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A devolução de parte da medida provisória (MPV 1227/2024) que tratava da que limitava o uso de créditos do PIS (Programa de Integração Social) e da Cofins (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social) para o abatimento de outros tributos e vedava o ressarcimento em dinheiro do crédito presumido pelo Congresso Nacional deixou em aberto a fonte de compensação para a prorrogação da desoneração da folha de pagamentos a 17 setores econômicos e milhares de municípios.
Desde que o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), anunciou a decisão em meio a fortes reclamações de congressistas e de parte do setor produtivo às ações apontadas pelo governo federal, parlamentares começaram a se debruçar sobre caminhos alternativos que façam frente à renúncia fiscal estimada em R$ 25 bilhões apenas 2024, segundo cálculos do Ministério da Fazenda.
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Tal movimento é uma exigência do Supremo Tribunal Federal (STF) para que não sejam suspensos os benefícios previdenciários concedidos pelos congressistas aos setores econômicos e às prefeituras. O ministro relator do caso na Corte, Cristiano Zanin, deu um prazo de 60 dias (que se encerra em 18 de agosto) para que Executivo e Legislativo cheguem a um entendimento sobre medidas que façam frente à frustração de receitas.
Nos últimos dias, um cardápio com opções variadas circulou nos corredores de Brasília e nas páginas dos jornais. Dentre eles, estão a atualização de bens no Imposto de Renda, uma nova rodada de repatriação de recursos mantidos por brasileiros no exterior e até mesmo a arrecadação extra advinda da taxação de compras internacionais até US$ 50,00 (que antes eram isentas e agora passam a exigir alíquota de 20%).
Apesar da criatividade dos parlamentares, especialistas em contas públicas − e mesmo integrantes do governo federal − consideram as medidas em discussão insuficientes para cobrir a perda de arrecadação com as desonerações. Nos cálculos da equipe de análise da XP Investimentos, há um ganho potencial de receitas de R$ 16,8 bilhões se seis iniciativas de fato saírem do papel. Eis a lista:
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Para estimar o impacto fiscal da atualização de bens no Imposto de Renda, o economista Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, levou em conta desenho previsto no projeto de lei (PL 2337/2021) da reforma tributária encaminhado pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O texto abria a possibilidade para contribuintes pessoas físicas atualizarem valores de imóveis (que atualmente só pode ser feita no momento da venda do patrimônio) a uma alíquota especial de 5% − o que tinha impacto fiscal estimado em R$ 900 milhões. Como a discussão agora também considera a possibilidade de atualização por pessoas jurídicas, o especialista atualizou os cálculos para R$ 2,2 bilhões.
No caso da repatriação de recursos do exterior, foi considerado modelo semelhante ao adotado em 2016 e 2017. No primeiro ano, a arrecadação foi de R$ 45,1 bilhões, ao passo que no segundo trouxe de volta aos cofres públicos apenas R$ 1,6 bilhão. A diferença expressiva nos volumes se deve ao fato de que a primeira edição atingiu um estoque de recursos acumulados em 30 anos ou mais, enquanto a segunda ficou restrita a eventuais contribuintes que não tinham aderido à rodada anterior.
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“É pouco provável que uma repetição desta medida tenha impacto relevante. De todo modo, consideramos que a arrecadação seria o dobro da registrada em 2017 em nossa estimativa” (ou seja, R$ 3,2 bilhões), pontua Sbardelotto.
Os cálculos do economista também consideraram a apropriação de recursos de contas judiciais não sacados e não reivindicados por contribuintes num prazo de mais de dois anos, conforme prevê lei aprovada há 7 anos. Em 2017, lembra o especialista, a iniciativa arrecadou aproximadamente R$ 11 bilhões − montante expressivo por ter atingido todo o estoque de precatórios e requisições de pequeno valor (RPVs) até aquele momento acumulados. Os valores para os anos seguintes foram muito mais modestos: R$ 1,3 bilhões em 2018 e R$ 2,3 bilhões em 2021.
