Medidas de Haddad são positivas, mas não garantem déficit zero, dizem especialistas

Apesar das dificuldades em estimar o impacto real das 3 ações anunciadas, economistas veem ganhos para o ajuste fiscal

Marcos Mortari

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), concede entrevista coletiva ao lado do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello (Foto: Washington Costa/MF)
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), concede entrevista coletiva ao lado do secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, e o secretário de Política Econômica, Guilherme Mello (Foto: Washington Costa/MF)

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O conjunto de medidas fiscais anunciadas nesta quinta-feira (28) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), deve ter efeito positivo sobre as contas públicas, mas não em nível suficiente para afastar o ceticismo do mercado quanto à capacidade de o governo Lula cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024.

Esta é a avaliação de economistas algumas horas após entrevista coletiva concedida pelo ministro em Brasília para anunciar o pacote e ainda antes de o texto da medida provisória ser publicado no Diário Oficial da União (DOU) e encaminhado ao Congresso Nacional.

O pacote contempla uma desidratação da desoneração da folha de salários concedida a 17 setores (prorrogado pelo Legislativo até 2027), reduzindo pela metade o impacto fiscal estimado com a medida, para R$ 6 bilhões. E a revogação do desconto previdenciário a prefeituras, que garantirá economia de mais de R$ 10 bilhões em 2024.

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Apesar da redução do impacto fiscal, a renúncia com a medida não estava prevista nas peças orçamentárias do ano que vem – o que significa que o governo apenas reduziu o montante que precisaria ser compensado por outra ação.

A medida provisória que irá para análise dos parlamentares apresenta como fonte compensatória de recursos para a desoneração “light” a revisão do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) – programa que concedeu isenção de PIS/Cofins, CSLL e IRPJ pro 5 anos ao setor. Com o texto, o governo poderá voltar a cobrar os dois tributos a partir de maio (passada a noventena exigida pela Constituição Federal), e o último em 2025 (atendido o princípio da anualidade).

Além dessas ações, o governo anunciou que limitará o volume de crédito tributário passível de utilização para pagamento de tributos por empresas com estoques superiores a R$ 10 milhões – medida de fluxo que, nos cálculos da equipe econômica, poderá limitar em cerca de R$ 20 bilhões o ritmo de compensações em 2024.

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“Avaliamos que a proposta apresentada pelo governo é positiva do ponto de vista fiscal. A mudança na sistemática da desoneração da folha, além de diminuir o impacto para apenas R$ 6 bilhões, reduz distorções e aumenta a equidade do sistema tributário”, observam os economistas da XP Investimentos.

“O Perse, por sua vez, já cumpriu sua função, dado que o setor de eventos já opera em níveis próximos ou acima do pré-pandemia”, avaliam.

“Por fim, a limitação de uso de créditos tributários deve ter um efeito direto na receita líquida, melhorando o resultado primário já no curto prazo, mas há elevada probabilidade de judicialização”, alertam.

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Durante a coletiva de imprensa para anunciar as medidas, o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, argumentou que a jurisprudência é pacífica sobre a possibilidade de legislação regular a compensação de tributos – que, ao contrário de precatórios, não seriam vistos como direito líquido e certo. Ele salientou, ainda, que, mesmo nos precatórios, é feita a programação de pagamento para o exercício seguinte a partir de seu reconhecimento pelo poder público.

Para os analistas da XP, “há boa probabilidade de haver ganho fiscal com as medidas anunciadas”. Ainda assim, a casa decidiu manter projeção de déficit de R$ 91,6 bilhões (o equivalente a 0,8% do PIB) para o ano que vem.

O economista Matheus Pizzani, da CM Capital, por sua vez, pontua que as medidas não foram desenhadas com vistas apenas ao resultado fiscal, mas também para dar mais previsibilidade para a arrecadação federal nos próximos anos – afetada, além do desempenho da economia como um todo, pela judicialização. No caso do Perse, ele argumenta que a revisão é “extremamente assertiva” após dois anos do programa.

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“Assim como os projetos voltados ao longo de dezembro, o conjunto de medidas anunciadas hoje possui impacto significativo sobre o potencial de arrecadação – tanto de 2024, quanto para os anos subsequentes”, observou. Mas ele pondera que estimar o efeito de cada ação é tarefa muito complexa neste momento.

“O que é possível afirmar, no entanto, é que o conjunto das medidas não será responsável por equalizar as contas públicas no próximo ano, conforme demandado pelo arcabouço fiscal – o que não desqualifica em absolutamente nada sua importância para a estrutura das contas públicas do país”, disse.

Visão similar sobre as medidas tem a analista Júlia Aquino, da Rico. Para ela, o pacote apresentado pela equipe econômica tende a repercutir positivamente nos mercados, mas o cenário fiscal ainda inspira cuidados. “Com a Lei de Diretrizes Orçamentárias para o próximo ano prevento déficit zero, a discussão sobre a meta e o risco fiscal deve continuar no centro das atenções do mercado, e é um dos pontos principais a serem monitorados por investidores em 2024”, pontuou.

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Marcos Mortari

Responsável pela cobertura de política do InfoMoney, coordena o levantamento Barômetro do Poder, apresenta o programa Conexão Brasília e o podcast Frequência Política.