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O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) editou, na última quinta-feira (31), uma medida provisória para disciplinar o crédito fiscal decorrente de subvenção para a implantação ou a expansão de empreendimento econômico (MPV 1185/2023).
Embora a matéria já tivesse sido acenada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), como forma de regulamentar decisão tomada por unanimidade pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) a favor do governo federal, advogados da área tributária, empresários e até parlamentares foram surpreendidos pelo alcance das mudanças indicadas no texto encaminhado ao Congresso Nacional.
Na avaliação de especialistas consultados pelo InfoMoney, o texto tem potencial de afetar de forma significativa os resultados de empresas de diversos setores da economia, especialmente do varejo e da indústria, que já haviam sido atingidos pelo entendimento formado pelo STJ no caso dos impactos de incentivos fiscais envolvendo o ICMS sobre tributos federais.
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No geral, eles avaliam que o texto foi muito além do que decidiu a corte superior e que há riscos de as mudanças, caso não ajustadas por deputados e senadores durante sua tramitação no parlamento, produzam insegurança jurídica e sejam questionadas no Poder Judiciário.
As subvenções na prática resultaram em isenção ou redução nos impostos estaduais pagos pelas companhias como forma de estimular a criação ou a expansão de operações. E tal desconto era usado pelas companhias para reduzir a própria base de cálculo do IRPJ e da CSLL – o que passou a gerar questionamentos do atual governo em situações em que o benefício não era usado exatamente para investimentos, mas custeio.
Com a mudança proposta pelo governo, a tributação de todas as empresas voltaria ao padrão, para que as situações sejam avaliadas pela Receita Federal de acordo com as normas estabelecidas. A prévia habilitação por meio do Fisco visa conferir maior controle aos benefícios por parte do governo federal.
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Para atacar eventual “desvirtuamento do instituto”, a MPV reconhece à pessoa jurídica tributada pelo lucro real que receber subvenção de qualquer ente federado para implantar ou expandir empreendimento econômico o direito de apurar crédito fiscal – enquanto espécie de direito creditório concedido a título de IRPJ e passível de compensação ou ressarcimento com outros tributos administrados pela Receita Federal.
O texto estabelece que, na apuração do crédito fiscal, poderão ser computadas somente as receitas que estejam relacionadas a implantação ou expansão do empreendimento econômico e sejam reconhecidas após a conclusão da implantação ou expansão do empreendimento econômico e o protocolo do pedido de habilitação da pessoa jurídica.
Não poderão ser computadas: 1) as receitas não relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão relativas à instalação ou expansão do empreendimento econômico; 2) a parcela das receitas que superar o valor dessas despesas; 3) a parcela das receitas que superar o valor das subvenções concedidas pelo ente federado; 4) as receitas que não tenham sido submetidas à tributação do IRPJ e da CSLL; (5) as receitas decorrentes de incentivos de IRPJ e do próprio crédito fiscal; e (6) as receitas reconhecidas após 31 de dezembro de 2028.
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A iniciativa faz parte do conjunto de medidas encaminhadas pelo Ministério da Fazenda para equilibrar as contas públicas. A equipe econômica estima que seriam necessárias receitas adicionais na ordem de R$ 168,5 bilhões para que a meta de zerar o déficit fiscal em 2024 seja alcançada. Apenas com a MPV 1185/2023, a expectativa é de elevação de arrecadação em R$ 35,3 bilhões.
Na exposição de motivos que acompanhou a medida provisória encaminhada ao Congresso Nacional, o governo argumentou que “a concessão de benefícios em caráter geral ou de forma incondicionada pelos Estados e pelo Distrito Federal, com decorrente redução das bases de cálculo de tributos federais, provoca impacto fiscal negativo na ordem de R$ 80 bilhões ao ano” e defendeu a necessidade de se modificar a legislação para evitar erosão da base fiscal e estabelecer um novo tratamento aos incentivos fiscais relacionados às subvenções.
O texto também segue princípio constitucional firmado em 2021 que determina que o montante total de incentivos e benefícios não devem ultrapassar 2% do Produto Interno Bruto (PIB) em um prazo de 8 anos, contando da vigência da emenda.