“O problema aqui é que o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a lei inconstitucional, logo uma nova lei teria de contornar essa restrição”, ponderou o economista. Mesmo que uma nova legislação seja aprovada e o risco jurídico afastado, Sbardelotto não espera um incremento de arrecadação que faça frente ao montante necessário: apenas R$ 2,3 bilhões (mesmo volume de 3 anos atrás).
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O quadro é ainda pior no caso da chamada taxação das “comprinhas”. Neste caso, o economista lembra que o valor mensal de compras até US$ 50,00 (objeto da nova tributação) gira em torno de R$ 1 bilhão. Considerando efeito da medida por 6 meses e uma redução de 10% no volume devido à nova incidência de imposto, ele chegou à estimativa de apenas R$ 1,3 bilhão arrecadado.
Já para o Refis de multas junto a autarquias e fundações públicas, a conta chega a R$ 2,7 bilhões, levando em conta dados do governo que apontam para R$ 96,3 bilhões na dívida ativa sob a gestão desses órgãos, sendo apenas R$ 21,5 bilhões na categoria de possível recuperação. Para estimar o valor, Sbardelotto considerou uma adesão de 20% e um desconto de 40% sobre o valor da dívida.
“Vale destacar que não foi possível encontrar dados sobre a adesão desses programas ou o desconto médio, o que nos levou a adotar premissas conservadoras. Por fim, ressaltamos que, por se tratar de receitas relacionadas a multas por infrações administrativas, essas não tem natureza tributária, logo não se enquadram nos critérios que definem as medidas de compensação a renúncias de receitas insculpidos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”, acrescentou.
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A maior fonte de arrecadação entre as medidas até o momento ventiladas seria a destinação dos recursos do sistema de valores a receber (SVR) ao Tesouro Nacional: um potencial de R$ 5,2 bilhões, segundo os cálculos do especialista. Neste caso, o desenho segue previsão de projeto de lei (PL 721/2024), que determina que recursos do SVR que não forem resgatados em 90 dias contados da sua disponibilização serão enviados à Conta Única do Tesouro.
Segundo dados do governo federal, em abril deste ano, haviam R$ 8,2 bilhões disponíveis para resgates nesta categoria. Do total, aproximadamente 63,5% se referem a valores menores que R$ 10,00. O economista adotou a premissa de que esses valores não serão resgatados, tendo em vista o baixo incentivo aos detentores para fazê-lo. Mas, assim como no caso anterior, o montante não tem natureza tributária e não poderia ser enquadrado nos critérios da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“Congresso e governo devem continuar discutindo possíveis saídas para compensar totalmente a perda de arrecadação decorrente da desoneração da folha. Caso não seja possível fazer a compensação, a desoneração da folha poderá, em tese, ser derrubada, mas consideramos esse um cenário improvável”, conclui Sbardelotto.
A equipe de análise política da Warren Investimentos tem visão similar sobre a insuficiência das medidas até o momento em discussão no Senado Federal. “Ainda não há uma resposta clara sobre qual vai ser o desfecho desse imbróglio, nem quando ele ocorrerá. A primeira cesta de propostas de arrecadação não parece ser o suficiente”, diz.
Para eles, no entanto, para evitar uma nova escalada de tensão entre Executivo e o Legislativo, a tendência é que o governo deixe de lado um discurso de que “lava as mãos” para o problema, adotado desde a devolução parcial da MPV por Pacheco, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), entre em campo em busca de soluções.
“A questão é que, quando Haddad se sentar na mesa de negociações, terá como um trunfo a liminar da ADI 7633. Ou seja, o governo hoje está numa posição de vantagem nesta discussão, porque ganha se o Congresso conseguir, ou não, encontrar um caminho para compensar a desoneração”, destacam os analistas em relatório a clientes.
“Lógico que, apesar de o governo ter uma carta relevante na manga, sempre há um risco de ele ter uma ‘vitória de Pirro’ se no ‘campeonato de fantasias’ os parlamentares recorrerem à contabilidade criativa e/ou às manobras fiscais e congressuais para manter a desoneração sem compensação”, concluem.