decisões de instâncias superiores que acabaram confirmando as condenações de Dirceu na Lava Jato.
A defesa do ex-ministro petista já encaminhou cópia da decisão de Gilmar ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), corte na qual ainda há dois recursos de Dirceu aguardando julgamento.
“Não tem necessidade nenhuma de resolver agora. Quero cuidar dos meus processos que estão acabando, trabalhar como advogado, porque tenho que pagar as dívidas que todo mundo agora vem me cobrar. E quero ajudar o PT nessa renovação, ajudar o presidente Lula. No final de 2025, vou decidir se serei candidato ou não”, conclui.
Durante a comemoração de sua festa de aniversário de 78 anos, em março, José Dirceu foi questionado diversas vezes por amigos e colegas sobre a possibilidade de retornar à vida política e tentar um novo mandato na Câmara dos Deputados.
Cassado na Câmara em 2005, condenado pela Justiça e preso três vezes, no âmbito dos processos sobre o mensalão e o “petrolão”, Dirceu está inelegível neste momento. Em janeiro, a defesa do ex-ministro havia entrado com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a anulação de todas as suas condenações na Operação Lava Jato.
A defesa de Dirceu pedia justamente que o STF estendesse ao ex-deputado os efeitos da decisão que beneficiou Lula, cuja condenação na Lava Jato também foi anulada após o Supremo entender que o ex-juiz Sergio Moro era suspeito para julgá-lo. Com a decisão de Gilmar, em tese, Dirceu fica cada vez mais perto de disputar as eleições de 2026.
Em resposta aos que lhe perguntavam sobre seu futuro político, na ocasião, Dirceu limitou-se a dizer que sua prioridade é seguir na militância partidária e colaborar, no limite de suas forças, com o governo Lula. “Espero viver como minha mãe, até os 97 anos. Portanto, tenho mais 19 anos para viver”, brincou o ex-ministro.
Biografia
José Dirceu foi condenado pelo mensalão, em 2012, a 7 anos e 11 meses de prisão – ele foi detido em 15 de novembro de 2013. No fim de 2014, foi autorizado a cumprir o restante da pena em sua residência – a pena do mensalão foi extinta em 2016. O ex-todo-poderoso do PT também foi preso no âmbito da Lava Jato.
Além de chefe da Casa Civil do primeiro governo Lula, de 2003 a 2005, Dirceu foi deputado federal por São Paulo (1991 a 1995 e 1999 a 2005, quando foi cassado) e presidente nacional do PT (1995 a 2002).