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Advogados consultados pelo InfoMoney avaliam que a medida provisória avançou sobre questões não abordadas pelo STJ no julgamento de abril. Um dos pontos mais criticados é o fato de a legislação utilizada como base para a decisão da corte superior ter sido revogada pela nova norma editada pelo governo. Por se tratar de Medida Provisória, no entanto, o texto precisa do aval das duas casas legislativas em até 120 dias – do contrário, perde validade.
“Pela análise da MP em questão, temos a sensação de que o atual governo desconsiderou parte da decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do Recurso Especial 1.945.110 (Tema 1.182), realizado em 26/04/2023, no que se refere à necessidade de observância aos requisitos legais impostos pela legislação para se beneficiar da exclusão da subvenção para investimento da base de cálculo do IRPJ. Isto porque, o STJ tinha fixado tese com base em legislação que foi revogada pela Medida Provisória nº 1.185. É dizer, parte do que foi decidido passa a ficar sem efeito prático”, pontua o advogado Gustavo de Toledo Degelo, coordenador da área de Contencioso Tributário do Briganti Advogados.
As novas restrições impostas pela regra geraram preocupação quanto aos impactos sobre os resultados das empresas. “A nova MP buscou detalhar os conceitos que hoje são controvertidos, como por exemplo, o que deve ser considerado como implementação e expansão de empreendimento econômico para qualificação como uma subvenção para investimento. Dentre outros pontos, a MP traz novamente a questão da necessidade de existência efetiva de contrapartidas a serem cumpridas pela pessoa jurídica, ponto este que atualmente havia sido afastado pela decisão do STJ”, pontua a advogada Fernanda de A. Prado Sampaio, coordenadora da área tributária consultiva do escritório Finocchio & Ustra, Sociedade de Advogados.
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“Tal MPV, além de ignorar o recente entendimento do STJ, desobedece ao que havia sido proposto pelo próprio governo na PEC da reforma tributária dos indiretos, que determinava o envio de proposta para a reforma do Imposto de Renda após 180 dias da promulgação desta primeira”, complementa.
“O que se acompanhou nos últimos dias foram diversas alterações e propostas de alterações na legislação do IRPJ de forma esparsa, o que faz com o que os contribuintes e o mercado tenham dificuldades de avaliar os reais impactos de tais alterações. O fato de a MP restringir o conceito de subvenção e implementar dificuldades para sua utilização (habilitação perante à RFB) certamente aumentará significativamente a carga tributária das empresas, tendo como consequência um potencial aumento inflacionário expressivo”, conclui.
“O passado de volta… é isso que temos com a nova MP 1185/2023. A discussão sobre a tributação das subvenções, segregadas entre investimentos (não tributadas) e custeio (tributadas), voltou, mas com uma roupagem diferente – o termo da vez é o ‘crédito fiscal de subvenção para investimento'”, pontua João Eduardo Cipriano, sócio da área tributária do escritório Miguel Neto Advogados.
“Com a revogação do art. 30, da Lei 12.973/0214, o governo passa a mensagem de que traz um incentivo até 2028 para os contribuintes. Não é o que vai acontecer na prática. Na verdade, as subvenções de ICMS que os Estados concedem para atrair contribuintes e que o artigo 30 da Lei 12.973 havia definido que eram não tributáveis para fins de IRPJ e de CSLL, agora não serão tributadas apenas e tão somente se tiverem vinculação com a implantação ou expansão de um empreendimento econômico”, avalia.
“Na prática, as subvenções, que são registradas como ‘receitas’ na demonstração do resultado das empresas, não serão mais excluídas do cálculo do lucro real. Em contrapartida, gerarão um crédito fiscal de 25% sobre o valor da subvenção (alíquota cheia do IRPJ) para os contribuintes previamente habilitados e que poderá ser compensado com outros tributos federais ou ressarcido no ano seguinte ao do registro da subvenção. Ou seja, primeiro se tributa, e depois concede-se o crédito”, complementa.
Para ele, a redação da medida provisória também torna tributáveis as subvenções para fins de PIS e Cofins, que não estavam no escopo da decisão tomada pelo STJ.